Vida De Aeromoça. Marina Iuvara
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Afastando-me da realidade rotineira, uma carga de adrenalina reforça-me tanto assim para me dar vitalidade e positividade enormes, ajudando-me a encontrar as respostas certas.
Viajar é uma invasão de mundos que não são os meus, é sempre uma satisfação que me proporciona um emocionante sentimento de liberdade, e me ajuda a descobrir de novo parte da minha autonomia.
Há algum tempo realizei aquele grande desejo que tinha desde criança: tornei-me uma hospedeira de voo.
Passaram anos, mas me lembro como se fosse ontem o momento em que decidi mudar a minha vida. Aquele dia está impresso na minha memória. Estava com Stefania.
Gostaria de ser aeromoça
Chega, estou farta! Mario estava insuportável, chega a me seguir até quando vou tomar um café com as amigas. Não quer que eu vá para a aula e me proíbe até de cumprimentar meu ex. Quero pensar mais em mim mesma e me tornar independente. Por que não criamos algo nosso e abrimos um negócio juntas? O que você pensa para o futuro, Anna? O que você gostaria de fazer?
Foi isso que me disse Stefania em nosso habitual encontro matutino para um café no “Bar das Finanças” em frente a minha casa, infeliz com sua perspectiva de futura dona de casa, tão desejada por seu noivo ciumentíssimo.
Nunca me tinha feito seriamente essa pergunta, nem tinha feito planos de carreira.
Depois de sair da escola e me inscrever na faculdade de direito, já que as matérias científicas não eram para mim, procurei um trabalho como secretária para me manter estudando e tentar satisfazer alguns pequenos caprichos.
Na época, acordava todos os dias à mesma hora e, depois de um rápido café da manhã, me metia no trânsito caótico, enfrentando os 45 minutos de filas intermináveis nos semáforos e os barulhentos engarrafamentos nas rótulas, tentando poupar alguns minutos para chegar a tempo no escritório.
Todo dia, na rua Barriera del Bosco, onde sempre ficava presa em um ponto especial de engarrafamento por pelo menos 15 minutos, eu encontrava com frequência um homem: um barbudo sempre sentado em um montinho de terra que ele fazia com as mãos.
Agachado sob a sombra de uma árvore, observava aquele interminável vai e vem, igual todos os dias.
O olhar daquele indivíduo tinha algo de sereno e vislumbrava uma realidade distante da sua: todos aqueles homens, mulheres e crianças que passavam por ele, aprisionados em seus carros.
Ele era bastante discreto, como se não quisesse que percebessem sua presença a observar atentamente, admirado de encontrar sempre as mesmas caras nervosas e exaustas, os mesmos carros enfileirados um atrás do outro, e todo aquele buzinaço que soava como um protesto. Acho que pensava como seria difícil para todos aqueles homens encontrarem a tranquilidade que ele parecia ter atingido.
Suas pupilas se moviam atentas e direcionavam olhares quase benevolentes e indulgentes a todos aqueles motoristas que, a sua volta, olhavam com compaixão ou desprezo para ele e seus trapos jogados ao relento, muitas vezes úmido.
Todas as manhãs, eu me perguntava quem de nós dois era o doido, eu, a motorista nervosa, ou ele.
Eu pensava todas as noites sobre a pergunta que Stefania me fez sobre meu futuro.
A resposta chegou num fim da tarde, na hora de voltar do trabalho, dentro do meu carrinho, depois de ter evitado uma colisão frontal com um idiota que cortou minha frente, ao fim de uma jornada de trabalho interminável, tendo de lidar com um chefe briguento e dado a abusos, com colegas que eu preferiria não ter conhecido, falsos e interesseiros.
No fim do expediente, saí da vaga que achei a duras penas pela manhã, que só consegui depois de ter brigado com outro mal-educado convencido de ter visto o espaço antes de mim, tentando me fazer desistir dela obstruindo meu ingresso.
Naquela tarde, percebi um pequeno arranhão na lataria e limpador de para-brisas posterior desencaixado.
Todo dia, chegando em casa cansada, organizava a casa e preparava a janta com pressa, por causa daquela “fome famélica” que eu conseguia apaziguar pegando algum resto do dia anterior da geladeira e pedaços de queijo amarelados, porque mal colocados nas embalagens de plástico entreabertas.
QUERO VOAR! - Gritei de repente - Sim! Encontrei! Quero voar!
O que mais me seduzia era a possibilidade de evitar a rotina diária, o tráfego da cidade, ver sempre os mesmos rostos nos mesmos lugares. Gostaria de me relacionar sempre com pessoas diferentes, mudar de espaços, expandir meus pontos de vista, ter a possibilidade de perambular pelo mundo e me deliciar com a culinária internacional.
Pensei isso mastigando uma bolacha de água e sal e a última azeitona no pote.
O sonho era voar, gostaria de ser aeromoça.
Então liguei para Stefania.
Stefania ficou entusiasmada com a ideia e me disse que também gostaria. Sua única preocupação era o noivo.
Um tempo depois, com os olhos brilhando e a página arrancada de uma revista, nos encontramos para ler com atenção e entusiasmo estas indicações:
Como se tornar comissário de bordo
“O comissário de bordo é sinônimo de confiança e compromisso, estilo e cordialidade; grande capacidade de organização, tenacidade, resistência ao cansaço e, sobretudo, vontade de trabalhar para os outros, entrando em contato com culturas e países diversos, dotes necessários para lidar melhor com o trabalho.
Nas seleções, busca-se praticidade, capacidade de se antecipar a e resolver problemas, capacidade de se relacionar, responsabilidade, autocontrole, estabilidade emocional, mente aberta e tolerância com o novo.
Características:
Idade entre 18 e 32 anos
Estatura mínima: 164 centímetros para mulheres, 172 centímetros para homens
Escolaridade: nível médio completo
Línguas: italiano e inglês avançado, conhecimento de uma terceira língua preferível
Boas habilidades atléticas e de natação
Sem tatuagens visíveis”.
Tudo estava de acordo com nossas características e aspirações. Podíamos tentar, podíamos conseguir.
Vamos mandar nosso currículo para a companhia aérea o quanto antes – eu disse.
Dito e feito.
Stefania preencheu os formulários, apesar das ameaças veladas do namorado, e enviamos tudo juntas, anexando também fotos tiradas com diligência e atenção.
Eu não disse nada a meus pais, pois estava certa de que eles não aprovariam nem apoiariam minha ideia.
Vai, tira, tira a foto agora!
Escolhemos nossas roupas com cuidado: