As Investigações De João Marcos Cidadão Romano. Guido Pagliarino
Чтение книги онлайн.
Читать онлайн книгу As Investigações De João Marcos Cidadão Romano - Guido Pagliarino страница 4
O levita dedicou os sete dias seguintes para se purificar da contaminação do cadáver, de acordo com as normas mosaicas de pureza contidas no livro da Torá Bemidba: “…aquele que tocar em alguma pessoa morta se tornará impuro durante sete dias. Portanto, deverá purificar-se com essa água lustral no terceiro e no sétimo dia; então será considerado novamente puro. Contudo, se não se purificar no terceiro e no sétimo dia, não estará livre da impureza que adquiriu…”2.
Tendo completado o rito, no oitavo dia ele embarcou para Salamina com suas sementes. Em casa, ele escreveu e confiou a um mensageiro uma carta para a esposa e o filho de Jônatas Paulo, com informações detalhadas sobre a tragédia. Ele não pediu reembolso, apesar dos poucos centavos que reteve do falecido, dos custos do sepultamento e da estadia forçada em Perge por mais sete dias: ao contrário de seu tio, Barnabé considerava o dinheiro um mero instrumento, e não uma gratificação do Senhor para os justos; além disso, ele seguia os dez mandamentos de Moisés, o preceito do dízimo no templo e as regras de pureza. Mas, como muitos de seus correligionários, não se baixava ao preconceito mesquinho, apesar do fato de que, de acordo com os exigentes doutores da Lei, todas de origem farisaica, apenas aqueles que se esforçaram para respeitá-las deveriam ser considerados justos. Como havia sido para o pai de Marcos, todos os 613 preceitos da Lei, nenhum excluído, deveriam ser cumpridos, entre os quais havia obrigações como a de recitar, toda vez que alguém se retirava para ir ao banheiro, esta oração de bênção: “Bendito sejas, Senhor nosso rei do universo, que fez o homem com sabedoria e criou nele muitas falhas e vaidades. É revelado e sabido, perante o Trono da sua Glória, que se um destes se abrisse ou outro se fechasse, seria impossível viver e permanecer à sua frente. Bendito sejas, Senhor, que cura cada corpo e age magnificamente”3.
Sabe-se bem o quanto o luto afligiu o jovem Marcos e sua mãe. A viúva Maria, quando finalmente encontrou a paz, vendeu em nome de seu filho, único herdeiro de Jônatas Paulo, o bazar de tapetes, causa indireta da morte de seu amado marido e pai, e investiu o dinheiro em um lindo lote de terreno, além dos já possuídos. Raciocinou que, assim, Marcos não precisaria fazer viagens longas e perigosas para comprar mercadorias. Também proibiu seu filho de ir a Perge visitar o túmulo do pai, porque “de mortos, em casa, um é suficiente, e já há um”. E, pior ainda, o proibiu de ir lá procurar os assassinos, como ele teria gostado de fazer: “Uma ideia”, repreendia-o em tom muito firme, “totalmente absurda, que só poderia aparecer na mente de uma criança, como você”.
Dois anos se passaram desde o assassinato, e era sexta-feira, 6 de abril da semana da Páscoa do ano de Roma 7834 O sol da quinta-feira acabara de se pôr e, com a primeira escuridão, o dia da Páscoa havia começado tanto para o povo quanto para a seita fechada dos essênios, que calculava a data da Páscoa de acordo com o calendário solar. Por outro lado, para as seitas dos saduceus e dos fariseus, o grande dia seria apenas o seguinte, pois eles estabeleciam a recorrência solene de acordo com o calendário lunar. Portanto, para eles, 6 de abril daquele ano era apenas o parasceve, que é o dia de os preparativos5.
Um rabino originário de Nazaré da Galileia e 12 de seus seguidores se reuniram no primeiro andar da casa de Marcos e sua mãe para celebrar a refeição da Páscoa na cidade sagrada de Jerusalém, como era prescrito para todos os judeus sempre que possível. O tradicional cordeiro pascal, que seria comido aos treze no auge do banquete solene, havia sido comprado pelo discípulo do rabino e tesoureiro do grupo Judas Bar Simão, denominado Iscariotes6 e apresentado ao templo onde havia sido sacrificado ritualmente por um ministro do culto.
A viúva de Jônatas Paulo havia conhecido o mestre nazareno na próxima Betânia, na casa de seus amigos Marta e Maria e de seu irmão Lázaro. Fascinada pelo carisma do homem, ela se tornou uma seguidora espiritual. Por simpatia, deu-lhe seu cenáculo para que ele pudesse celebrar a ceia da Páscoa com sua família na cidade, longe dos olhos do inimigo; sua vida havia sido, de fato, ameaçada pelos membros do supremo conselho judaico de Jerusalém, o Sinédrio, do qual faziam parte sacerdotes, escribas e certos anciãos da comunidade, ricos e poderosos que conspiravam para prendê-lo o mais rápido possível e entregá-lo ao Tribunal romano com acusação passível de morte, porque os havia criticado e insultado publicamente na praça em frente ao templo. Para os poderosos, não se tratava apenas de vingança, eles o temiam porque seus ensinamentos eram uma ameaça constante para eles; com efeito, ensinava, sem meias palavras, que, em todos os momentos, os líderes das comunidades não devem exigir elogios e serviços, mas, pelo contrário, devem estar à disposição do povo; e afirmava que o Eterno estabelecia que a pureza e impureza de um ser humano não residem no cumprimento ou não dos preceitos formais da Lei ou na encomenda de sacrifícios de animais7 e ofertas de primícias para adoração, nem na realização dos rituais inventados pelos padres e doutores da Lei para terem prestígio e ganho, mas nas escolhas do amor ou do ódio ao próximo. Se esses ensinamentos alarmavam muito os líderes de Israel, por outro lado, emocionavam a muitas pessoas como Maria, a viúva.
O jovem Marcos não estava entre os seguidores do rabino, mas, sendo oficialmente o dono da casa e religiosamente maior de idade há dois anos8, ele teria o direito de se colocar no lugar de honra nas esteiras da mesa de Páscoa, junto dos convidados. No entanto, ele se absteve, porque, seguindo os costumes farisaicos de seu pai, ele, sua mãe e os servos celebrariam a Páscoa na noite seguinte. E, de fato, outro cordeiro foi sacrificado por eles no templo. Então, os 13 foram deixados sozinhos no Cenáculo, completamente livres para celebrar a festa entre eles.
Inesperadamente, a certa altura da noite, um do grupo, aquele Judas que dera o cordeiro, desceu ao térreo com uma careta feia no rosto, as bochechas arroxeadas, e saiu pela porta da casa sem nem mesmo se despedir de Marcos, que estava no corredor. O jovem se perguntou se aquele homem havia recebido uma tarefa repentina e urgente do mestre, pois sua personalidade gostava muito de investigar fatos obscuros. Obviamente, ele gostaria, em primeiro lugar, de descobrir e mandar prender os assassinos de seu pai, mas agora considerava isso irreal: faltavam ainda alguns anos para o sonho extraordinário que o teria levado a investigar. Não vendo Judas voltar, a curiosidade do menino cresceu. Quando o grupo do Nazareno deixou a casa atrás do chefe para ir dormir, com a permissão de Maria, no barracão do olival Getzemani que Marcos havia herdado, o jovem proprietário disse à sua mãe que acompanharia os 12. Ficaria com eles durante a noite e voltaria às primeiras luzes. Ele desejava em seu coração que, no caminho, descobrisse os motivos da saída inesperada do Iscariotes e de seu não retorno.
Maria ainda era muito protetora com o filho, como as mães judias costumavam ser, pelo menos naquela época; alarmada, ela exclamou em tom alegre, mesmo sabendo que suas palavras não teriam ajudado em nada contra a teimosia do menino: “…, mas o que você vai fazer lá à noite?! É possível que você sempre tenha de me deixar preocupada? Por que você não escuta sua mãe pelo menos uma vez?!”.
Maria era apenas quinze anos mais velha que o filho e ainda era uma mulher bonita. Pequena, mas de traços finos e um corpo saudável muito popular