Romancistas Essenciais - Eça de Queirós. Eca de Queiros

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Romancistas Essenciais - Eça de Queirós - Eca de Queiros Romancistas Essenciais

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fazenda.

      Ao pé de Amélia uma rapariga acamava couves numa canastra.

      — Então esta é que é a quinta da D. Maria?

      E Amaro deu um passo para dentro do portão.

      Uma rua larga de velhos sobreiros, dando uma sombra doce, estendia-se até à casa que se entrevia no fundo, branquejando ao sol.

      — É. A nossa fazenda fica do outro lado, mas entra-se também por aqui. Vá, Joana, avia-te!

      A rapariga pôs a canastra à cabeça, deu as boas-tardes, meteu pelo caminho de Sobros, batendo muito os quadris.

      — Sim, senhor! sim, senhor! Parece uma boa propriedade, considerava o pároco.

      — Venha ver a nossa fazenda! disse Amélia. É uma migalhinha de terra, mais para fazer uma idéia. Vai-se por aqui mesmo... Olhe, vamos ter lá baixo com a D. Maria, quer?

      — Valeu. Vamos lá à D. Maria, disse Amaro.

      Foram subindo a rua dos sobreiros, calados. O chão estava cheio de folhas secas, e, entre os troncos espaçados, moutas de hortênsias pendiam abatidas, amareladas dos chuveiros; ao fundo a casa baixa, velha, de um andar só, assentava pesadamente. Ao longo da parede grandes abóboras amadureciam ao sol, e no telhado, todo negro do Inverno, esvoaçavam pombos. Por trás o laranjal formava uma massa de folhagens verde- escuras; uma nora chiava monotonamente.

      Um rapazinho passou com um balde de lavagem.

      — Para onde foi a senhora, João? perguntou Amélia.

      — Foi pro olival, disse o rapaz com a sua vozinha arrastada. O olival era longe, no fundo da quinta: havia ainda grandes lamas, não se podia ir lá sem tamancos.

      — Vai-se a gente sujar toda, disse Amélia. Deixar lá a D. Maria, hem? Vamos nós ver a quinta... Por aqui, senhor pároco...

      Estavam defronte dum velho muro onde cresciam clematites. Amélia abriu uma porta verde; e por três degraus de pedra desconjuntados desceram a uma rua toldada por uma larga parreira. Junto do muro cresciam rosas de todo o ano; do outro lado, por entre os pilares de pedra que sustentavam a latada e os pés torcidos das cepas, via-se, batido de luz, com tons amarelados, um grande campo de erva; os tetos baixos do curral coberto de colmo destacavam ao longe em escuro, e desse lado um fumozinho leve e branco perdia-se no ar muito azul.

      Amélia a cada momento parava, explicava a quinta. - Ali ia semear- se cevada; além havia de ver o cebolinho, estava muito bonito...

      — Ah! a D. Maria da Assunção traz isto muito bem tratado!

      Amaro ouvia-a falar, com a cabeça baixa, olhando-a de lado; a sua voz naquele silêncio dos campos parecia-lhe mais rica, mais doce; o grande ar dava-lhe uma cor mais picante às faces; o seu olhar rebrilhava. Para saltar umas lamas tinha apanhado o vestido; e a brancura da meia, que ele entreviu, perturbou-o como um começo da sua nudez.

      Ao fundo da parreira atravessaram um campo ao comprido dum regueiro. Amélia riu muito do pároco, que tinha medo dos sapos. Ele então exagerou os seus sustos. Ó menina Amélia, haveria víboras? Ele roçava-se por ela, afastando-se das ervas altas.

      — Vê aquele valado? Pois para o lado de lá é a nossa fazenda. Entra- se pela cancela, vê? Mas veja lá se está cansado! Que o senhor parece-me que não é grande caminhador... Ai, um sapo!

      Amaro deu um pulinho, tocou-lhe o ombro. Ela empurrou-o docemente, e com um riso cálido:

      — Seu medroso! seu medroso!

      Estava toda contente, toda viva. Falava na sua fazenda com uma vaidadezinha, satisfeita de entender da lavoura, de ser proprietária. - A cancela está fechada, parece - disse Amaro.

      — Está, fez ela. - Apanhou as saias, deu uma carreirinha. Estava fechada! Que pena! E abalava, impaciente, as grades estreitas, entre as duas fortes ombreiras de madeira encravadas na espessura do silvado.

      — Foi o caseiro que levou a chave!

      Agachou-se, gritou para o lado do campo, arrastando muito tempo a voz: - Antônio! Antônio!

      Ninguém respondeu.

      — Anda lá para o fundo da quinta! disse ela. Que seca! Se o senhor pároco quisesse, aqui adiante pode-se passar. Há uma abertura no valado, chamam-lhe o salto da cabra. Pode a gente saltar para o outro lado.

      E caminhando rente ao silvado, chapinhando a lama, toda alegre:

      — Quando eu era pequena nunca passava pela cancela! Saltava sempre por ali. E cada trambolhão, quando o chão estava resvaladiço com a chuva! Era um vivo demônio, aqui onde me vê! Ninguém há-de dizer, senhor pároco, hem? Ai! vou-me a fazer velha! - E voltando-se para ele, com um risinho onde luzia o esmalte dos dentes:

      — Não é verdade? Estou-me a fazer velha, hem?

      Ele sorria. Custava-lhe falar. O sol, batendo-lhe nas costas, depois do vinho do abade, amolecia-o: e a figura dela, os seus ombros, os seus encontros davam-lhe um desejo contínuo e intenso.

      — Aqui está o salto da cabra, disse Amélia parando.

      Era uma abertura estreita no valado: a terra do outro lado, mais baixa, estava toda lamacenta. Via-se dali a fazenda da S. Joaneira: o campo plano estendia-se até um olival, com a erva fina muito estrelada de pequenos malmequeres brancos; uma vaca preta, de grandes malhas, pastava; e para além viam-se tetos aguçados dos casais, onde voavam revoadas de pardais.

      — E agora? perguntou Amaro.

      — Agora saltar, disse ela rindo.

      — Cá vai! exclamou ele.

      Traçou a capa, saltou: mas escorregou nas ervas úmidas, - e imediatamente Amélia, debruçando-se, rindo muito, com grandes acenos de mãos:

      — E agora adeus, senhor pároco, que eu vou ter com a D. Maria. Aí fica preso na fazenda. Para cima não pode o senhor pular, pela cancela não pode o senhor passar! É o senhor pároco que está preso...

      — Ó menina Amélia! ó menina Amélia!

      Ela cantarolava-lhe, escarnecendo:

      Fico sozinha à varanda,

      Que o meu bem está na prisão!

      Aquelas maneirinhas excitavam o padre - e com os braços erguidos, a voz cálida:

      — Salte, salte!

      Ela então fez voz de mimo:

      — Ai, tenho medinho! tenho medinho...

      — Salte, menina!

      — Lá vai! gritou ela bruscamente.

      Saltou, foi cair-lhe sobre o peito com um gritinho. Amaro resvalou, firmou-se - e sentindo entre os braços o corpo dela, apertou-a brutalmente e beijou-a com furor no pescoço

      Amélia desprendeu-se, ficou diante dele, sufocada, com a face em brasa, compondo na cabeça e em roda do

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