A Ordem. Daniel Silva

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A Ordem - Daniel Silva HARPERCOLLINS PORTUGAL

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com abundante cabelo escuro e feições de estrela de cinema, celebrara recentemente o seu sexagésimo terceiro aniversário. A idade em nada diminuíra a sua beleza. A revista Van­ity Fair batizara-o recentemente como «Luigi, o Deslumbrante». O artigo causara-lhe um enorme embaraço no mundo de maledicência da Cúria, mas, dada a merecida reputação de Donati como implacável, ninguém se atrevera a mencionar-lho na cara. Ninguém, exceto o Santo Padre, que troçara impiedosamente dele.

      É melhor não dizer demasiado ao telefone…

      Há um ano ou mais que Donati se andava a preparar para esse momento, desde o primeiro ataque cardíaco leve, que ocultara do resto do mundo e até de grande parte da Cúria. Mas, de entre tantas noites, tinha logo de ser aquela?

      A rua estava estranhamente silenciosa. Funestamente silenciosa, pensou Donati de súbito. Era uma avenida ladeada de palazzos, mesmo ao lado da Via Veneto, o tipo de local onde um sacerdote raramente punha os pés, especialmente um padre educado e treinado pela Companhia de Jesus, a ordem intelectualmente rigorosa e por vezes insubordinada a que Donati pertencia. O seu carro oficial, com a matrícula SCV característica do Vaticano, aguardava junto à berma. O motorista pertencia ao Corpo della Gendarmeria, a força policial do Vaticano, constituída por 130 membros. O automóvel dirigiu-se sem pressa para oeste, atravessando Roma.

      Ele não sabe…

      No telemóvel, Donati deu uma vista de olhos aos sites dos principais jornais italianos. Não sabiam de nada. Tal como os seus colegas de Londres e Nova Iorque.

      — Liga o rádio, Gianni.

      — Música, Vossa Excelência?

      — Notícias, por favor.

      Mais um ror de disparates de Saviano, outro discurso inflamado sobre como os imigrantes árabes e africanos estavam a destruir o país, como se os italianos não fossem bem capazes de pôr tudo de pantanas por si próprios. Há meses que Saviano importunava o Vaticano para conseguir uma audiência privada com o Santo Padre. Com um regozijo velado, Donati rejeitara conceder-lha.

      — Já chega, Gianni.

      O rádio caiu num silêncio abençoado. Donati espreitou pela janela do luxuoso sedan alemão. Era uma forma imprópria de um Soldado de Cristo se deslocar. Calculava que essa fosse a última vez que atravessava Roma numa limusina com motorista. Durante quase duas décadas, desempenhara funções equiparáveis às de um chefe de gabinete da Igreja Católica Romana. Fora uma época conturbada (um ataque terrorista na Praça de São Pedro, um escândalo que envolvera antiguidades e os Museus do Vaticano, o flagelo dos abusos sexuais dos sacerdotes), mas, mesmo assim, Donati apreciara cada minuto. Agora, num abrir e fechar de olhos, tudo terminara. Era novamente um mero sacerdote. Nunca se tinha sentido tão só.

      O carro atravessou o Tibre e virou para a Via della Conciliazione, a larga avenida que Mussolini talhara entre os bairros degradados de Roma. A cúpula da Basílica, iluminada por holofotes e restaurada à sua glória original, espreitava ao longe. Seguiram a curva da Colunata de Bernini até à Porta de Santa Ana, onde um guarda suíço gesticulou para que continuassem para o território da cidade-estado. Envergava o uniforme noturno: uma farda azul com gola branca de estilo colegial, meias até ao joelho, uma boina preta, uma capa contra o frio da noite. Os seus olhos estavam secos, o rosto impassível.

      Ele não sabe…

      O carro subiu lentamente a Via Sant’Anna, passando pela caserna da Guarda Suíça, pela Igreja de Santa Ana, pela Tipografia Vaticana e pelo Banco do Vaticano, antes de se deter junto de uma arcada que conduzia ao Pátio de São Dâmaso. Donati atravessou a calçada a pé, entrou no mais importante elevador de toda a cristandade e subiu até ao terceiro andar do Palácio Apostólico. Apressou-se a percorrer a lógia, ladeada por uma parede de vidro, num lado, e por um fresco, no outro. Um desvio à esquerda levou-o até ao apartamento papal.

      De pé, à porta, havia outro guarda suíço, absolutamente hirto, desta feita trajado com o uniforme formal completo. Donati passou por ele sem uma palavra e entrou. Quinta-feira, pensou ele. Porque é que tinha de ser numa quinta-feira?

      * * *

      Dezoito anos, pensou Donati enquanto inspecionava o escritório privado do Santo Padre, e nada mudara. Apenas o telefone. Donati conseguira, finalmente, convencer o Santo Padre a substituir o antiquado aparelho de disco por um telefone moderno com várias linhas. À exceção disso, a divisão estava exatamente como o polaco a deixara. A mesma secretária de madeira austera. A mesma cadeira bege. O mesmo tapete oriental puído. O mesmo relógio e o mesmo crucifixo dourados. Até o conjunto de caneta e mata-borrão que pertencera a Wojtyla, o Grande. Embora, inicialmente, o seu papado tivesse sido muito promissor, criando a expectativa de uma Igreja mais bondosa e menos repressiva, Pietro Lucchesi nunca conseguira escapar completamente à vasta sombra do seu predecessor.

      Instintivamente, Donati reparou nas horas marcadas no seu relógio de pulso. Eram 00h07. Nessa noite, o Santo Padre retirara-se para o escritório às oito e meia, para noventa minutos de leitura e escrita. Habitualmente, Donati permanecia junto do seu mestre ou ao fundo do corredor, no seu escritório. Mas, como era quinta-feira, a única noite da semana que tinha para si, tinha ficado apenas até às nove horas.

      Faça-me um favor antes de ir, Luigi…

      Lucchesi pedira a Donati que abrisse as pesadas cortinas que tapavam a janela do escritório. Era a mesma janela a partir da qual, todos os domingos ao meio-dia, o Santo Padre rezava o Ângelus. Donati cumprira os desejos do seu mestre. Abrira, inclusive, as persianas, para que Sua Santidade pudesse contemplar a Praça de São Pedro, enquanto se dedicava arduamente às formalidades administrativas curiais. Agora, as cortinas estavam completamente corridas. Donati afastou-as para o lado. As persianas também estavam fechadas.

      A secretária estava arrumada, não a habitual desarrumação de Lucchesi. Havia uma chávena de chá semivazia e uma colher pousada no pires que não estavam ali quando Donati saíra. Vários documentos, guardados em pastas de arquivo, empilhavam-se ordenadamente sob o velho candeeiro extensível. Um relatório da Arquidiocese de Filadélfia sobre as consequências financeiras do escândalo dos abusos sexuais. Observações para a audiência geral da quarta-feira seguinte. O primeiro rascunho de uma homilia para uma futura visita papal ao Brasil. Notas para uma encíclica sobre o tema da imigração que, decerto, irritariam Saviano e os seus simpatizantes da extrema-direita italiana.

      No entanto, um artigo desaparecera.

      Vai assegurar-se de que ele recebe isto, não vai, Luigi?

      Donati inspecionou o cesto dos papéis. Estava vazio. Nem um único pedacinho de papel.

      — Vossa Excelência está à procura de alguma coisa?

      Donati ergueu o olhar e viu o cardeal Domenico Albanese a observá-lo da porta. Albanese era calabrês de nascimento e, de ofício, uma criatura da Cúria. Ocupava vários cargos superiores na Santa Sé, incluindo o de presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso e o de arquivista e bibliotecário da Santa Igreja Romana. No entanto, nada disso explicava a sua presença no apartamento papal sete minutos depois da meia-noite. Aliás, Domenico Albanese também era o camerlengo. Era da sua exclusiva responsabilidade fazer a declaração formal de que o trono de São Pedro se encontrava vago.

      — Onde é que ele está? — perguntou Donati.

      — No reino dos céus — entoou o cardeal.

      — E o corpo?

      Se

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