A Ordem. Daniel Silva

Чтение книги онлайн.

Читать онлайн книгу A Ordem - Daniel Silva страница 4

A Ordem - Daniel Silva HARPERCOLLINS PORTUGAL

Скачать книгу

corredor, até ao quarto. Outros três cardeais aguardavam na penumbra: Marcel Gaubert, José Maria Navarro e Angelo Francona. Gaubert era o secretário de Estado, na prática, o primeiro-ministro e chefe da diplomacia do mais pequeno país do mundo. Navarro era o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, guardião da ortodoxia católica e defensor contra a heresia. Francona, o mais velho dos três, era o reitor do Colégio Cardinalício. Como tal, presidiria ao próximo conclave.

      Foi Navarro, um espanhol de linhagem nobre, quem se dirigiu a Donati primeiro. Embora vivesse e trabalhasse em Roma há quase um quarto de século, continuava a falar italiano com um forte sotaque castelhano.

      — Luigi, sei como isto deve ser doloroso para si. Nós éramos os seus fiéis servidores, mas era o Luigi que ele mais amava.

      Ao ouvir o chavão curial do espanhol, o cardeal Gaubert, um parisiense magro com um rosto felino, assentiu gravemente com a cabeça, tal como os três leigos que se encontravam na sombra, de pé, na extremidade da divisão: o doutor Octavio Gallo, médico pessoal do Santo Padre, Lorenzo Vitale, diretor do Corpo della Gendarmeria, e o coronel Alois Metzler, comandante da Guarda Suíça Pontifícia. Parecia que Donati fora o último a chegar. Devia ter sido ele, o secretário pessoal, a convocar os príncipes superiores da Igreja para a cabeceira do falecido papa, não o camerlengo. Subitamente, sentiu-se atormentado pela culpa.

      Porém, quando baixou o olhar para observar a figura estendida na cama, a culpa deu lugar a um pesar avassalador. Lucchesi ainda envergava a batina branca, embora lhe tivessem retirado os múleos e o solidéu tivesse desaparecido. Alguém lhe colocara as mãos sobre o peito, a agarrar o rosário. Os olhos estavam fechados, o maxilar flácido, mas não havia qualquer sinal de dor no seu rosto, nada que sugerisse que sofrera. Na verdade, Donati não teria ficado surpreendido se Sua Santidade tivesse acordado de repente e perguntado como correra a sua noite.

      Ainda envergava a batina branca…

      Donati fora o responsável pela agenda do Santo Padre desde o primeiro dia do seu pontificado. A rotina noturna raramente variava. O jantar era das sete às oito e meia. As formalidades administrativas no escritório, das oito e meia às dez, seguidas de quinze minutos de oração e reflexão na sua capela privada. Em regra, estava na cama às dez e meia, geralmente em companhia de um romance policial inglês, o seu prazer secreto. Crimes e Desejos, de P.D. James, repousava na mesa de cabeceira, debaixo dos seus óculos de leitura. Donati abriu-o na página marcada.

      Quarenta e cinco minutos depois, Rickards estava de volta ao local do crime…

      Donati fechou o livro. Calculava que o Sumo Pontífice estivesse morto há quase duas horas, talvez mais. Calmamente, perguntou:

      — Quem é que o encontrou? Espero que não tenha sido nenhuma das freiras do serviço doméstico.

      — Fui eu — respondeu o cardeal Albanese.

      — Onde é que ele estava?

      — Sua Santidade despediu-se desta vida na capela. Encontrei-o alguns minutos depois das dez. Quanto à hora exata do falecimento… — O calabrês encolheu os ombros pesados. — Não lhe sei dizer, Vossa Excelência.

      — Porque é que não fui contactado imediatamente?

      — Procurei-o por todo o lado.

      — Devia ter ligado para o meu telemóvel.

      — E liguei. Várias vezes, na verdade. Ninguém atendeu.

      O camerlengo não estava a dizer a verdade, pensou Donati.

      — E o que é que Vossa Eminência estava a fazer na capela?

      — Isto começa a parecer um interrogatório. — Os olhos de Albanese moveram-se brevemente para o cardeal Navarro, antes de pousarem novamente em Donati. — Sua Santidade pediu-me que rezasse com ele. Eu aceitei o convite.

      — Telefonou diretamente para si?

      — Para o meu apartamento — disse o camerlengo, com um movimento afirmativo de cabeça.

      — A que horas?

      Albanese ergueu o olhar para o teto, como se estivesse a tentar lembrar-se de um detalhe esquecido.

      — Às nove e um quarto. Talvez às nove e vinte. Pediu-me que viesse alguns minutos depois das dez. Quando cheguei…

      Donati baixou o olhar para o corpo sem vida que jazia sobre a cama.

      — E como é que chegou até aqui?

      — Eu trouxe-o.

      — Sozinho?

      — Sua Santidade carregava o peso da Igreja aos ombros — disse Albanese —, mas, na morte, tornou-se leve como uma pena. Como não consegui contactá-lo, convoquei o secretário de Estado que, por sua vez, ligou aos cardeais Navarro e Francona. Depois, contactei o dottore Gallo, que declarou o óbito. Morte devido a ataque cardíaco fulminante. Foi o segundo, não foi? Ou foi o terceiro?

      Donati olhou para o médico papal.

      — A que horas fez a declaração, dottore Gallo?

      — Onze e dez, Vossa Excelência.

      O cardeal Albanese pigarreou suavemente.

      — Na minha declaração oficial, fiz um pequeno ajuste à cronologia dos factos. Se desejar, posso dizer que foi o Luigi que o encontrou.

      — Não é necessário.

      Donati deixou-se cair de joelhos junto à cama. Em vida, o Santo Padre fora franzino. A morte tinha-o minguado mais ainda. Donati lembrava-se do dia em que, inesperadamente, o conclave elegera Lucchesi, o Patriarca de Veneza, para ser o ducentésimo sexagésimo quinto pontífice da Igreja Católica Romana. Na Sala das Lágrimas, escolhera a mais pequena das três batinas prontas a usar. Ainda assim, aparentava ser um rapazinho vestido com a camisa do pai. Quando se assomou à varanda da Basílica de São Pedro, a sua cabeça mal se via sobre a balaustrada. Os vaticanisti batizaram-no como Pedro, o Improvável. A linha dura da Igreja designou-o, pejorativamente, como o Papa Acidental.

      Passado um momento, Donati sentiu uma mão no ombro. Era como chumbo, portanto, tinha de ser de Albanese.

      — O anel, Vossa Excelência.

      Em tempos, fora responsabilidade do camerlengo destruir, na presença do Colégio Cardinalício, o Anel do Pescador do papa falecido. Porém, tal como os três toques na testa papal com um martelo de prata, a prática fora extinta. O anel de Lucchesi, que ele raramente usava, seria, simplesmente, gravado com dois cortes profundos em forma de cruz. Contudo, outras tradições mantinham-se, tal como o encerramento e selagem imediata do apartamento papal. Assim que o corpo fosse retirado, nem mesmo Donati, o único secretário pessoal de Lucchesi, seria autorizado a entrar.

      Ainda de joelhos, Donati abriu a gaveta da mesa de cabeceira e agarrou no pesado anel dourado. Entregou-o ao cardeal Albanese, que o colocou numa bolsa de veludo. Solenemente, declarou:

      — Sede vacante.

      O trono de São Pedro estava, agora, vago. A Constituição Apostólica ditava que o cardeal Albanese assumisse a direção temporária da Igreja Católica Romana durante o interregno, que terminava com

Скачать книгу