A Ordem. Daniel Silva

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A Ordem - Daniel Silva HARPERCOLLINS PORTUGAL

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de um velho palazzo degradado em Cannaregio, o mais setentrional dos seis sestieri tradicionais de Veneza. Contava com um salão de visitas, uma grande cozinha repleta de eletrodomésticos modernos e um terraço com vista para o Rio della Misericordia. Num dos quatro quartos, a divisão de Logística estabelecera uma ligação segura com a Avenida Rei Saul, completando-a com uma estrutura semelhante a uma tenda (na gíria do Departamento, era conhecida como chupá[1]) que permitia a Gabriel falar ao telefone sem receio de escutas eletrónicas. No exterior, na Fondamenta dei Ormesini, montavam guarda os agentes à paisana dos carabinieri. Com o consentimento deles, Gabriel estava armado com uma pistola Beretta de 9 mm. Chiara, que era muito melhor atiradora do que ele, também.

      Caminhando alguns passos ao longo do cais, havia uma ponte de ferro (a única em Veneza) e, no lado oposto do canal, uma ampla praça chamada Campo di Ghetto Nuovo, onde se situavam um museu, uma livraria e os escritórios da comunidade judaica. A Casa Israelitica di Riposo, um lar para idosos, ocupava o flanco norte. Junto da mesma, havia um austero memorial em baixo-relevo, em homenagem aos judeus de Veneza que, em dezembro de 1943, tinham sido reunidos, detidos em campos de concentração e, mais tarde, assassinados em Auschwitz. Dois carabinieri fortemente armados vigiavam o memorial a partir de um posto fortificado. Das duzentas e cinquenta mil pessoas que ainda habitavam nas ilhas de uma Veneza que se afundava, só os judeus precisavam de proteção policial vinte quatro horas por dia.

      — Espero que não haja nenhum problema — disse o rabino Zolli.

      — O habitual — murmurou Gabriel.

      — Fico aliviado.

      — Não fique.

      O rabino riu-se baixinho e passeou o olhar pela mesa, satisfeito, pousando-o brevemente nos dois netos, na esposa e, finalmente, na filha. A luz da vela refletia-se nos olhos de Chiara, que eram cor de caramelo salpicados de dourado.

      — A Chiara nunca esteve tão radiante. Obviamente, faze-la muito feliz.

      — A sério?

      — É certo que tem havido alguns percalços no caminho. — O tom do rabino foi admoestatório. — Mas garanto-te que ela se considera a pessoa mais sortuda do mundo.

      — Receio que essa honra me pertença.

      — Ouvi dizer que ela te enganou com os planos de viagem.

      Gabriel franziu o sobrolho.

      — De certeza que há algum excerto na Torá que proíba esse tipo de coisas.

      — Não me lembro de nenhum.

      — Provavelmente, foi melhor assim — admitiu Gabriel. — De outra forma, duvido que tivesse concordado.

      — Fico satisfeito por finalmente terem conseguido trazer as crianças a Veneza. Mas temo que tenham vindo numa altura complicada. — O rabino Zolli baixou a voz. — O Saviano e os seus amigos da extrema-direita despertaram forças obscuras na Europa.

      Giuseppe Saviano era o novo primeiro-ministro italiano. Era xenófobo, intolerante, sem qualquer respeito pela imprensa livre e com pouca paciência para detalhes como o parlamentarismo ou o Estado de Direito. Tal como o seu amigo íntimo, Jörg Kaufmann, o neofascista novato que ocupava a chancelaria da Áustria. Em França, assumia-se à boca cheia que Cécile Leclerc, líder da Frente Popular, seria a nova residente do Palácio do Eliseu. Na Alemanha, esperava-se que os Nacionais-Democratas, liderados por um antigo skinhead neonazi chamado Axel Brünner, ficassem em segundo lugar nas eleições gerais de janeiro. Aparentemente, a extrema-direita estava em franca ascensão generalizada.

      O seu aumento de popularidade na Europa Ocidental fora alimentado pela globalização, pela incerteza económica e pela composição demográfica do continente, que mudava a olhos vistos. Atualmente, os muçulmanos constituíam já cinco por cento da população europeia, pelo que um número crescente de europeus nativos via o Islão como uma ameaça existencial à sua identidade cultural e religiosa. A raiva e o ressentimento, em tempos contidos ou escondidos do espaço público, percorriam, agora, as veias da Internet como um vírus. Os ataques a muçulmanos tinham aumentado drasticamente, tal como as agressões físicas e os atos de vandalismo contra judeus. Efetivamente, o antissemitismo na Europa atingira níveis que não eram vistos desde a Segunda Guerra Mundial.

      — O nosso cemitério no Lido foi novamente vandalizado na semana passada — disse o rabino Zolli. — Lápides tombadas, suásticas… o costume. Os meus fiéis estão assustados. Tento confortá-los, mas também estou assustado. Os políticos anti-imigração, como o Saviano, agitaram a garrafa e tiraram-lhe a rolha. Os seus apoiantes queixam-se dos refugiados do Médio Oriente e de África, mas não há ninguém que eles abominem mais do que nós. É o ódio mais antigo. Aqui em Itália, já não é mal visto ser antissemita. Nos dias de hoje, o desprezo por nós pode expressar-se de forma bastante aberta. E os resultados têm sido inteiramente previsíveis.

      — A tempestade há de passar — disse Gabriel, com pouca convicção.

      — Os teus avós provavelmente disseram o mesmo. Tal como os judeus de Veneza. A tua mãe conseguiu sair de Auschwitz viva. Os judeus de Veneza não tiveram tanta sorte. — O rabino Zolli abanou a cabeça. — Já vi este filme antes, Gabriel. Sei como é que termina. Nunca te esqueças de que o inimaginável pode acontecer. Mas não vamos estragar a noite com conversas desagradáveis. Quero gozar a companhia dos meus netos.

      Na manhã seguinte, Gabriel acordou cedo e passou algumas horas a falar com os seus principais colaboradores na Avenida Rei Saul, sob a proteção da chupá. Depois, alugou um barco a motor e levou Chiara e as crianças num passeio pela cidade e pelas ilhas da lagoa. Estava demasiado frio para nadar no Lido, mas as crianças tiraram os sapatos e perseguiram gaivotas e andorinhas-do-mar pela praia. Na viagem de regresso a Cannaregio, pararam na Igreja de San Sebastiano, em Dorsoduro, para ver a pintura de Veronese, A Virgem e o Menino em Glória com Santos, que Gabriel restaurara durante a gravidez de Chiara. Mais tarde, enquanto a luz de outono se desvanecia no Campo di Ghetto Nuovo, as crianças participaram num ruidoso jogo de apanhada, enquanto Gabriel e Chiara assistiam, sentados num banco de madeira no exterior da Casa Israelitica di Riposo.

      — É possível que este seja o meu banco preferido no mundo inteiro — disse Chiara. — Era aqui que estavas sentado no dia em que ganhaste juízo e me imploraste que te aceitasse de volta. Lembras-te, Gabriel? Foi depois do atentado no Vaticano.

      — Não sei bem o que é que foi pior, se as granadas-foguete e os bombistas suicidas ou a forma como tu me trataste.

      — Tu

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