Romancistas Essenciais - Lima Barreto. August Nemo

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Romancistas Essenciais - Lima Barreto - August Nemo Romancistas Essenciais

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Olhem quem está aí!

      — O Genelício, fez Caldas. Onde estiveste, rapaz?

      Deixou o chapéu e a bengala numa cadeira e fez os cumprimentos. Pequeno, já um tanto curvado, chupado de rosto, com um pince-nez azulado, todo ele traía a profissão, os seus gostos e hábitos. Era um escriturário.

      — Nada, meus amigos! Estou tratando dos meus negócios.

      — Vão bem? perguntou Florêncio.

      — Quase garantido. O ministro prometeu... Não há nada, estou bem "cunhado"!

      — Estimo muito, disse o general.

      — Obrigado. Sabe de uma coisa, general?

      — O que é?

      — O Quaresma está doido.

      — Mas... o quê? Quem foi que te disse?

      — Aquele homem do violão. Já está na casa de saúde".

      — Eu logo vi, disse Albernaz, aquele requerimento era de doido.

      — Mas não é só, general, acrescentou Genelício. Fez um ofício em tupi e mandou ao ministro.

      — É o que eu dizia, fez Albernaz.

      — Quem é? perguntou Florêncio.

      — Aquele vizinho, empregado do arsenal; não conhece?

      — Um baixo, de pince-nez?

      — Este mesmo, confirmou Caldas.

      — Nem se podia esperar outra coisa, disse o doutor Florêncio. Aqueles livros, aquela mania de leitura...

      — Pra que ele lia tanto? indagou Caldas.

      — Telha de menos, disse Florêncio.

      Genelício atalhou com autoridade:

      — Ele não era formado, para que meter-se em livros?

      — É verdade, fez Florêncio.

      — Isto de livros é bom para os sábios, para os doutores, observou Sigismundo.

      — Devia até ser proibido, disse Genelício, a quem não possuísse um título "acadêmico" ter livros. Evitavam-se assim essas desgraças. Não acham?

      — Decerto, disse Albernaz.

      — Decerto, fez Caldas.

      — Decerto, disse também Sigismundo.

      Calaram-se um instante, e as atenções convergiram para o jogo.

      — Já saíram todos os trunfos?

      — Contasse, meu amigo.

      Albernaz perdeu e lá na sala fez-se silêncio. Cavalcânti ia recitar. Atravessou a sala triunfantemente, com um largo sorriso na face e foi postar-se ao lado do piano. Zizi acompanhava. Tossiu e, com a sua voz metálica, apurando muito os finais em "s", começou:

      A vida é uma comédia sem sentido,

      Uma história de sangue e de poeira

      Um deserto sem luz...

      E o piano gemia.

      Capítulo IV: Desastrosas consequências de um requerimento

      Os acontecimentos a que aludiam os graves personagens reunidos em torno da mesa de solo, na tarde memorável da festa comemorativa do pedido de casamento de Ismênia, se tinham desenrolado com rapidez fulminante. A força de ideias e sentimentos contidos em Quaresma se havia revelado em atos imprevistos com uma sequência brusca e uma velocidade de turbilhão. O primeiro fato surpreendeu, mas vieram outros e outros, de forma que o que pareceu, no começo, uma extravagância, uma pequena mania, se apresentou logo em insânia declarada.

      Justamente algumas semanas antes do pedido de casamento, ao abrir-se a sessão da câmara, o secretário teve que proceder à leitura de um requerimento singular e que veio a ter uma fortuna de publicidade e comentário pouco usual em documentos de tal natureza.

      O burburinho e a desordem que caracterizam o recolhimento indispensável ao elevado trabalho de legislar não permitiram que os deputados o ouvissem; os jornalistas, porém, que estavam próximos à mesa, ao ouvi-lo, prorromperam em gargalhadas, certamente inconvenientes à majestade do lugar. O riso é contagioso. O secretário, no meio da leitura, ria-se, discretamente; pelo fim, já ria-se o presidente, ria-se o oficial da ata, ria-se o contínuo - toda a mesa e aquela população que a cerca riram-se da petição, largamente, querendo sempre conter o riso, havendo em alguns tão franca alegria que as lágrimas vieram.

      Quem soubesse o que uma tal folha de papel representava de esforço, de trabalho, de sonho generoso e desinteressado, havia de sentir uma penosa tristeza, ouvindo aquele rir inofensivo diante dela. Merecia raiva, ódio, um deboche de inimigo talvez, o documento que chegava à mesa da câmara, mas não aquele recebimento hilárico, de uma hilaridade inocente, sem fundo algum, assim como se estivesse a rir de uma palhaçada, de uma sorte de circo de cavalinhos ou de uma careta de clown.

      Os que riam, porém, não lhe sabiam a causa e só viam nele um motivo para riso franco e sem maldade. A sessão daquele dia fora fria e, por ser assim, as seções dos jornais referentes à câmara, no dia seguinte, publicaram o seguinte requerimento e glosaram-no em todos os tons.

      Era assim concebida a petição:

      "Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma - usando do direito que lhe confere a constituição, vem pedir que o congresso nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro.

      O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua ideia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e original e, portanto, a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática.

      Demais, senhores congressistas, o tupi-guarani, língua originalíssima, aglutinante, é verdade, mas a que o polissintetismo dá múltiplas feições de riqueza, é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em relação com a nossa natureza e de adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem, portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para que tendemos, evitando-se, dessa forma, as estéreis controvérsias gramaticais, oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal - controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa

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