Romancistas Essenciais - Lima Barreto. August Nemo

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Romancistas Essenciais - Lima Barreto - August Nemo Romancistas Essenciais

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com que o encarava,

      O velho poeta guardou a canção de Urubu-de-Baixo, numa pasta; e foi logo à outra, donde tirou várias folhas de papel. Veio até junto aos dois visitantes e disse-lhes:

      — Vou ler aos senhores uma pequena história do macaco, das muitas que o nosso povo conta... Só eu já tenho perto de quarenta e pretendo publicá-las, sob o título Histórias do Mestre Simão.

      E, sem perguntar se os incomodava ou se estavam dispostos a ouvir, começou:

      "O macaco perante o juiz de direito. Andava um bando de macacos em troça, pulando de árvore em árvore, nas bordas de uma grota. Eis senão quando, um deles vê no fundo uma onça que lá caíra. Os macacos se enternecem e resolvem salvá-la. Para isso, arrancaram cipós, emendaram-nos bem, amarraram a corda assim feita à cintura de cada um deles e atiraram uma das pontas à onça. Com o esforço reunido de todos, conseguiram içá- la e logo se desamarraram, fugindo. Um deles, porém, não o pôde fazer a tempo e a onça segurou-o imediatamente.

      — Compadre Macaco, disse ela, tenha paciência. Estou com fome e você vai fazer-me o favor de deixar-se comer.

      O macaco rogou, instou, chorou; mas a onça parecia inflexível, Simão então lembrou que a demanda fosse resolvida pelo juiz de direito. Foram a ele; o macaco sempre agarrado pela onça. É juiz de direito entre os animais, o jabuti, cujas audiências são dadas à borda dos rios, colocando-se ele em cima de uma pedra. Os dois chegaram e o macaco expôs as suas razões.

      O jabuti ouvi-o e no fim ordenou:

      — Bata palmas.

      Apesar de seguro pela onça, o macaco pôde assim mesmo bater palmas. Chegou a vez da onça, que também expôs as suas razões e motivos. O juiz, como da primeira vez, determinou ao felino:

      — Bata palmas.

      A onça não teve remédio senão largar o macaco, que se escapou, e também o juiz, atirando-se n'água".

      Acabando a leitura, o velho dirigiu-se aos dois:

      — Não acham interessante? Muito! Há no nosso povo muita invenção, muita criação, verdadeiro material para fabliaux interessantes... No dia em que aparecer um literato de gênio que o fixe numa forma imortal... Ah! Então!

      Dizendo isto, brincava nas suas faces um demorado sorriso de satisfação e nos seus olhos abrolhavam duas lágrimas furtivas.

      — Agora, continuou ele, depois de passada a emoção - vamos ao que serve. O "Boi Espácio" ou o "Bumba-meu-Boi" ainda é muita coisa para vocês... É melhor irmos devagar, começar pelo mais fácil... Está aí o "Tangolomango", conhecem?

      — Não, disseram os dois.

      — É divertido. Arranjem dez crianças, uma máscara de velho, uma roupa estrambólica para um dos senhores, que eu ensaio.

      O dia chegou. A casa do general estava cheia. Cavalcânti viera; e ele e a noiva, à parte, no vão de uma janela, pareciam ser os únicos que não tinham interesse pela folia. Ele, falando muito, cheio de trejeitos no olhar; ela, meio fria, deitando de quando em quando, para o noivo, um olhar de gratidão.

      Quaresma fez o "Tangolomango", isto é, vestiu uma velha sobrecasaca do general, pôs uma imensa máscara de velho, agarrou-se a um bordão curvo, em forma de báculo, e entrou na sala. As dez crianças cantaram em coro:

      Uma mãe teve dez filhos

      Todos os dez dentro de um pote:

      Deu o Tangolomango nele

      Não ficaram senão nove.

      Por aí, o major avançava, batia com o báculo no assoalho, fazia: hu! hu! hu! ; as crianças fugiam, afinal ele agarrava uma e levava para dentro. Assim ia executando com grande alegria da sala, quando, pela quinta estrofe, lhe faltou o ar, lhe ficou a vista escura e caiu. Tiraram-lhe a máscara, deram-lhe algumas sacudidelas e Quaresma voltou a si.

      O acidente, entretanto, não lhe deu nenhum desgosto pelo folklore, Comprou livros, leu todas as publicações a respeito, mas a decepção lhe veio ao fim de algumas semanas de estudo.

      Quase todas as tradições e canções eram estrangeiras; o próprio "Tangolomango" o era também. Tornava-se, portanto, preciso arranjar alguma coisa própria, original, uma criação da nossa terra e dos nossos ares.

      Essa idéia levou-o a estudar os costumes tupinambás; e, como uma idéia traz outra, logo ampliou o seu propósito e eis a razão por que estava organizando um código de relações, de cumprimentos, de cerimônias domésticas e festas, calcado nos preceitos tupis.

      Desde dez dias que se entregava a essa árdua tarefa, quando (era domingo) lhe bateram à porta, em meio de seu trabalho. Abriu, mas não apertou a mão. Desandou a chorar, a berrar, a arrancar os cabelos, como se tivesse perdido a mulher ou um filho. A irmã correu lá de dentro, o Anastácio também, e o compadre e a filha, pois eram eles, ficaram, estupefatos no limiar da porta.

      — Mas que é isso, compadre?

      — Que é isso, Policarpo?

      — Mas, meu padrinho...

      Ele ainda chorou um pouco. Enxugou as lágrimas e, depois, explicou com a maior naturalidade:

      — Eis aí! Vocês não têm a mínima noção das coisas da nossa terra, Queriam que eu apertasse a mão... Isto não é nosso! Nosso cumprimento é chorar quando encontramos os amigos, era assim que faziam os tupinambás.

      O seu compadre Vicente, a filha e Dona Adelaide entreolharam-se, sem saber o que dizer. O homem estaria doido? Que extravagância!

      — Mas, Senhor Policarpo, disse-lhe o compadre, é possível que isto seja muito brasileiro, mas é bem triste, compadre.

      — Decerto, padrinho, acrescentou a moça com vivacidade; parece até agouro...

      Este seu compadre era italiano de nascimento. A história das suas relações vale a pena contar. Quitandeiro ambulante, fora fornecedor da casa de Quaresma há vinte e tantos anos. O major já tinha as suas idéias patrióticas, mas não desdenhava conversar com o quitandeiro e até gostava de vê-lo suado, curvado ao peso dos cestos, com duas rosas vermelhas nas faces muito brancas de europeu recém-chegado. Mas um belo dia, ia Quaresma pelo Largo do Paço, muito distraído, a pensar nas maravilhas arquitetônicas do chafariz do Mestre Valentim, quando veio a encontrar-se com o mercador ambulante. Falou-lhe com aquela simplicidade d'alma que era bem sua, e notou que o rapaz tinha alguma preocupação séria. Não só, de onde em onde, soltava exclamações sem ligação alguma com a conversa atual, como também, cerrava os lábios, rilhava os dentes e crispava raivosamente os punhos. Interrogou-o e veio a saber que tivera uma questão de dinheiro com um seu colega, estando disposto a matá-lo, pois perdera o crédito e em breve estaria na miséria. Havia na sua afirmação uma tal energia e um grande e estranho acento de ferocidade que fizeram empregar o major toda a sua doçura e persuasão para dissuadi-lo do propósito. E não ficou nisto só: emprestou-lhe também dinheiro. Vicente Coleoni pôs uma quitanda, ganhou uns contos de réis, fez-se logo empreiteiro, enriqueceu, casou, veio a ter aquela filha, que foi levada à pia pelo seu benfeitor. Inútil é dizer que Quaresma não notou a contradição entre as suas idéias patrióticas e o seu ato.

      É verdade que ele

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