Romancistas Essenciais - Lima Barreto. August Nemo

Чтение книги онлайн.

Читать онлайн книгу Romancistas Essenciais - Lima Barreto - August Nemo страница 5

Romancistas Essenciais - Lima Barreto - August Nemo Romancistas Essenciais

Скачать книгу

um curso de dois anos, mas que ele arrastava há quatro, e Ismênia tinha sempre que responder à famosa pergunta: - "Então quando se casa?" - "Não sei... Cavalcânti forma-se para o ano e..."

      Intimamente ela não se incomodava. Na vida, para ela, só havia uma coisa importante: casar-se; mas pressa não tinha, nada nela a pedia. Já agarrara um noivo, o resto era questão de tempo...

      Após responder a Dona Adelaide, explicou o motivo da visita.

      Viera, em nome do pai, convidar Ricardo Coração dos Outros a cantar em casa dela.

      — Papai, disse Dona Ismênia, gosta muito de modinhas... É do Norte; a senhora sabe, Dona Adelaide, que gente do Norte aprecia muito. Venham.

      E para lá foram.

      Capítulo II: Reformas radicais

      Havia bem dez dias que o Major Quaresma não saía de casa. Na sua meiga e sossegada casa de São Cristóvão, enchia os dias da forma mais útil e agradável às necessidades do seu espírito e do seu temperamento. De manhã, depois da toilette e do café, sentava-se no divã da sala principal e lia os jornais. Lia diversos, porque sempre esperava encontrar num ou noutro uma notícia curiosa, a sugestão de uma idéia útil à sua cara Pátria. Os seus hábitos burocráticos faziam-no almoçar cedo, e, embora estivesse de férias, para os não perder, continuava a tomar a primeira refeição de garfo às nove e meia da manhã.

      Acabado o almoço, dava umas voltas pela chácara, chácara em que predominavam as fruteiras nacionais, recebendo a pitanga e o cambuí os mais cuidadosos tratamentos aconselhados pela pomologia, como se fossem bem cerejas ou figos.

      O passeio era demorado e filosófico. Conversando com o preto Anastácio, que lhe servia há trinta anos, sobre coisas antigas - o casamento das princesas, a quebra do Souto e outras - o major continuava com o pensamento preso aos problemas que o preocupavam ultimamente. Após uma hora ou menos, voltava à biblioteca e mergulhava nas revistas do Instituto Histórico, no Fernão Cardim, nas cartas de Nóbrega, nos anais da Biblioteca, no von den Stein e tomava notas sobre notas, guardando-as numa pequena pasta ao lado. Estudava os índios, Não fica bem dizer estudava, porque já o fizera há tempos, não só no tocante à língua, que já quase falava, como também nos simples aspectos etnográficos e antropológicos. Recordava (é melhor dizer assim), afirmava certas noções dos seus estudos anteriores, visto estar organizando um sistema de cerimônias e festas que se baseasse nos costumes dos nossos silvícolas e abrangesse todas as relações sociais.

      Para bem se compreender o motivo disso, é preciso não esquecer que o major, depois de trinta anos de meditação patriótica, de estudos e reflexões, chegava agora ao período da frutificação. A convicção que sempre tivera de ser o Brasil o primeiro país do mundo e o seu grande amor à Pátria eram agora ativos e impeliram-no a grandes cometimentos. Ele sentia dentro de si impulsos imperiosos de agir, de obrar e de concretizar suas idéias. Eram pequenos melhoramentos, simples toques, porque em si mesma (era a sua opinião), a grande Pátria do Cruzeiro só precisava de tempo para ser superior à Inglaterra.

      Tinha todos os climas, todos os frutos, todos os minerais e animais úteis, as melhores terras de cultura, a gente mais valente, mais hospitaleira, mais inteligente e mais doce do mundo - o que precisava mais? Tempo e um pouco de originalidade. Portanto, dúvidas não flutuavam mais no seu espírito, mas no que se referia à originalidade de costumes e usanças, não se tinham elas dissipado, antes se transformaram em certeza após tomar parte na folia do "Tangolomango", numa festa que o general dera em casa.

      Caso foi que a visita do Ricardo e do seu violão ao bravo militar veio despertar no general e na família um gosto pelas festanças, cantigas e hábitos genuinamente nacionais, como se diz por aí. Houve em todos um desejo de sentir, de sonhar, de poetar à maneira popular dos velhos tempos. Albernaz, o general, lembrava-se de ter visto tais cerimônias na sua infância: Dona Maricota, sua mulher, até ainda se lembrava de uns versos de Reis; e os seus filhos, cinco moças e um rapaz, viram na coisa um pretexto de festas e, portanto, aplaudiram o entusiasmo dos progenitores. A modinha era pouco; os seus espíritos pediam coisa mais plebéia, mais característica e extravagante.

      Quaresma ficou encantado, quando Albernaz falou em organizar uma chegança, à moda do Norte, por ocasião do aniversário de sua praça. Em casa do general era assim: qualquer aniversário tinha a sua festa, de forma que havia bem umas trinta por ano, não contando domingos, dias feriados e santificados em que se dançava também.

      O major pensara até ali pouco nessas coisas de festas e danças tradicionais, entretanto viu logo a significação altamente patriótica do intento. Aprovou e animou o vizinho. Mas quem havia de ensaiar, de dar os versos e a música? Alguém lembrou a tia Maria Rita, uma preta velha, que morava em Benfica, antiga lavadeira da família Albernaz. Lá foram os dois, o General Albernaz e o Major Quaresma, alegres, apressados, por uma linda e cristalina tarde de abril.

      O general nada tinha de marcial, nem mesmo o uniforme que talvez não possuísse. Durante toda a sua carreira militar, não viu uma única batalha, não tivera um comando, nada fizera que tivesse relação com a sua profissão e o seu curso de artilheiro. Fora sempre ajudante-de-ordens, assistente, encarregado disso ou daquilo, escriturário, almoxarife, e era secretário do Conselho Supremo Militar, quando se reformou em general. Os seus hábitos eram de um bom chefe de seção e a sua inteligência não era muito diferente dos seus hábitos. Nada entendia de guerras, de estratégia, de tática ou de história militar; a sua sabedoria a tal respeito estava reduzida às batalhas do Paraguai, para ele a maior e a mais extraordinária guerra de todos os tempos.

      O altissonante título de general, que lembrava coisas sobre-humanas dos Césares, dos Turennes e dos Gustavos Adolfos, ficava mal naquele homem plácido, medíocre, bonachão cuja única preocupação era casar as cinco filhas e arranjar "pistolões" para fazer passar o filho nos exames do Colégio Militar. Contudo, não era conveniente que se duvidasse das suas aptidões guerreiras. Ele mesmo, percebendo o seu ar muito civil, de onde em onde, contava um episódio de guerra, uma anedota militar. "Foi em Lomas Valentinas", dizia ele... Se alguém perguntava: "O general assistiu a batalha?" Ele respondia logo: "Não pude. Adoeci e vim para o Brasil, nas vésperas. Mas soube pelo Camisão, pelo Venâncio que a coisa esteve preta".

      O bonde que os levava até à velha Maria Rita, percorria um dos trechos mais interessantes da cidade. Ia pelo Pedregulho, uma velha porta da cidade, antigo término de um picadão que ia ter a Minas, se esgalhava para São Paulo e abria comunicações com o Curato de Santa Cruz.

      Por aí em costas de bestas vieram ter ao Rio o ouro e o diamante de Minas e ainda ultimamente os chamados gêneros do país. Não havia ainda cem anos que as carruagens d'El-Rei Dom João VI, pesadas como naus, a balouçarem-se sobre as quatro rodas muito separadas, passavam por ali para irem ter ao longínquo Santa Cruz. Não se pode crer que a coisa fosse lá muito imponente; a Corte andava em apuros de dinheiro e o rei era relaxado. Não obstante os soldados remendados, tristemente montados em "pangarés" desanimados, o préstito devia ter a sua grandeza, não por ele mesmo, mas pelas humilhantes marcas de respeito que todos tinham que dar à sua lamentável majestade.

      Entre nós tudo é inconsistente, provisório, não dura. Não havia ali nada que lembrasse esse passado. As casas velhas, com grandes janelas, quase quadradas, e vidraças de pequenos vidros eram de há bem poucos anos, menos de cinqüenta.

      Quaresma e Albernaz atravessaram tudo aquilo sem reminiscências e foram até ao ponto. Antes perlustraram a zona do turfe, uma pequena porção da cidade onde se amontoam cocheiras e coudelarias de animais de corridas, tendo grandes ferraduras, cabeças de cavalos, panóplias de chicotes e outros emblemas hípicos, nos pilares dos portões, nas almofadas das portas, por toda parte onde tais distintivos fiquem

Скачать книгу