Romancistas Essenciais - Lima Barreto. August Nemo

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Romancistas Essenciais - Lima Barreto - August Nemo Romancistas Essenciais

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      Fora, pois, ao seu compadre Vicente e à sua afilhada Olga que ele recebera com o mais legítimo cerimonial guaitacás, e, se não envergara o traje de rigor de tão interessante povo, motivo não foi o não tê-lo. Estava até à mão, mas faltava-lhe tempo para despir-se.

      — Lê-se muito, padrinho? perguntou-lhe a afilhada, deitando sobre ele os seus olhos muito luminosos.

      Havia entre os dois uma grande afeição. Quaresma era um tanto reservado e o vexame de mostrar os seus sentimentos faziam-no econômico nas demonstrações afetuosas. Adivinha-se, entretanto, que a moça ocupavalhe no coração o lugar dos filhos que não tivera nem teria jamais. A menina vivaz, habituada a falar alto e desembaraçadamente, não escondia a sua afeição tanto mais que sentia confusamente nele alguma coisa de superior, uma ânsia de ideal, uma tenacidade em seguir um sonho, uma idéia, um vôo enfim para as altas regiões do espírito que ela não estava habituada a ver em ninguém do mundo que freqüentava. Essa admiração não lhe vinha da educação. Recebera a comum às moças de seu nascimento. Vinha de um pendor próprio, talvez das proximidades européias do seu nascimento, que a fizeram um pouco diferente das nossas moças.

      Fora com um olhar luminoso e perscrutador que ela perguntara ao padrinho:

      — Então padrinho, lê-se muito?

      — Muito, minha filha. Imagina que medito grandes obras, uma reforma, a emancipação de um povo.

      Vicente fora com Dona Adelaide para o interior da casa e os dois conversavam a sós na sala dos livros. A afilhada notou que Quaresma tinha alguma coisa de mais. Falava agora com tanta segurança, ele que antigamente era tão modesto, hesitante mesmo no falar - que diabo! Não, não era possível... Mas, quem sabe? E que singular alegria havia nos seus olhos - uma alegria de matemático que resolveu um problema, de inventor feliz!

      — Não se vá meter em alguma conspiração, disse a moça gracejando.

      — Não te assustes por isso. A coisa vai naturalmente, não é preciso violências...

      Nisto Ricardo Coração dos Outros entrou com o seu longo e rabudo fraque de sarja e o seu violão encapotado em camurça. O major fez as apresentações.

      — Já o conhecia de nome, Senhor Ricardo, disse Olga.

      Coração dos Outros encheu-se de um alvissareiro contentamento. A sua fisionomia minguada dilatou-se ao brilho do seu olhar satisfeito; e a sua cútis que era ressecada e de um tom de velho mármore, como que ficou macia e jovem. Aquela moça parecia rica, era fina e bonita, conhecia-o - que satisfação! Ele que era sempre um tanto parvo e atrapalhado, quando se encontrava diante das moças, fossem de que condição fossem, animava-se, soltava a língua, amaciava a voz e ficava numeroso e eloqüente.

      — Leu então os meus versos, não é, minha senhora?

      — Não tive esse prazer, mas li, há meses, uma apreciação sobre um trabalho seu.

      — No Tempo, não foi?

      — Foi.

      — Muito injusta! acrescentou Ricardo. Todos os críticos se atêm a essa questão de metrificação. Dizem que os meus versos não são versos... São, sim, mas são versos para violão. Vossa Excelência sabe que os versos para música têm alguma coisa de diferente dos comuns, não é? Não há, portanto, nada a admirar que os meus versos, feitos para o violão, sigam outra métrica e outro sistema, não acha?

      — Decerto, disse a moça. Mas parece-me que o Senhor faz versos para a música e não música para os versos.

      E ela sorriu devagar, enigmaticamente, deixando parado o seu olhar luminoso, enquanto Ricardo, desconfiado, lhe sondava a intenção com os seus olhinhos vivos e miúdos de camundongo.

      Quaresma, que até ali se conservava calado, interveio:

      — O Ricardo, Olga, é um artista... Tenta e trabalha para levantar o violão.

      — Eu sei, padrinho. Eu sei...

      — Entre nós, minha senhora, falou Coração dos Outros, não se levam a sério essas tentativas nacionais, mas, na Europa, todos respeitam e auxiliam... Como é que se chama, major, aquele poeta que escreveu em francês popular?

      — Mistral, acudiu Quaresma, mas não é francês popular; é o provençal, uma verdadeira língua.

      — Sim, é isso, confirmou Ricardo. Pois o Mistral não é considerado, respeitado? Eu, no tocante ao violão, estou fazendo o mesmo.

      Olhou triunfante para um e outro circunstante; e Olga dirigindo-se a ele, disse:

      — Continue na tentativa, Senhor Ricardo, que é digno de louvor.

      — Obrigado. Fique certa, minha senhora, que o violão é um belo instrumento e tem grandes dificuldades. Por exemplo...

      — Qual! Interroumpeu Quaresma abruptamente. Há outros mais difíceis.

      — O piano? perguntou Ricardo.

      — Que piano! O maracá, a inúbia.

      — Não conheço.

      — Não conheces? É boa! Os instrumentos mais nacionais possíveis, os únicos que o são verdadeiramente; instrumentos dos nossos antepassados, daquela gente valente que se bateu e ainda se bate pela posse desta linda terra. Os caboclos!

      — Instrumento de caboclo, ora! disse Ricardo.

      — De caboclo! Que é que tem? O Léry diz que são muito sonoros e agradáveis de ouvir... Se é por ser de caboclo, o violão também não vale nada. - é um instrumento de capadócio.

      — De capadócio, major! Não diga isso...

      E os dois ainda discutiram acaloradamente diante da moça, surpresa, espantada, sem atinar, sem explicação para aquela inopinada transformação de gênio do seu padrinho, até ali tão sossegado e tão calmo.

      Capítulo III: A notícia do Genelício

      Então quando se casa, Dona Ismênia?

      — Em março. Cavalcânti já está formado e...

      Afinal a filha do general pôde responder com segurança à pergunta que se lhe vinha fazendo há quase cinco anos. O noivo finalmente encontrara o fim do curso de dentista e marcara o casamento para dai a três meses. A alegria foi grande na família; e, como em tal caso, uma alegria não podia passar sem um baile, uma festa foi anunciada para o sábado que se seguia ao pedido da pragmática.

      As irmãs da noiva, Quinota, Zizi, Lalá e Vivi, estavam mais contentes que a irmã nubente. Parecia que ela lhes ia deixar o caminho desembaraçado, e fora a irmã quem até ali tinha impedido que se casassem.

      Noiva havia quase cinco anos, Ismênia já se sentia meio casada. Esse sentimento junto à sua natureza pobre fê-la não sentir um pouco mais de alegria. Ficou no mesmo. Casar, para ela, não era negócio de paixão, nem se inseria no sentimento ou nos sentidos; era uma idéia, uma pura idéia. Aquela sua inteligência rudimentar tinha separado da idéia de casar o amor, o prazer dos sentidos, uma tal ou qual liberdade, a maternidade, até

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