Para além da verdade. Robyn Donald
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– Não. E também não tem amigas. É uma rapariga muito solitária.
– As pessoas de Kura têm conhecimento do seu passado?
– Têm, mas não falam dele. É a última descendente de uma família tradicional. Parece que a mãe morreu ao dá-la à luz e o pai, que era polícia, só a trazia ali durante as férias; conhecem-na desde pequena.
– E não conseguiste sacar-lhes nada?
– As aldeias pequenas são todas iguais…. as pessoas sabem todas as coscuvilhices sobre os vizinhos, mas não contam nada a estranhos. Por acaso, e só por acaso, soube que era uma especialista em artes marciais.
– Já sabes que gosto de combates limpos – sorriu Wolfe.
O chefe da segurança, que o tinha ajudado a livrar-se de três arruaceiros armados numa rua de subúrbio sul-americano, sorriu ironicamente.
– Porque és letal com os punhos – disse, abrindo a mão para pegar na fotografia.
Mas ele impediu-o.
– Fico com ela.
– Está bem. Mais alguma coisa?
– Não. Obrigado por tudo.
Quando ficou só, Wolfe, pensativo, levantou o seu metro e noventa da cadeira para se aproximar da janela.
A paisagem que dali se podia observar era uma rua degradada, numa cidade degradada, uma mistura de peões, carros e motorizadas ruidosas… Fixou-se então num grupo de pessoas que calçavam sandálias e vestiam camisas de cores berrantes.
Degradada? Não, não podia haver outro sítio mais degradado que Auckland.
Normalmente, gostava de viver na Nova Zelândia, mas desde a chamada telefónica da sua mãe tinha ficado nervoso e agressivo.
Durante seis anos tinha-se esquecido de Rowan Anne Corbett, mas não podia ignorar a sua mãe.
– Encontrei a Anne Corbett – dissera-lhe com aquela voz sumida e adoentada que lhe recordava aquilo que não queria recordar.
Um ano depois da morte do filho ainda tão jovem, Laura Simpson tinha sucumbido a uma depressão que a deixou sem forças e sem vontade de viver. Nem os melhores médicos do mundo conseguiram fazer nada até que um deles, mais honesto, lhe explicou que simplesmente tinha o coração despedaçado e não havia cura para isso.
– Onde a encontrou? – perguntou Wolfe.
– Foi uma coincidência. A minha amiga Moira viu-a a trabalhar num café na baía de Kura e perguntou-lhe o nome.
– Como é que desconfiou que era ela?
– Estava comigo durante a audiência no tribunal e reconheceu-a.
– Contactou-a?
– Escrevi-lhe uma carta e ela respondeu-me afirmando que há seis anos tinha dito em tribunal tudo o que sabia sobre a morte de Tony. Quis telefonar-lhe, mas não encontrei o seu nome na lista telefónica – suspirou a mãe. – Deixei-lhe um recado no café, mas como não me telefonou, estou a pensar ir lá daqui a alguns dias.
– Não quero que vá, mãe – disse Wolfe, furioso com Rowan Anne Corbett por se recusar a falar com uma mulher doente. Depois, viajar de avião deixá-la-ia exausta. – Vou lá eu.
– Obrigada. E quando o fizeres, quando a vires, diz-lhe que não a culpo pelo que aconteceu. Usei-a como bode expiatório e lamento tê-lo feito. Tony só tinha vinte e um anos… Mas preciso de saber o que se passou naquela tarde.
A sua mãe podia já ter perdoado a Rowan Anne Corbett, mas ele não. Com aquele cabelo preto e rosto de sereia tinha sido a responsável directa pela morte do seu meio-irmão.
Laura Simpson hesitou um segundo antes de perguntar:
– Wolfe, notaste alguma mudança em Tony depois do acidente?
– Refere-se a quê exactamente?
– Pareceu-me que tinha um comportamento mais responsável. Mas… pode ser apenas impressão minha.
– É normal depois de um acidente tão grave. Essas coisas fazem pensar.
– Sim, é verdade.
Antes de desligar, Wolfe prometeu ir almoçar com ela na semana seguinte. Depois observou novamente a fotografia com um sorriso ameaçador. Agora Rowan não poderia escapar com mentiras e subterfúgios. Há seis anos atrás, uma pneumonia reteve-o num hospital do outro lado do mundo, obrigando a sua mãe a lidar sozinha com a investigação sobre a morte de Tony.
A sua incapacidade de protegê-la deixou-lhe uma ferida que se tornou mais profunda ao saber que Rowan Corbett tinha desaparecido sem deixar rasto.
Mas obrigá-la-ia… ou talvez a seduzisse para lhe sacar a verdade. Há dez anos que as coisas tinham acontecido e tiraria partido disso.
Anne… Rowan Corbett tinha levado Tony à loucura, mas ele era mais duro que o seu ingénuo e mimado irmão. Wolfe pegou na fotografia e guardou-a numa caixa que fechou com uma pancada seca, gesto que reflectia o desprezo que sentia por ela.
Meia hora depois, sem conseguir deixar de pensar naquele rosto grave e eroticamente intrigante, proferiu uma maldição. Sem pensar abriu a página da internet do jornal local e, ao fazê-lo, a palavra «Rowan» chamou a sua atenção.
Incrédulo, procurou o artigo. Pelos vistos, uma galeria de arte expunha naquela mesma noite uma colecção de cerâmica, pintura e vidro trabalhado. Segundo o jornal, todos os trabalhos eram muito bons, mas reservava os melhores elogios para a cerâmica de alguém chamado Rowan.
Nada mais, nada menos que Rowan.
E o jornalista elogiava-o com adjectivos como «esmaltes de brilho extraordinário», forma soberba, «uma nova estrela na constelação artística da Nova Zelândia».
Wolfe observou a fotografia de um jarrão. Elegante de forma, era um desenho muito original, muito bonito.
Talvez fosse demasiada coincidência, mas ele era um homem habituado a deixar que a intuição ditasse as suas decisões. Nem por um momento aquele misterioso instinto o tinha decepcionado, bem pelo contrário; foi assim que converteu a pequena empresa de electrónica que lhe tinha deixado o padrasto numa multinacional de informação tecnológica.
Uma inteligência formidável e uma grande habilidade para saber aquilo que os consumidores queriam tinham-no ajudado nessa subida meteórica. E também a sua forma determinada. Por isso a concorrência respeitava-o e os funcionários eram absolutamente fiéis.
Wolfe esperava ser o melhor deles, mas oferecia sempre as melhores condições de trabalho.
– Menina Forrest – disse pressionando o intercomunicador. – Arranje uma entrada para a exposição desta noite na galeria Working Life.
Rowan tentava controlar um ataque de nervos que começava a assumir a forma de