Romancistas Essenciais - Eça de Queirós. Eca de Queiros
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Читать онлайн книгу Romancistas Essenciais - Eça de Queirós - Eca de Queiros страница 11
— Como está, Sr. Amaro? — A cadela rosnou. — Quieta, Jóia. Sabe que já falei no seu negócio? Quieta, Jóia... O ministro está ali.
— Sim, minha senhora, disse Amaro, de pé.
— Sente-se aqui, Sr. padre Amaro.
Amaro pousou-se à beira dum fauteuil, com o seu guarda-sol na mão, — e reparou então numa senhora alta que estava de pé, junto do piano, falando com um rapaz louro.
— Que tem feito estes dias, Amaro? disse a condessa. Diga-me uma coisa: sua irmã?
— Está em Coimbra, casou.
— Ah! casou! disse a condessa, fazendo girar os seus anéis.
Houve um silêncio. Amaro, de olhos baixos, passava, com um gesto embaraçado e errante, os dedos pelos beiços.
— O Sr. padre Liset está para fora? perguntou.
— Está em Nantes. Tinha uma irmã a morrer, disse a condessa. — Está o mesmo sempre: muito amável, muito doce. É a alma mais virtuosa!...
— Eu prefiro o padre Félix, disse o rapaz gordo, estirando as pernas.
— Não diga isso, primo! Jesus, brada aos Céus! Pois então, o padre Liset, tão respeitável!... E depois outras maneiras de dizer as coisas, com uma bondade... Vê-se que é um coração delicado...
— Pois sim, mas o padre Félix...
— Ai, nem diga isso! Que o padre Félix é uma pessoa de muita virtude, decerto; mas o padre Liset tem uma religião mais... — e com um gesto delicado procurava a palavra: — mais fina, mais distinta... Enfim, vive com outra gente. — E sorrindo para Amaro: — Pois não acha?
Amaro não conhecia o padre Félix, não se recordava do padre Liset.
— Já é velho o Sr. padre Liset, observou ao acaso.
— Crê? disse a condessa. Mas muito bem conservado! E que vivacidade, que entusiasmo!... Ai, é outra coisa! — E voltando-se para a senhora que estava junto do piano: — Pois não achas, Teresa?
— Já vou, respondeu Teresa, toda absorvida.
Amaro afirmou-se então nela. Pareceu-lhe uma rainha, ou uma deusa, com a sua alta e forte estatura, uma linha de ombros e de seio magnífica; os cabelos pretos um pouco ondeados destacavam sobre a palidez do rosto aquilino semelhante ao perfil dominador de Maria Antonieta; o seu vestido preto, de mangas curtas e decote quadrado, quebrava, com as pregas da cauda muito longa toda adornada de rendas negras, o tom monótono das alvuras da sala; o colo, os braços estavam cobertos por uma gaze preta, que fazia aparecer através da brancura da carne; e sentia-se nas suas formas a firmeza dos mármores antigos, com o calor dum sangue rico.
Falava baixo, sorrindo, numa língua áspera que Amaro não compreendia, cerrando e abrindo o seu leque preto — e o rapaz louro, bonito, escutava-a retorcendo a ponta de um bigode fino, com um quadrado de vidro entalado no olho.
— Havia muita devoção na sua paróquia, Sr. Amaro? perguntava, no entanto, a condessa.
— Muita, muito boa gente.
— É onde ainda se encontra alguma fé, é nas aldeias, considerou ela com um tom piedoso. — Queixou-se da obrigação de viver na cidade, nos cativeiros do luxo: desejaria habitar sempre na sua quinta de Carcavelos, rezar na pequena capela antiga, conversar com as boas almas da aldeia! — e a sua voz tornara-se terna.
O rapaz rechonchudo ria-se:
— Ora, prima! dizia, ora, prima! — Não, ele, se o obrigassem a ouvir missa, numa capelinha de aldeia, até lhe parecia que perdia a fé!... Não compreendia, por exemplo, a religião sem música... Era lá possível uma festa religiosa, sem uma boa voz de contralto?
— Sempre é mais bonito, disse Amaro.
— Está claro que é. É outra coisa! Tem cachet! Ó prima, lembra-se daquele tenor... como se chamava ele? O Vidalti! Lembra-se do Vidalti, na quinta-feira de Endoenças, nos Inglesinhos? O tantum ergo?
— Eu preferia-o no Baile de Máscaras, disse a condessa.
— Olhe que não sei, prima, olhe que não sei!
No entanto o rapaz louro viera apertar a mão à senhora condessa, falando-lhe baixo, muito risonho; Amaro admirava a nobreza da sua estatura, a doçura do seu olhar azul; reparou que lhe caíra uma luva, e apanhou-lha servilmente. Quando ele saiu Teresa, depois de se ter aproximado vagarosamente da janela e olhando para a rua — foi sentar-se numa causeuse com um abandono que punha em relevo a magnífica escultura do seu corpo, e voltando-se preguiçosamente para o rapaz rechonchudo:
— Vamo-nos, João?
A condessa disse-lhe então:
— Sabes que o Sr. padre Amaro foi criado comigo em Benfica?
Amaro fez-se vermelho: sentia que Teresa pousava sobre ele os seus belos olhos dum negro úmido como o cetim preto coberto de água.
— Está na província agora? Perguntou ela, bocejando um pouco.
— Sim, minha senhora, vim há dias.
— Na aldeia? continuou ela, abrindo e cerrando vagarosamente o seu leque.
Amaro via pedras preciosas reluzirem nos seus dedos finos; disse, acariciando o cabo do guarda-sol:
— Na serra, minha senhora.
— Imagina tu, acudiu a condessa, é um horror! Há sempre neve, diz que a igreja não tem telhado, são tudo pastores. Uma desgraça! Eu pedi ao ministro a ver se o mudávamos. Pede-lhe tu também...
— O quê? disse Teresa.
A condessa contou que Amaro requerera para uma paróquia melhor. Falou de sua mãe, da amizade que ela tinha a Amaro...
— Morria-se por ele. Ora um nome que ela lhe dava... Não se lembra?
— Não sei, minha senhora.
— Frei Maleitas!... Tem graça! Como o Sr. Amaro era amarelito, sempre metido na capela...
Mas Teresa, dirigindo-se à condessa:
— Sabes com quem se parece este senhor?
A condessa afirmou-se, o rapaz rechonchudo fincou a luneta.
— Não se parece com aquele pianista do ano passado? continuou Teresa. Não me lembra