A Ordem. Daniel Silva
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— E o que é que o Lorenzo teria feito? Investigar a morte de um papa como um possível homicídio? — O sorriso de Donati foi caridoso. — Dada a tua experiência no Vaticano, surpreende-me que faças, sequer, uma pergunta dessas. Para além disso, o Albanese nunca teria permitido. Ele tinha a sua versão e mantinha-se fiel à mesma. Encontrou o Santo Padre na capela privada alguns minutos depois das dez e levou-o, sem ajuda, até ao quarto. Aí, na presença de três dos mais poderosos cardeais da Igreja, pôs em marcha a sequência de acontecimentos que conduziu à declaração de que o trono de São Pedro se encontrava disponível. Tudo isso enquanto eu degustava de um jantar tardio com uma mulher que, em tempos, amei. Se eu puser o Albanese em causa, ele destrói-me. E, de passagem, também destrói a Veronica.
— E se passasses a informação a um jornalista de confiança? Há vários milhares acampados na Praça de São Pedro.
— Este assunto é demasiado sério para ser confiado a um jornalista. Exige alguém suficientemente habilidoso e implacável para descobrir o que, de facto, aconteceu. E rapidamente.
— Alguém como eu?
Donati não respondeu.
— Estou de férias — protestou Gabriel. — E é suposto voltar a Telavive daqui a uma semana.
— O que te dá, exatamente, tempo suficiente para descobrires quem matou o Santo Padre antes do início do conclave. Para todos os efeitos, o conclave já começou. A maioria dos homens que vão escolher o próximo papa está refugiada na Casa Santa Marta. — A Domus Sanctae Marthae, ou Casa Santa Marta, era a hospedaria clerical de cinco andares no extremo sul da cidade-estado. — Posso garantir-te que os príncipes de chapéu vermelho não passam a noite a falar das notícias desportivas enquanto jantam. É imperativo descobrirmos quem esteve por trás do assassínio do meu mestre antes que eles se enfiem na Capela Sistina e as portas se tranquem nas suas costas.
— Com todo o respeito, Luigi, não tens absolutamente nenhuma prova de que o Lucchesi foi assassinado.
— Não te contei tudo o que sei.
— Talvez agora seja uma boa altura para o fazeres.
— A carta que desapareceu estava endereçada a ti. — Donati fez uma pausa. — Agora, pergunta-me sobre o guarda suíço que estava de serviço no exterior do apartamento papal, nessa noite.
— Onde é que ele está?
— Deixou o Vaticano algumas horas depois da morte do Santo Padre. Desde então, nunca mais foi visto.
8
RISTORANTE PIPERNO, ROMA
Gabriel distraiu-se momentaneamente com o homem que deambulava pelo campo, enquanto os empregados de mesa recolhiam o primeiro prato. Usava óculos escuros e um chapéu e carregava uma mochila de nylon sobre um ombro quadrado. Gabriel supôs que tivesse ascendência do norte da Europa, alemã ou austríaca, talvez fosse escandinavo. Parou a alguns metros da mesa deles, como se estivesse a orientar-se, durante tempo suficiente para Gabriel calcular quanto tempo demoraria a sacar a Beretta que tinha guardada no fundo das costas. Em vez disso, tirou o telefone e fotografou o homem, enquanto este abandonava a praça.
— Vamos começar pela carta. — Gabriel devolveu o telefone ao bolso interior do casaco. — Mas porque é que não saltamos para a parte onde alegas não saber por que motivo o Lucchesi estava a escrevê-la.
— Não sei — insistiu Donati. — Mas, se tentasse adivinhar, diria que estava relacionada com alguma coisa que ele encontrou no Arquivo Secreto.
L’Archivio Segreto Vaticano, o Arquivo Secreto do Vaticano, era o repositório central dos documentos papais relacionados quer com assuntos de religião quer de Estado. Situado perto da Biblioteca do Vaticano, no Palácio Belvedere, calculava-se que contivesse oitenta e cinco quilómetros de espaço nas prateleiras, grande parte deles em abrigos subterrâneos fortificados. Entre os seus inúmeros tesouros encontrava-se o Decet Romanum Pontificem, a bula papal do papa Leão X, de 1521, que ordenava a excomunhão de um problemático padre e teólogo alemão chamado Martinho Lutero. Era também o local de repouso final de grande parte da roupa suja de Igreja. No início do papado de Lucchesi, Gabriel trabalhara com Donati e o Santo Padre para divulgar documentos diplomáticos e outros relacionados com a conduta do papa Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial, onde seis milhões de judeus tinham sido sistematicamente assassinados, frequentemente por católicos romanos, quase sem uma palavra de protesto da Santa Sé.
— O Arquivo é considerado propriedade pessoal do papado — continuou Donati. — O que significa que o papa tem autorização para ver tudo o que quiser. O mesmo não se aplica ao seu secretário pessoal. De facto, nem sempre fui autorizado a conhecer a natureza dos documentos que ele estava a rever.
— Onde é que ele fazia as suas leituras?
— Às vezes, o prefetto levava os documentos ao apartamento papal. Mas, se fossem demasiado frágeis ou sensíveis, o Santo Padre examinava-os numa sala especial no interior do Arquivo, com o prefetto de guarda à saída da porta. Talvez tenha ouvido falar dele. Chama-se…
— Cardeal Domenico Albanese.
Donati fez um gesto afirmativo com a cabeça.
— Portanto, o Albanese tinha conhecimento de todos os documentos que passavam pelas mãos do Santo Padre?
— Não necessariamente. — Fumador empedernido, Donati tirou um cigarro de uma elegante caixa dourada e bateu com ele na tampa, antes de o acender com um isqueiro dourado a condizer. — Como deves estar lembrado, no final do papado, Sua Santidade começou a ter problemas graves de insónias. Todas as noites, ia para a cama à mesma hora, por volta das dez e meia, mas raramente ficava lá muito tempo. Era sabido que, ocasionalmente, visitava o Arquivo Secreto para uma leitura noturna.
— Como é que ele conseguia os documentos a meio da noite?
— Tinha uma fonte secreta. — A atenção de Donati foi atraída por algo que se encontrava por cima ombro de Gabriel. — Meu Deus, aquela é a…
— Sim, é.
— Porque é que ela não se junta a nós?
— Está ocupada.
— A proteger-te?
— E a ti. — Gabriel perguntou-lhe sobre o guarda suíço desaparecido.
— O nome dele é Niklaus Janson. Concluiu recentemente os dois anos de serviço obrigatório, mas aceitou ficar mais um ano, a meu pedido.
— Gostavas dele?
— Confiava nele, o que é bem mais importante.
— Havia algum registo negativo no historial dele?
— Violou duas vezes o recolher obrigatório.
— Quando foi a última violação?
— Uma semana antes da morte do Santo Padre. Alegou que tinha saído com um amigo e perdido a noção do tempo. O Metzler deu-lhe o castigo tradicional.
— Qual é?