Memórias. Brandão Raul

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Memórias - Brandão Raul

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que arrancou da botoeira, em plena praça, com um desdem supremo pela burguezia endinheirada… Sim, foi este que teve a gloria da cadeia, que cantou as estrellas, Jesus e Mephistopheles, foi este mesmo homem, a quem falta roupa na cama no inverno glacial, e que sorri com humildade para nós, avelhantado e timido… As janellas não teem vidros, a roupa é pouca, mas tu viveste o que não vive um rei, e o imperio deslumbrante, que creaste á custa de dôr, cheio de obscuridades e de genio, com catadupas d'oiro, como nas lendas, e palidas figuras; essa mescla de gritos, de paixão; esse sonho confuso e immenso, pertence-te, e não ha quem t'o roube, mesmo com as janellas abertas de par em par. Deixa entrar o frio – e sorri…

      Agora vae todas as manhãs ouvir missa á Pena ou ao Resgate. É um homem encolhido e friorento, que a banalidade tem gasto e desgasto como as moedas fóra de curso que se fartaram de correr de mão em mão, e ainda ha dias o encontrei no Porto, n'uma manhã de sol, de casaco de borracha e colarinho suspeito. Ia pregar á Associação Catholica, e atravessava a Praça entre os aplausos dos palidos sachristas, que o rodeavam como quem força um deus, sem repararem que só levavam um simulacro. No sonho de outrora não ha mãos que se atrevam a tocar… Elle sorria enlevado, com o eterno charuto ao canto da bocca.

      A vida feroz torna-nos grotescos. Consegue tudo. Deforma-nos. O proprio sonho entra ás vezes no dominio da chacota. Onde, porém, Garrett chega ao ridiculo, com tres cabelleiras postiças, Gomes Leal, de casaco de borracha e discursos de propaganda, atinge o tragico… Eu bem sinto a tristeza, bem sei, bem vejo o arranco, bem palpo a dôr. A figura que cheira a bafio como se sahisse do fundo do armario do passado para a plena luz, faz rir e faz chorar. No esforço para não ir ao fundo, no gesto de naufrago que se apéga com desespero, quando a dôr estala por todas as costuras, ha um rictus de clown. Olha lá: o peor é tu ousares tocar no que ha em mim de mais sagrado, o peor é tu transformares-me o sonho n'uma noticia do Seculo, o peor de tudo é tu atreveres-te a tocar n'este jardim da vida – e, peor ainda, é que eu continuo a sorrir como se possuisse o antigo thesouro de Ali-Baba. Mais um momento, outro passo e reduzes-me á condição de trapo. Deitas-te commigo, acordo comtigo ao meu lado, e ha occasiões em que até o som da minha voz me sobresalta. Por ora debato-me, por ora sinto o coração opresso, fingindo que não existes, mas ha já terror no meu sorriso, e, quando me ouço, ouço-te tambem os passos. Sei perfeitamente que o momento terrivel depende de um unico traço de separação – agora, já, d'aqui a bocado…

      Estás por traz de mim e o minuto grotesco será quando eu deixar de te conhecer e quando sentir a tua mão gelada… Estás por traz de mim! estás por traz de mim! Bem sei que estás por traz de mim, e que vaes ser a minha companhia até á cova. Confesso-te: o que me aterra não é o momento que passou, nem o que ha-de vir – é o momento, que vale um seculo, em que tenho de galgar o abysmo. Por ora teimo, por ora ainda digo: – A sciencia, meu rapaz, sabes o que é? É um cifrão cortado. – Mas como o digo!..

      …Ha um momento tetrico nos Espectros em que um novo personagem se introduz em scena. Desde o principio que o sabemos atraz da frandulagem de papelão: está alli presente, não como uma figura de theatro, mas monstruoso, real e patente, como o Destino, á espera de intervir. Desde então perco o fio da peça, não sigo mais os bonecos que se agitam no tablado, só ouço o meu proprio monologo, e quedo-me d'olhos atonitos n'outro espectaculo atroz. Tenho a certeza absoluta de que não ha forças humanas que lhe detenham a marcha. Começa então a tragedia…

      É este mesmo personagem que se intromete na vida do poeta. As palavras conteem ainda e sempre as mesmas letras, mas até as palavras mirraram. Esqueci tudo, troquei tudo pelo sonho, e, quando tu quizeres, de mim proprio ficarei desconhecido! Como eu comprehendo agora aquella phrase de outro poeta: «Sinto que não posso trabalhar! sinto que não posso trabalhar!» É com esta angustia que te ouço os passos mais perto. Já não é só a scena que tu enches, é a sala toda, figura invisivel, unico personagem do drama, que te entranhas na alma dos espectadores. Emquanto os bonecos teimam em pronunciar palavras que não ouço, que não teem significação nem importam, tu levas-me, quer eu queira, quer não queira, a sorrir com enlevo á propria banalidade.

*

      A casa em que mora Gomes Leal, na esquina do palacio da Bemposta, parece arrancada a um velho quadro de Velasquez, com a sua entrada de pedra e um arco na escada. O soalho entreaberto oscila, as janellas não teem vidros. Conheço-a. Já lá morei ha annos no mesmo quarto que dá para um quintalorio, com duas ou trez oliveiras carcomidas. Do buraco, onde nunca chega o sol, sae um frio de morte. Bato, a porta abre-se, o soalho range, e o poeta surge com o velho chapeu ás trez pancadas, luvas pretas – até de luvas escreve Gomes Leal! – e no quarto desagasalhado ha luvas por toda a parte, por cima das mezas, entre os livros, penduradas no tecto. O leito é um catre. Ao lado um Christo, uma mezinha de pé de gallo, e no soalho apodrecido, montões de jornaes e de livros. Na parede, que ressuma humidade, um quadro a crayon, com o vidro partido: o retrato da mãe de Gomes Leal.

      – Vivo só, não tenho familia. Minha mãe morreu-me e aqui estou como um orphão.

      – Vive isolado sempre?

      – Levanto-me cedo, vou aos templos. Depois passo pelas bibliothecas e pelos livreiros e venho para casa escrever. Almoço e janto onde calha. Quando tenho bebo para esquecer, á noite escrevo, deito-me cedo e durmo… Tenho trez livros para publicar: As memorias d'um revoltado, continuação da historia da minha vida, O macaco de Nero, estudo de Roma, e o livro em prosa Cidade do Diabo, onde trato da decadencia do mundo moderno. Comecei tambem Christo nos infernos, poema em verso. Conservo as minhas ideias religiosas, que não são incompativeis com a republica, e ficarei contente por ver realisado o sonho de toda a minha vida, que acalentei como um poeta, e que desejo que se não dissolva como uma bola de sabão na cabeça d'um prego…

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      1

      Estas Memorias devem formar quatro volumes: – 2.º vol. – Os bastidores da monarchia. Vida literaria. Theatro por dentro; 3.º vol. – A Republica. O comercio e a finança. Jornaes e jornalistas; 4.º vol. – A Republica e os seus homens. Vida militar.

      2

      Republica, 23 de Fevereiro de 1915.

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