Memórias. Brandão Raul
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Já noticiamos n'outro numero do nosso jornal com todos os seus detalhes e pormenores, como foi a festa d'inauguração do monumento a Eça de Queiroz. Damos hoje um reflexo do humor da multidão que assistiu ao acto. Porque, emfim, a nosso vêr, tudo é documento para a historia.
– Sobre a nudez forte da Verdade, o manto diaphano da phantasia. Dizem os amigos que n'esta frase se alegorisa a obra de Eça. Mas olha cá. Estando a Verdade completamente nua do ventre para cima, e só rebuçada d'ahi para baixo, o que sob o manto da fantasia se guarda é indecente.
– Ahi está a razão porque a alegoria é flagrantissima.
– Tu, se fosses casado, davas o Primo Bazilio a lêr a tua mulher?
– Lá isso não. Mas não tinha a mais pequena duvida em o dar á tua.
– Que lhe parece a Verdade do monumento?
– Um calix de bitter para fazer bocca ao Chat Noir, que fica em baixo.
– Condessa, de todos os cavalheiros que fallaram, qual d'elles é o conde d'Avila?
– O conde d'Avila são todos.
– Este Monteiro Milhões, que inconveniencia! Consentir que das suas cavallariças um burro esteja a interromper os oradores!
– Condessa, é o echo.
– O que eu n'esta consagração sobretudo admiro, é o grande coração do conde d'Arnoso. O Municipio devia premiar tão nobre musculo.
– Com uma urna, como se fez ao D. Pedro IV?
– Com uma urna não. Com uma travessa.
– Seria interessante conhecer todos os tramites do trabalho de creação do esculptor, até ao momento da estatua apparecer.
– Ah, eu lh'os conto. Primeiramente, o Carlos Mayer, na sua qualidade de judeu, queria uma descida da Cruz, e por isso, o grupo do Eça e da Verdade cheiram um pouco á scena da Paixão. Veio depois o Arnoso a lembrar se dessem ao monumento reminiscencias mais contemporaneas, ex.: o Genio perguntando á Verdade quantos dentes queixaes queria tirar. D'esta dualidade d'inspiração resulta o mysterio, que faz com que o monumento seja o que v. ex.a quizer, sendo o melhor – não perguntar.
Apparece no estrado o Conselheiro António Candido.
– Silencio! Vae fallar o maior orador da Peninsula.
– «…[*espaço?]no povo portuguez ainda ha o grande brio dos feitos altos, (sussurro). Se ámanhã esta Verdade tão núa fôr ter ao Pelourinho, ninguem sabe até onde o amor da Pátria ha-de crescer! (ovação).
Interview com o conselheiro Barahona.
– V. Ex.a leu alguma vez o Eça?
– Ler, nunca, mas conheci-o em Evora, delegado do thesouro, e até por causa d'isso vim ao Principe Real ver-lhe um drama de ladrões, que estava mesmo escripto ao meu sabor.
– Mas isso não é o Eça de Queiroz, é o Eça Leal.
– O que?! Não é o mesmo? Ai, os meus ricos dois contos de réis!
Interview com o Snr. Monteiro Milhões.
– V. Ex.a que pensa do monumento?
– Penso que tenho de voltar a frontaria da minha casa, para o Theatro D. Amelia. Imagine que os meus netos estão constantemente a perguntar quem é aquella senhora sem camisa. Já o outro dia lhes disse que era D. Maria II, mas com estes frios, os pequenitos, educados na compaixão, não me largam para que lhe mande dar um cobertor.
– E que impressão faz das suas janellas a barriga da Verdade?
– Aqui entre nós (arregalando o olho) é uma d'aquellas barrigas que está mesmo a glorificar a «sensação nova» (irritado). Não era mais condizente á minha camoneana, transferirem o epico immortal aqui para o meu largo, e levarem aquelle senhor para as proximidades do Bairro Alto?
– De modo que V. Ex.a, irritado, nem chega á janella?
– Emquanto a Camara não mandar pôr, de roda da figura um resguardo pintado de cinzento.
– Tu ouviste os discursos. Que opinião por elles se pode ter da capacidade mental dos oradores?
– Metade d'aquelles senhores não leu o Eça, e a outra metade não tem lucidez para o julgar. Isto foi uma festa de «snobs»; o monumento que ali está, não foi erguido á memoria do Eça litterato: é a glorificação do conde Reinaldo e da Alfonsine.
– E se o flamejante garoto agora cá tornasse? Mettia-os a todos n'um romance endiabrado.
– Já estão mettidos. Mas o que tu acabas de vêr é os Maias em quadro vivo.
Duas guapissimas, na turba.
– Pero Eça de Queiroz, quien és?
– Un caballero que escribió del minuete.
G… antigo companheiro de Fialho, sepultado hoje no fundo d'uma biblioteca, diz assim a proposito da livraria do grande escriptor2:
«Eu chamo a estes livros as onze mil virgens. São apenas quatro mil volumes ou pouco mais, mas – vae surprehendel-o esta minucia – estam quasi todos por abrir. Ha aqui Balzac e Zola, Eça e Ibañez, os Goncourt e Ponson du Terrail. Fialho tinha muito Ponson na sua biblioteca. Esta litteratura de costureiras e guarda-portões era para as grandes horas amarguradas».
Era. A elle e a outros grandes espiritos basta-lhes o proprio drama para os amargurar. Anthero, nos dias aziagos de Villa do Conde, deitado n'um sofá, só lia Gaborieu. Para tragedia chegava-lhe a sua.
«O Fialho tinha uma admiração extraordinaria pela obra camiliana. Imagine que até n'um livro da mocidade poz uma dedicatoria a Camillo, em que dizia: «acabo de lêr toda a sua obra». E quasi nada lêra a esse tempo… Afora as obras portuguesas, na biblioteca de Fialho só ha volumes em espanhol e em francez. Nos ultimos anos merecera-lhe uma atenção particular a literatura espanhola.»
E a proposito de Fialho intimo assevera:
«O Fialho, que tinha grandes rasgos generosos e perversidades femininas – repito-o não era bem o Fialho que se vê atravez dos seus livros admiraveis. Era o outro. As suas irreverencias das paginas rubras eram fundamentalmente apenas o odio do plebeu que inveja o fidalgo. Sim, porque ele invejava a sociedade na sua fase demolidora só porque não tinha nela um lugar. Uma infantilidade de homem de
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