Memórias. Brandão Raul

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Memórias - Brandão Raul

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style="font-size:15px;">      Está furioso com a inauguração do monumento ao Eça. No fundo nunca o pode vêr: faltou-lhe o carinho, a consideração – e isso maguou-o muito – que rodeou o grande escriptor dos Maias. Elle proprio diz: ganhou sempre a trabalhar menos que um pedreiro. No jornaleco A Tribuna escreveu em dois numeros successivos, sem assignatura, as seguintes notas com o titulo o monumento

      Já noticiamos n'outro numero do nosso jornal com todos os seus detalhes e pormenores, como foi a festa d'inauguração do monumento a Eça de Queiroz. Damos hoje um reflexo do humor da multidão que assistiu ao acto. Porque, emfim, a nosso vêr, tudo é documento para a historia.

*

      – Sobre a nudez forte da Verdade, o manto diaphano da phantasia. Dizem os amigos que n'esta frase se alegorisa a obra de Eça. Mas olha cá. Estando a Verdade completamente nua do ventre para cima, e só rebuçada d'ahi para baixo, o que sob o manto da fantasia se guarda é indecente.

      – Ahi está a razão porque a alegoria é flagrantissima.

*

      – Tu, se fosses casado, davas o Primo Bazilio a lêr a tua mulher?

      – Lá isso não. Mas não tinha a mais pequena duvida em o dar á tua.

*

      – Que lhe parece a Verdade do monumento?

      – Um calix de bitter para fazer bocca ao Chat Noir, que fica em baixo.

*

      – Condessa, de todos os cavalheiros que fallaram, qual d'elles é o conde d'Avila?

      – O conde d'Avila são todos.

*

      – Este Monteiro Milhões, que inconveniencia! Consentir que das suas cavallariças um burro esteja a interromper os oradores!

      – Condessa, é o echo.

*

      – O que eu n'esta consagração sobretudo admiro, é o grande coração do conde d'Arnoso. O Municipio devia premiar tão nobre musculo.

      – Com uma urna, como se fez ao D. Pedro IV?

      – Com uma urna não. Com uma travessa.

*

      – Seria interessante conhecer todos os tramites do trabalho de creação do esculptor, até ao momento da estatua apparecer.

      – Ah, eu lh'os conto. Primeiramente, o Carlos Mayer, na sua qualidade de judeu, queria uma descida da Cruz, e por isso, o grupo do Eça e da Verdade cheiram um pouco á scena da Paixão. Veio depois o Arnoso a lembrar se dessem ao monumento reminiscencias mais contemporaneas, ex.: o Genio perguntando á Verdade quantos dentes queixaes queria tirar. D'esta dualidade d'inspiração resulta o mysterio, que faz com que o monumento seja o que v. ex.a quizer, sendo o melhor – não perguntar.

*

      Apparece no estrado o Conselheiro António Candido.

      – Silencio! Vae fallar o maior orador da Peninsula.

      – «…[*espaço?]no povo portuguez ainda ha o grande brio dos feitos altos, (sussurro). Se ámanhã esta Verdade tão núa fôr ter ao Pelourinho, ninguem sabe até onde o amor da Pátria ha-de crescer! (ovação).

*

      Interview com o conselheiro Barahona.

      – V. Ex.a leu alguma vez o Eça?

      – Ler, nunca, mas conheci-o em Evora, delegado do thesouro, e até por causa d'isso vim ao Principe Real ver-lhe um drama de ladrões, que estava mesmo escripto ao meu sabor.

      – Mas isso não é o Eça de Queiroz, é o Eça Leal.

      – O que?! Não é o mesmo? Ai, os meus ricos dois contos de réis!

*

      Interview com o Snr. Monteiro Milhões.

      – V. Ex.a que pensa do monumento?

      – Penso que tenho de voltar a frontaria da minha casa, para o Theatro D. Amelia. Imagine que os meus netos estão constantemente a perguntar quem é aquella senhora sem camisa. Já o outro dia lhes disse que era D. Maria II, mas com estes frios, os pequenitos, educados na compaixão, não me largam para que lhe mande dar um cobertor.

      – E que impressão faz das suas janellas a barriga da Verdade?

      – Aqui entre nós (arregalando o olho) é uma d'aquellas barrigas que está mesmo a glorificar a «sensação nova» (irritado). Não era mais condizente á minha camoneana, transferirem o epico immortal aqui para o meu largo, e levarem aquelle senhor para as proximidades do Bairro Alto?

      – De modo que V. Ex.a, irritado, nem chega á janella?

      – Emquanto a Camara não mandar pôr, de roda da figura um resguardo pintado de cinzento.

*

      – Tu ouviste os discursos. Que opinião por elles se pode ter da capacidade mental dos oradores?

      – Metade d'aquelles senhores não leu o Eça, e a outra metade não tem lucidez para o julgar. Isto foi uma festa de «snobs»; o monumento que ali está, não foi erguido á memoria do Eça litterato: é a glorificação do conde Reinaldo e da Alfonsine.

      – E se o flamejante garoto agora cá tornasse? Mettia-os a todos n'um romance endiabrado.

      – Já estão mettidos. Mas o que tu acabas de vêr é os Maias em quadro vivo.

*

      Duas guapissimas, na turba.

      – Pero Eça de Queiroz, quien és?

      – Un caballero que escribió del minuete.

*

      G… antigo companheiro de Fialho, sepultado hoje no fundo d'uma biblioteca, diz assim a proposito da livraria do grande escriptor2:

      «Eu chamo a estes livros as onze mil virgens. São apenas quatro mil volumes ou pouco mais, mas – vae surprehendel-o esta minucia – estam quasi todos por abrir. Ha aqui Balzac e Zola, Eça e Ibañez, os Goncourt e Ponson du Terrail. Fialho tinha muito Ponson na sua biblioteca. Esta litteratura de costureiras e guarda-portões era para as grandes horas amarguradas».

      Era. A elle e a outros grandes espiritos basta-lhes o proprio drama para os amargurar. Anthero, nos dias aziagos de Villa do Conde, deitado n'um sofá, só lia Gaborieu. Para tragedia chegava-lhe a sua.

      «O Fialho tinha uma admiração extraordinaria pela obra camiliana. Imagine que até n'um livro da mocidade poz uma dedicatoria a Camillo, em que dizia: «acabo de lêr toda a sua obra». E quasi nada lêra a esse tempo… Afora as obras portuguesas, na biblioteca de Fialho só ha volumes em espanhol e em francez. Nos ultimos anos merecera-lhe uma atenção particular a literatura espanhola.»

      E a proposito de Fialho intimo assevera:

      «O Fialho, que tinha grandes rasgos generosos e perversidades femininas – repito-o não era bem o Fialho que se vê atravez dos seus livros admiraveis. Era o outro. As suas irreverencias das paginas rubras eram fundamentalmente apenas o odio do plebeu que inveja o fidalgo. Sim, porque ele invejava a sociedade na sua fase demolidora porque não tinha nela um lugar. Uma infantilidade de homem de

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Republica, 23 de Fevereiro de 1915.