A agua profunda. Paul Bourget

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A agua profunda - Paul Bourget

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baroneza de Node sabia-o melhor do que ninguem, tendo sido educada com ella, e encontrando-se, por circumstancias que lhe não eram muito lisongeiras, ao corrente dos segredos mais intimos da vida da sua prima. Mas quando uma mulher não é honesta – e Joanna não o era – não acredita nunca, sem reserva, na irreprehensivel virtude d'uma outra. Por isso é que o mais leve indicio a punha no rasto do que a humanidade em linguagem de giria, chama um «embrulho» e vel-a hemos, apezar de dizer respeito á sua melhor amiga, desenvolver um talento de investigação tão completo como o d'um velho magistrado.

      Eram uns nadas que tinham facil explicação: a recusa em sahirem juntas, com o pretexto de ter que fazer visitas, e depois esta entrada no grande armazem de novidades!

      Bastava que a marqueza de Chalinhy não tivesse encontrado as pessôas que ia visitar, e que depois, passando pela rua de Rivoli, deante da fachada principal do grande armazem se tivesse lembrado, á ultima hora, de fazer qualquer compra. Era ainda uma insignificancia o seu fato escuro, o seu veu expesso e a sua passagem quasi furtiva atravez da multidão. E portanto, esta tão vaga, tão gratuita hypothese d'um mysterio culpavel, contrabalançava já, no espirito de Joanna, a longa experiencia que tinha a respeito da natureza de sua prima, por isso que a seguia de longe e sem se approximar d'ella.

      Via-a caminhando sempre com aquelle passo rapido de quem vae direito a um fim, sem uma distracção, sem uma paragem, seguindo de galeria em galeria, e alcançar por fim uma porta affastada que dá para o angulo da rua Saint Honoré em frente da rua Croise des Petits Champs.

      No momento em que a senhora de Chalinhy empurrava a enorme meia porta envidraçada, foi detida por um grupo de pessoas que pretendiam entrar. Teve que esperar um minuto, e voltou-se. A espionadora, que se achava só a alguns metros de distancia, para não ser surprehendida em flagrante delicto da sua ignobil espionagem, não teve senão o tempo sufficiente para se voltar tambem e fingir que analysava uns objectos que se achavam ali proximo.

      Valentina de Chalinhy tel-a-hia reconhecido, ou tendo-a visto não se julgaria reconhecida por sua prima?

      Quando se voltou de novo, Joanna não viu mais as duas plumas pretas, que a orientavam n'esta caminhada atravez da multidão. A crescente suspeita continuava a aguilhoal-a tão fortemente, que correu para a porta afim de chegar o mais depressa possivel ao vestibulo, do qual se devisavam tres ruas ao mesmo tempo, e descobriu aquella que espionava.

      A senhora de Chalinhy estava fallando com o cocheiro d'uma carruagem, que evidentemente ali a aguardava, e que retinha o seu cavallo impaciente no meio da rua Saint Honoré, ouvindo attentamente a direcção que lhe dava a sua cliente, com a mão collocada no portinhola aberta. Fez um gesto que designava haver comprehendido. As plumas negras perderam-se na carruagem, a pequenina mão fechou a porta e o cavallo partiu em direcção ao Louvre, tão rapidamente que a baroneza de Node não teve tempo de procurar outra carruagem que lhe permittisse seguir a pista em que o mais inexperado dos acasos a tinha lançado.

      Chamou um cocheiro que passava, depois um segundo. Ao seu appello responderam o primeiro com um insolente silencio e o ultimo com um ligeiro movimento de hombros. Ambos tinham já freguezes.

      – «Como sou tola!..» disse comsigo a baronezazinha.

      «Não a tornarei a apanhar, com certeza…

      «O que é preciso saber é se ella sahiu de casa na sua equipagem…» E, obedecendo machinalmente ao instincto de policia secreto, despertado n'ella por este encontro, seguia já pelo passeio em direcção á praça do Palais-Royal. Preparava-se para passar em revista as equipagens que ali esperavam collocadas na rectaguarda umas das outras. Não teve necessidade d'uma demorada observação para reconhecer, entre os criados de libré que estacionavam deante da grande porta, João, o lacaio da marqueza. Um pouco mais distante o cocheiro José, assentando na almofada, a parelha de cavallos baios atrelados a um coupé com as armas de Chalinhy.

      Valentina tinha executado a classica manobra: havia descido da carruagem official d'aquelle lado, a fim de justificar a demora em outra parte, confirmando assim o dictado.

      «Antes de chegar aonde não quer ser vista, a mulher que sae, vae sempre a um logar em que quer que a vejam». E aonde vae uma mulher que não quer ser vista?

      II

      Historia rapida d'um odio antigo

      Para comprehender os sentimentos que uma tal descoberta produziu em Joanna de Node, é necessario precisar uma situação de facto já indicada, e um estado d'alma mais essencial ainda.

      Certos actos são por si mesmo tão graves que parecem tocar os limites da nossa culpabilidade. Podem, comtudo, ser ainda aggravados com a maldade dos sentimentos que nos compelliram a pratical-os.

      Advinha-se logo ás primeiras phrases d'esta narrativa: que, á data em que a historia começa, existia entre a baroneza de Node e Norberto de Chalinhy, marido de Valentina, uma ligação muito intima. Esta intimidade durava já havia mais de um anno.

      Se attendermos a que não eram só os laços de parentesco que uniam as duas primas co-irmãs mas que, além d'isso, tinham sempre sido inseparaveis haviam crescido e brincado juntas, entrado na sociedade juntas, e que uma tal intimidade fôra sempre acompanhada, e continuava ainda a sel-o, d'aquella afabilidade de palavras e maneiras que constituem a graça acariciadora das amisades femininas – ver-se-ha como uma tal perfidia ultrapassa muito os limites d'esses coquetes delictos mundanos que quotidianamente se commettem, com o nome, n'outro tempo tão grave, e hoje tão insignificante, de adulterio.

      O verdadeiro crime d'esta aventura, não estava propriamente na falta em si, n'uma traição que a fraqueza d'um coração perturbado, um casamento infeliz – Joanna estava separada de seu marido havia tres annos, – um amor partilhado, podiam explicar. O verdadeiro motivo do delicto era, porém, peor que o proprio delicto. Consistia principalmente na mais mesquinha, na mais incomprehensivel, na mais violenta das paixões de que as naturezas seccas e desprendidas, como a sua, sejam capazes: A baroneza de Node não amava Chalinhy, odiava Valentina, e desde a sua longinqua infancia, por motivos tão impenetraveis, tão intimamente nascidos no recondito da sua alma que ella propria o ignorava a principio. E ainda hoje mesmo não estava muito consciente d'isso.

      Não se reconhece facilmente que se inveja alguem – é aquelle o termo que melhor exprime este enigma moral – porque equivale a reconhecer tacitamente uma certa inferioridade em relação á pessoa que se inveja, e a existencia em nós proprios d'um sentimento aviltante.

      Mas, por mais que dissimulemos os nossos baixos instinctos, a sua vilania não é menos intensa sob as apparencias hypocritas de que os revistamos aos nossos proprios olhos; e era bem a intoleravel revolta de todo o seu ser deante da felicidade de outro ser, que Joanna tinha começado a sentir por Valentina, ha muito, quando eram apenas duas creanças que corriam pelas alleas do parque, de tranças cahidas, e que continuava a sentir havia trinta annos. No destino de sua prima, só Joanna via bom exito, e no seu, o infortunio. Pensando e sentindo assim, laborava n'um grande erro. É que a inveja engana-se sempre que aprecia a alegria dos outros, e é essa a sua primeira punição. Exaggera-a e soffre muito com isso.

      Engana-se tambem muitas vezes quando, em seguida, trata de preparar a infelicidade que deve constituir a sua vingança. Nove vezes em dez, os seus esforços, falseados pelo odio, produzem precisamente o effeito contrario.

      Como muitos dos nossos maus sentimentos, que nos permittem proceder mal achando sempre desculpa para isso, a inveja de Joanna por sua prima tinha-se insinuado no seu coração sob a apparencia de delicadas susceptibilidades. Os paes das duas primas eram irmãos; chamavam-se, conforme o costume francez que destruiu a nobreza multiplicando os titulos nobiliarchicos – quando pelo contrario toda a casa nobre deveria ser vinculada n'um só dos seus membros,

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