A agua profunda. Paul Bourget

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A agua profunda - Paul Bourget

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Civil que permitte a um dos dois conjuges fazer transformar uma simples acção de separação de pessoas em divorcio, havia um certo tempo constituia o objecto unico das suas meditações, visto que um tal artigo lhe abria as portas d'um segundo casamento, muito embora se achasse em contradicção com a sua attitude, contrariando a familia, e a sociedade o levasse a mal.

      Tudo isto nada valia para ella em face da precaria existencia que levava, n'um segundo andar da rua Barbet-de-Jouy, aonde se tinha refugiado, apenas com alguns mil francos de renda, – tanto quanto gastava em toilettes no principio da sua vida de casada – e a dois passos do sumptuoso palacio em que habitava a prima, transformada em marqueza de Chalinhy!

      A cada desastre na vida de Joanna correspondia uma mudança feliz na de Valentina, o que para aquella era como que agudo punhal revolvido na ferida e cuja ponta resvalasse até o mais intimo da sua alma e rasgasse a sua propria carne.

      Na mesma occasião em que dava á luz, no meio de torturas, o filho para sempre perdido, casava Valentina com Chalinhy, vinha, em seguida habitar um sumptuoso palacio na rua Varenne, digno de se comparar com o historico Nerestaing que lhe pertencia.

      Um anno depois dava á luz uma filha, e passado outro anno nascia um menino, que viviam, cresciam, e cujos encantos faziam a felicidade do casal. E, depois, umas após outras, inexperadas heranças deram á feliz mãe uma opulencia que ultrapassava muito as mais exigentes ambições que havia sonhado para seus filhos. Da mesma maneira que o barão de Node, Chalinhy frequentava as altas regiões do sport e da moda, com a differença, porém, de ser tão bom administrador da sua fortuna, como aquelle era dissipador.

      Possuia um geito e feitio especial para defender os seus interesses, não muito vulgar nas existencias de luxo e prodigalidade.

      Porque se nem todas as pessoas abastadas se arruinam, para conservar uma fortuna é quasi necessaria tanta habilidade como para a adquirir. Tinha, pois, um dom caracteristico de bem calcular, qualidade esta que é, em geral, independente da nossa intelligencia e dos nossos habitos. A prova está em que esse invejavel predicado, de conservar a riqueza adquirida, se encontra tanto na sociedade mais ignara como na mais illustrada, ou na mais correcta burguezia.

      Chalinhy não apostava a favor d'um cavallo que não ganhasse; não dava ao seu agente na bolsa ordem para realisar uma compra que os valores negociados não tivessem uma alta imediata, e comtudo era mediocre cavalleiro e não menos mediocre bolsista. E se percebia pouco de questões d'arte, raras vezes se enganava na compra de qualquer objecto artistico. E assim em tudo o mais.

      N'uma palavra, á medida que o viver dos Node se tornava desagradavel, o dos Chalinhy era cada vez mais intimo e affectivo, espandindo-se e revelando-se o seu bem estar pelo menos n'estas manifestações exteriores que fazem dizer ao publico: «que familia tão feliz.»

      Como não havia, pois, de reapparecer a antiga inveja cada vez mais forte, mais intensa, mais arreigada, no coração da prima, separada do marido, arruinada, vagamente desacreditada ja; como não havia ella de repetir sempre que passava, em carruagem alugada ao mez, defronte do perystilo do principesco palacio da rua Varenne o «porque ella e não eu?» murmurado, quando era ainda creança, á vista das quatro soberbas torres ameadas do Castello de Nerestaing.

      Perigosas palavras, mas que ficariam todavia ineficazes como tantas outras exclamações de ciume e inveja, soltadas a cada momento n'esse Paris de luxo e ostentação, por tantas vaidades humilhadas, ás quaes serve de atroz supplicio a visão da opulencia exhibida pelo proximo.

      Quiz a infelicidade que Valentina ou não advinhasse sequer a existencia de taes sentimentos, ou então que, se realmente os surprehendeu, pretendesse por uma excessiva generosidade dissipal-os á força de bondade. É a peor e mais perigosa falta que a invejada pode commetter para com a invejosa.

      Certos processos demasiadamente generosos, pela superioridade moral exasperam ainda mais a funesta paixão.

      No caso presente, havia ainda um outro perigo, que consistia, sobre tudo, em a parente mais rica associar em todas as suas diversões a menos afortunada. Almóços, jantares, excursões pela cidade, passeios ao campo, um camarote no theatro, tudo servia de pretexto a Valentina para poupar a Joanna a mais pequena despeza e para lhe proporcionor ainda os maiores prazeres.

      Não reflectia, porém, não pensava que tendo Joanna junto de si era tel-a tambem sempre proxima de seu marido.

      Não ha nada mais propicio ás seduções do que esta intimidade entre um homem novo e uma mulher galante, que um proximo parentesco torna naturalmente familiares, que se chamam pelo nome de batismo, sahem juntos sem que ninguem se admire d'isso, escrevem-se quando estão separados, habituam-se emfim, a todas as intimidades do amor, n'uma amizade bem depressa perturbada, se um d'elles se deixa invadir de pensamentos que não sejam d'uma lealdade e simplicidade absolutas.

      Depois de tantas humilhações, a tentação de tirar uma desforra, roubando a Valentina o coração de Chalinhy, tornou-se irresistivel para Joanna.

      Tal foi a primeira ambição d'um instincto de vingança feminina, já de si bem perfida.

      Estes desejos de exercer influencia nos sentimentos são sempre acompanhados d'uma garridice physica, que tem por fim excitar n'aquelle que vizam a emoção ingovernavel dos sentidos.

      Uma vez entrados n'este caminho a provocadora e o seu cumplice não podem mais responder por si.

      O obscuro e terrivel animalismo que impera, a despeito do nosso orgulho e das conveniencias sociaes, nas relações do homem e da mulher, exerce por fim o seu predominio fatal.

      Quer-se preocupar o marido d'uma rival, prendel-o, perturbal-o – e desperta-se, como aconteceu a Joanna de Node, a amante d'aquelle com quem sómente se pretendia brincar – e nada mais.

      Passava já d'um anno que esta ligação começara e em logar de encontrar n'este triumpho sobre sua prima escarnecida e enganada, uma pacificação para o seu odio, a culpada sentia cada vez maior exaspero. Por uma contradicção que mostrava absoluta confiança de Valentina, longe de amortecer o rancor de Joanna, ao contrario, apenas o irritava.

      O papel de tola, desempenhado pela marqueza de Chalinhy, era revestido de muita delicadeza e muita innocencia! Tão morigerada, tão completa, tinha uma tal maneira de não ver o mal, que não permittia motejos. Não dava pela sua existencia, pela simples razão de que nunca o havia praticado, nem mesmo pensado em o praticar. O mundo que começava a perceber a existencia da intimidade entre Chalinhy e Joanna, não acreditava, sem reservas, na ignorancia da marqueza.

      «Finge que não percebe, por causa dos filhos…» dizia-se. A baroneza de Node, porém, sabia perfeitamente como lhe tinha sido facil abusar d'uma creatura que se julgaria aviltada por suppôr a sua companheira d'infancia capaz d'uma infamia. Sabia tambem, ou antes advinhava, que esta situação ridicula, para qualquer outra, d'uma esposa enganada por uma das suas parentas mais proximas e quasi que á sua propria vista, não provocava no seu meio, nenhum epigramma contra Valentina.

      As más linguas misturavam, involuntariamente, á sua ironia sobre uma tal ingenuidade a expressão irresistivel d'uma estima forçada.

      As mais crueis diziam: «Chalinhy tem razão, a sua casta mulher é tão fastidiosa!..» ou então: «esta pobre Valentina é realmente muito bondosa.»

      O que lhe acontece é perfeitamente natural… ou ainda: «Esta Chalinhy é em verdade virtuosa, bonita, terna e perfeita; mas não sabe agradar ao marido! É o seu unico defeito; tanto peor para ella…»

      Estes ditos e outros iguaes, onde se aprecia a honra do mundo, em presença d'uma perfeição que desconcerta o seu pessimismo facil, marcam o extremo da malevolencia.

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