A agua profunda. Paul Bourget

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A agua profunda - Paul Bourget

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porem, cahir a esphera sem a ter comprimido: «Seria perdel-a se estava culpada, isso não faria ella.»

      Uma primeira tentação – nem sequer a sombra d'uma denuncia – passára rapidamente pelo seu pensamento, e o mesmo sentimento que, ha annos, a fazia invejar Valentina, apresentava esta agora aos seus proprios olhos, n'uma attitude generosa mas não sem uns laivos da sua habitual acrimonia.

      «Não o faria…» repetia ainda. «E o que aproveito eu com isso? Não sei, porventura, que Norberto não se preocupa mesmo nada com os seus actos? Que deposita n'ella a mais absoluta confiança. Tambem eu a tinha. E igual. Não se faz, porem, o que acabo de lhe ver fazer, sem haver para isso muito poderosos motivos…»

      – Porque, emfim, podia ser vista por qualquer outra pessoa que não fosse eu e que não seria certamente tão indulgente…

      Onde iria ella?.. Ah! Eu o saberei! Mas como?

      Era já noite e a baroneza de Node entrara em casa, passado muito tempo, sem que, atravez d'essas multiplas occupações d'uma tarde toda: – escrever bilhetes, receber visitas intimas, fazer a sua toilette para a noite – cessasse de dirigir a si mesma esta pergunta, para que não obtinha resposta: «Sim, como?»

      Se taes pesquizas são já difficeis e trabalhosas para um homem que tem o previlegio de poder andar por toda a parte, quasi sem ser notado, para uma mulher, nova, bonita e um tanto elegante, tornam-se impossiveis. Deve-se pensar. Não lhe é permitido sahir de casa senão vestida com fato proprio da sua classe. Basta isto para limitar muito o seu campo d'acção. Ha agencias particulares cujos prospectos, com promessas de segredo absoluto, pontualidade e rapidez, são enviados, de tempos a tempos, pelo correio, ás diversas pessoas que, por qualquer motivo, figuram em um dos numerosos annuarios do mundo parisiense, grande ou pequeno. Joanna tinha muitas vezes ouvido falar a alguns homens do meio em que vivia havia dez annos, do perigo de similhantes processos, para se expôr, de caso pensado, em emprezas certas de exploração e talvez de chantage.

      Revelar a policias incompetentes o vehemente desejo de saber o segredo de sua prima, não era pol-os ao corrente de outro segredo – o seu?

      Estes obstaculos, levantados deante da curiosidade do mundo, explicam como tantas historias adivinhadas e assacadas á bocca pequena, ficam sempre inverificadas, e, portanto, facilmente negaveis. Poucas pessoas teem geralmente um tão grande interesse em as conhecer nos seus mais intimos e insignificantes detalhes, que se aventurem a arrostar com tantas difficuldades.

      A mór parte permanece n'uma incerteza que lhes permitte misturar justos indicios com infames calumnias, alliviando a sua consciencia com estas phrases classicas:

      «Em todo o caso se não é verdade, podia muito bem sel-o!.. – Se é possivel acreditar-se tudo quanto se diz!.. – Eu cá nada vi, e isto são coisas tão graves!..» – indulgentes formulas tão deploraveis como os ditos maliciosos que pretendem attenuar.

      Attestam bem quanta leviandade ha nas conversas dos salões e dos clubs, e tambem que n'ellas caminham a par o indifferentismo e a ferocidade!

      Mas a baroneza de Node não se achava em presença de um «diz-se», tratava-se d'um facto, com consequencias funestas!

      O procurar conhecer toda a verdade, sem compromisso proprio, tendo a luctar com a finura d'uma mulher tão prudente, que havia sido necessario um inacreditavel concurso de circumstancias para pôr a sua parenta mais proxima, quasi sua irmã, sobre esta pista, muito vaga, quasi perdida já – é trabalho para esgotar todas as paciencias, mas não a d'uma invejosa!

      Quando, um pouco antes das oito horas, a baroneza sahiu de caza para ir jantar com os Guy de Sarliévre, das relações de ambas, e aonde sua prima devia tambem estar – a resolução de pôr inteiramente a claro o enygma, que subitamente se lhe deparou, era tão irrevogavel como um juramento corso, e a primitiva idéa estava posta de parte.

      O ardor d'uma lucta começada – a mais forte das sensações para os nervos d'uma parisiense de habitos tão monotonos – dava á sua belleza, um tanto apagada, uma animação singular. Os olhos pretos, a que faltava muitas vezes a expressão, tinham um brilho desusado; o rosto quasi sempre descórado, um vivo colorido; toda a sua pessoa, mixto de frieza e fadiga, muita vitalidade e movimento.

      A impaciencia de tornar a ver Valentina obrigara-a a partir muito cedo para a casa aonde ia jantar, chegando a sua nevrose ao mais elevado grau, quando a marqueza de Chalinhy que, por acaso, foi a ultima a apparecer, entrou, acompanhada pelo marido, na sala em que se achavam reunidos os convidados – quatorze, contando os recem-chegados.

      A marqueza tinha aquella expressão de doçura e candidez que tão bem sabia guardar, mesmo quando vestia uma toilette de soirée, que punha inteiramente a descoberto os seus hombros finos opulentos, os braços d'um contorno delicioso, a nuca graciosa e robusta – toda a graça dos seus trinta annos. Era o agrado da sua encantadora cabeça de cabellos louros, illuminada pelos olhos d'um azul tão curioso – era o pudor, e a pureza.

      N'este dia usava um vestido á moda do tempo de Luiz XIII, d'uma tonalidade rosea, com bordados antigos, laços de setim e fivelas de diamantes. O penteado, em dois espessos bandós, d'onde se escapavam sobre a testa pequenos anneis, harmonisava com a toilette e lembrava os retratos d'essas mulheres do primeiro quartel do seculo XVII, que realisavam tão completamente o typo exquisito da franceza de outro tempo, por uma mistura unica de delicadeza e distincção, feminidade e sensatez, gentileza e honestidade.

      – «Não é deliciosa esta gentil Chalinhy?..» perguntou alguem atraz da baroneza de Node, «é preciso que Norberto seja muito tolo para não o comprehender, pois não é verdade?..»

      Era o duque de Arcole que assim falava, dirigindo-se ao visinho, um dos irmãos Mosé, o conde Abel, um dos parisienses mais circumspectos da sociedade elegante; tão circumspecto que Luciano d'Arcole ficou sem resposta.

      A justificação de bravo official, que tem um nome glorioso, estava em que, mesmo com licença, só pensava no seu esquadrão. Não tinha reparado que a amante de Chalinhy se achava na sua frente. A um rapido signal, uma leve inclinação de cabeça, feito por Mosé, percebeu a sua inconveniencia. Joanna, que os via perfeitamente no espelho que lhe ficava fronteiro, poude observar o gesto dissimulado de Mosé, e que o duque se ruborisou um pouco.

      Quando reconhecia por estes e outros pequenos indicios que se suspeitava da sua aventura com Norberto, sentia uma viva irritação. N'aquelle momento, foi-lhe quasi intoleravel que o elogio da prima fosse misturado com uma expressão mal contida da censura com que a sociedade a feria.

      Desejaria poder gritar a Mosé, ao duque de Arcole, a todos os presentes, os quaes estava bem certa d'isso, tinham já ouvido censurar ou elles mesmo censurado a sua falta: «Sim, Chalinhy é meu amante.

      «É verdade, atraiçoa a mulher comigo. Mas perguntai-lhe tambem a ella, para que entrevista ia hoje, de carruagem, ás 3 horas da tarde?..»Desejaria tambem poder fulminar com aquella phrase vingadora o proprio Chalinhy que se lhe dirigiu para a cumprimentar, com um certo ar de constrangimento, que já por mais vezes lhe tinha notado, quando estavam em publico. Nunca se tinha podido habituar a taes reservas, muito insultantes para esta ligação, e contra as quaes só as suas caricias eram soberanas – durante os momentos em que as proporcionava a esse amante, ao mesmo tempo tão invejavel como incomprehensivel.

      Quizera ainda dirigir a phrase insultuosa á propria Valentina, cuja doce serenidade contrastava, d'uma maneira imprudente, com o seu procedimento d'aquelle dia, se tal procedimento era culposo, e a verdadeira confirmação d'essa culpabilidade seria a resposta á pergunta insidiosa que sua prima ia fazer-lhe em seguida – primeiro passo andado no caminho d'uma devassa que, por perfidia, se devia transformar, bem depressa,

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