O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton

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O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton HARPERCOLLINS PORTUGAL

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por uma reunião hostil na Alemanha.

      Aquele medo súbito era ridículo. Munique era do outro lado da fronteira. Em menos de uma hora, poderia estar de volta à Áustria.

      Mesmo assim, foi procurar Michael novamente.

      Viu-o à frente de um Otto Dix de uma mulher grávida que tinha a barriga e os seios tão deformados que Lisl quase sentiu alívio por não poder ficar grávida. No entanto, a cara de Michael enquanto admirava o quadro era de um desejo profundo. Sempre dissera que não precisava de um herdeiro, que Walter se encarregaria do negócio chocolateiro da família dela e Stephan ficaria com o banco da família dele. Um banco que só sobrevivera graças ao dinheiro da família de Lisl, embora não tencionasse dizê-lo. Michael era um homem orgulhoso de uma família orgulhosa que atravessara um período de azar, como muitas outras depois de os mercados financeiros caírem, e Lisl nunca faria nada que pusesse o orgulho do seu marido em perigo, do mesmo modo que ele nunca lho faria. Stephan era como um filho para Michael, era o que o marido dizia sempre, e Walter também era. Porém, mesmo antes daquele momento, da revelação da sua expressão de desejo, Lisl já percebera que se passava alguma coisa, que Michael parecia cada vez menos devoto da educação universitária e dos encantos intelectuais que sempre dissera que eram a razão por que se apaixonara por ela.

      Fez uma pergunta a um desconhecido para que Michael ouvisse a sua voz e tivesse tempo de recuperar a compostura. Depois de o fazer, Lisl aproximou-se dele, segurou-lhe o braço e disse: «Poderíamos comprar esse Klee», só para dizer alguma coisa. Mas não o comprariam, nem ali nem em nenhum outro lugar, e não só porque tinha um preço exagerado.

      JUNTO AO CAIS

      O céu toldado ameaçava trazer mais neve, que cobriria a geada imunda das calçadas e dos canais gelados. Truus, que andava junto de Joop, passou à frente de três barcos incrustados no Herengracht, que já estava tão gelado que, em Amesterdão, começara a especular-se que, nesse ano, talvez pudesse realizar-se a Elfstendentocht pela primeira vez desde 1933. Junto da ponte situada à frente do seu apartamento, havia um pequeno grupo de adultos no meio do canal, com as crianças a patinar à sua volta ou simplesmente a deslizar com as botas. Aquela era a sua parte favorita do dia — Joop e ela a voltar para casa juntos como faziam quando Joop começara a cortejá-la, quando ela acabara os seus estudos na Escola de Comércio e começara a trabalhar no mesmo banco onde ele trabalhava.

      — Não te digo que não, Truus — estava a dizer Joop. — Não o proíbo. Sabes que nunca te proibiria de fazer algo que fosse importante para ti.

      Truus afundou as mãos enluvadas nos bolsos do seu casaco. Joop não tencionava criar uma discussão ou menosprezá-la. Era apenas a forma inconsciente de falar de alguns homens, mesmo os homens bons como ele, homens que se tinham tornado maiores de idade quando as mulheres nem sequer tinham conseguido o direito ao voto; quando, de facto, só os homens ricos tinham esse direito.

      Observaram como um menino pequeno, que mal sabia patinar, quase fez a irmã cair.

      — Eu também não te proibiria de fazer algo que fosse importante para ti, Joop — disse ao marido.

      Ele riu-se com carinho, pôs-lhe as mãos enluvadas nos cotovelos e deslizou-as para baixo para lhe tirar as dela dos bolsos e apertar-lhas.

      — Está bem, merecia isso — concedeu. — Devia ter figurado nos nossos votos matrimoniais: Amor, honra e que nem pensemos em proibir alguma coisa, seja importante ou não.

      — Não achas que é importante salvar trinta órfãos que os nazis deixaram na rua de pijama no meio da neve?

      — Também não queria dizer isso — respondeu ele, com paciência. — Sabes que não me referia a isso. Mas pensa nisto. A situação na Alemanha está a piorar e preocupo-me contigo.

      Truus ficou parada ao seu lado, observando os patinadores, a irmã que, agora, ajudava o irmão a levantar-se do gelo.

      — Bom, se estás decidida a ir — disse Joop —, gostaria que o fizesses antes de a situação piorar.

      — Estou à espera que o senhor Tenkink consiga os vistos de entrada, Joop. Não dizias que tinhas alguma coisa para me contar?

      — Sim. Esta tarde, recebi uma chamada muito estranha no escritório. O senhor Vander Waal, já o conheces, diz que um dos seus clientes tem a certeza de que tens algo de valor que lhe pertence. Algo que lhe trouxeste da Alemanha.

      — Algo que lhe trouxe? Porque haveria de fazer passar alguma coisa na fronteira para um total desconhecido? — Franziu o sobrolho, preocupada enquanto olhava para os patinadores, o pai da menina e do menino, que se aproximava dos filhos e dava a mão ao menino. — Limito a minha mercadoria valiosa às crianças, juro-te.

      — Foi o que lhe disse — replicou Joop. — Garanti-lhe que não terias nada a ver com isso.

      No gelo, a irmã apertou a outra mão do irmão. O pequeno disse alguma coisa que fez a família rir-se e afastaram-se a patinar para a ponte para a atravessar por baixo. O pai despediu-se dos outros adultos e gritou que voltariam a ver-se em breve. Truus desviou o olhar e observou o céu cinzento através das árvores nuas. Quantas vezes vira os grupos de pais, que falavam entre eles enquanto os filhos patinavam à sua volta? Mas nunca com Joop. Era uma parte de si própria que escondia, até mesmo do marido. Depois do seu terceiro aborto, Joop e ela tinham concentrado a sua atenção noutras coisas. Ela concentrara-se na Associação pelos Interesses das Mulheres e da Igualdade de Cidadania, no trabalho social e em ajudar as crianças como aquelas que os pais tinham acolhido.

      Ouviu-se o apito de um comboio ao longe. Truus continuava a olhar para o canal gelado, com as mãos protegidas pelas de Joop, questionando-se se o marido alguma vez iria lá a sós para observar as famílias. Sabia que desejava tanto ter um filho como ela ou mais. Porém, Truus escondera a dor, tal como ele, para não lha atirar à cara num descuido. Agora, depois de passar anos a evitar o assunto dos filhos, transformara-se num costume impossível de quebrar. Truus, por muito que desejasse fazê-lo, não conseguiria acariciar a cara de Joop e dizer: «Alguma vez vens cá para ver as crianças, Joop? Observas os pais? Alguma vez pensas que podíamos voltar a tentar mais uma vez antes de ser demasiado tarde?» Ficou parada ao seu lado, a olhar para os patinadores no gelo, para os pais a conversar e para os barcos gelados no canal que sugeriam um futuro para o qual ainda restava um longo inverno.

      DIAMANTES, NÃO IMITAÇÕES

      Depois de Joop ter ido trabalhar na manhã seguinte, Truus procurou na cómoda e pegou na caixa de fósforos que o homem do comboio lhe dera. Passara realmente um ano? Abriu-a em cima da mesa da cozinha e extraiu aquele disco horrível de cascalho. Esfregou-o com o polegar até caírem pedacinhos de cascalho.

      Levou-os para o lava-loiça e pô-los com cuidado numa tigela, que depois encheu de água. Esfregou os pedaços inundados com os dedos e a água tornou-se turva. Tirou-os e deixou-os em cima da palma húmida da sua mão.

      Era verdade: Deixamo-nos enganar com mais facilidade quando nós próprios fazemos parte do engano.

      Ligou para o escritório do senhor Vandel Waal.

      — Senhor Vander Waal — disse —, parece que lhe devo um pedido de desculpa. O meu marido enganou-se. Parece que realmente tenho uma coisa para o doutor Brisker.

      Devia haver talvez uma dúzia de diamantes sem polir naquela «pedra da sorte».

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