O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton

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O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton HARPERCOLLINS PORTUGAL

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Então, ele tinha oito anos e dez quando a voz suave da mãe deu lugar à da madrasta, que lhes lia passagens da Bíblia no apartamento estreito do número 3 de Bischof Strasse. Há quatro anos que não ia a casa, quatro anos desde a última vez que visitara o túmulo da sua mãe.

      — Passava dias inteiros a montar a cavalo por campos como este — disse a Hagen. Montara principalmente com Mischa, que o ensinara a localizar os veados, a reproduzir o som de todo o tipo de pássaros e a pôr um preservativo muito antes de Eichmann pensar que a ideia de introduzir o pénis dentro de uma rapariga poderia ser mais do que simplesmente ridículo. Ainda recordava o desprezo na voz de Mischa ao descobrir o nome do seu grupo de exploradores Wandervögel: «Grifo? É uma espécie de pássaro que se extinguiu antes de os nossos avós nascerem, um abutre que se alimentava da carne dos mortos.» Mischa estava ciumento, claro. Não podia juntar-se aos rapazes mais velhos para passar os fins de semana a fazer passeios, com o uniforme e as bandeiras, porque era judeu.

      Eichmann começou a afiar a ponta do lápis.

      — Sou um bom cavaleiro — comentou. — Aprendi a disparar em bosques como este com o meu melhor amigo, Friedrich von Schmidt. A mãe era condessa e o pai era um herói de guerra.

      Friedrich convidara-o para se juntar à Associação de Jovens Veteranos Austro-Alemães e tinham ido juntos à sua formação paramilitar. Contudo, Mischa continuara a ser o seu melhor amigo, mesmo depois de Eichmann se juntar ao partido, no dia 1 de abril de 1932. O membro 899 895. Continuara unido a Mischa, embora cada vez discutisse mais com ele, até a Áustria fechar as Camisas Castanhas nazis e a empresa Vacuum Oil o despedir unicamente pelas suas ideias políticas. Tivera de pôr as botas e o uniforme numa mala e atravessar a fronteira da Áustria para a Alemanha, em busca da segurança de Passau.

      — Não vamos financiar a Palestina com capital alemão, nem sequer capital alemão judeu.

      Eichmann desviou o olhar da paisagem, devolveu a atenção ao relatório e escreveu: «Dado que a emigração acima mencionada de 50 000 judeus anuais reforçaria o judaísmo na Palestina, este plano não pode ser motivo de discussão.»

      AUTO-RETRATO

      Žofie-Helene, juntamente com Stephan e a sua tia Lisl, estava à frente do primeiro quadro da sala de exposições do Edifício de Secessão: Autorretrato de um Artista Degenerado. Inquietava-a, o quadro e o título.

      — O que te parece, Žofie-Helene? — perguntou Lisl Wirth.

      — Não sei nada sobre pintura — respondeu ela.

      — Não é preciso saber de arte para que te cause uma emoção — indicou Lisl. — Diz-me simplesmente o que vês.

      — Bom, a cara é estranha, com tantas cores, embora sejam lindas e seja como se se misturassem para parecer pele — replicou Žofie, com incerteza. — Tem o nariz grande e o queixo muito comprido, como se estivesse a pintar o seu reflexo num espelho distorcido.

      — Muitos pintores chegaram a ser quase analíticos na sua abstração — explicou Lisl. — O Picasso. O Mondrian. O Kokoschka é mais emocional, mais intuitivo.

      — Porque se descreve como degenerado?

      — É irónico, Žofe — explicou Stephan. — É assim que o Hitler chama os artistas como ele.

      Žofe, não Žofie. Gostava quando Stephan a chamava assim, como quando a irmã lhe chamava Žozo.

      Chegaram ao retrato de uma mulher cujo rosto e cujo cabelo preto formavam quase um triângulo perfeito. Os olhos da mulher eram de tamanho diferente e tinha manchas vermelhas e pretas na cara. Além disso, a posição das mãos era assustadora.

      — É bastante feia e até chega a ser bonita também — comentou Žofie.

      — É verdade — concordou Lisl.

      — Este é como o retrato que há na tua entrada, Stephan — observou Žofie-Helene. — A mulher com as faces arranhadas.

      — Sim, esse também é um Kokoschka — confirmou Lisl.

      — Mas esse é um retrato seu — disse Žofie-Helene. — E é mais bonito.

      Lisl deixou escapar uma gargalhada calorosa e amável e pôs-lhe uma mão no ombro. Às vezes, o pai também costumava pôr-lhe a mão no ombro. Žofie ficou ali, desejando que aquela carícia durasse para sempre, desejando ter um retrato do pai pintado por esse tal Oskar Kokoschka. Tinha fotografias, mas as fotografias pareciam menos verdadeiras do que aqueles quadros, apesar de serem mais reais.

      PÉS DESCALÇOS NA NEVE

      Truus e Klara van Lange estavam sentadas à frente de uma secretária cheia de coisas no escritório do senhor Tenkink em Haia, onde também estava o senhor Van Vliet, do Ministério da Justiça. Tenkink tinha na mesa uma autorização para permitir que as crianças do bosque dos Weber ficassem na Holanda; uma autorização que a própria Truus redigira e que só precisava da assinatura do senhor Tenkink. Descobrira que quantas mais facilidades desse a alguém para aceitar alguma coisa, mais provável era que aceitasse.

      — Crianças judias? — estava a dizer Tenkink.

      — Temos casas onde podemos alojá-las — declarou Truus, ignorando o olhar de Klara van Lange. Klara valorizava muito mais do que ela a verdade absoluta, mas era muito jovem e não estava casada há muito tempo.

      — É uma situação difícil, entendo, senhora Wijsmuller — disse Tenkink. — Mas metade dos holandeses simpatiza com os nazis agora e o resto não quer transformar-se num esgoto de judeus.

      — O governo quer acalmar o Hitler… — interveio o senhor Van Vliet.

      — Sim — interrompeu Tenkink —, e roubar as crianças de um país não é próprio de um bom vizinho.

      Truus tocou no ombro de Van Vliet. Tenkink era um homem que respondia melhor às mulheres. Havia muitos homens assim, até os bons. Então, desejou ter trazido as crianças consigo. Era muito mais difícil ignorar uns cabelos frisados e uns olhos esperançados do que ignorar a ideia de uma criança ou de onze. Contudo, parecia-lhe cruel tirar aquelas pobres crianças da cama e pô-las num comboio desde Amesterdão até Haia só para as mostrar a um homem que deveria ser capaz de tomar a decisão correta e que sempre se deixara persuadir para isso.

      — A rainha Wilhelmina entende o problema dos alemães que desejam livrar-se da fúria do Hitler — disse Truus a Tenkink.

      — Até a família real… — respondeu ele. — Deve entender a magnitude do problema judeu. Se o Hitler cumprir a ameaça de anexar a Áustria…

      — O chanceler Schuschnigg tem os líderes nazis austríacos atrás das grades, senhor Tenkink — recordou-lhe Truus —, e não há cidade no mundo que dependa mais dos judeus do que Viena. Quase todos os seus médicos, advogados e banqueiros e metade dos seus jornalistas são judeus de nascimento, se não praticantes. Imagina mesmo que um golpe contra o dinheiro e a imprensa austríacos poderia ter sucesso?

      — Senhora Wijsmuller, não estou a dizer que não — redarguiu Tenkink —, só sugiro que seria mais fácil se as crianças fossem cristãs.

      —

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