Romancistas Essenciais - Coelho Neto. August Nemo

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Romancistas Essenciais - Coelho Neto - August Nemo Romancistas Essenciais

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conservou-se calado, d'olhos baixos, raspando o soalho com os pés. - Vais à polícia outra vez, não?

      — Para quê?

      A velha encarou-o boquiaberta.

      — Como? Pois não vais?

      — Eu, não. Que vou lá fazer? Para o homem dizer-me de novo: Que vai ver? Eu não.

      — Mas, meu filho, se a polícia não fizer alguma coisa, quem poderá fazer? Queres que tua irmã fique para aí, atirada no mundo, sem uma pessoa que tome as dores por ela? Se não queres ir eu vou e tenho certeza de que hei de conseguir alguma coisa.

      Felícia tornou à sala com os jornais que recebera do entregador. Paulo, em dois goles, sorveu o café morno e, cruzando as pemas, tomou as folhas que a negra deixara sobre a mesa. Lançou os olhos, com ânsia, à primeira página, percorrendo todas as colunas, à procura da notícia da fuga de Violante. Bem podia algum repórter ter aparecido na polícia depois da sua saída levando a informação escandalosa. Tranqüilizou-se, porém, lembrando-se da hora adiantada em que se dera o crime - já todos os jornais deviam estar prontos e nem tão importante era o caso para que o plantonista se arriscasse, por ele, a perder o correio.

      Mais calmo, acendendo o cigarro, pôs-se a ler o Equador, achando aqui, ali, notícias que revisara: um desastre no mar, uma tentativa de suicídio e o conto de Aurélio Mendes, ao alto da primeira página, enchendo densamente as duas primeiras colunas.

      Com o jornal diante dos olhos pensava nos companheiros. Que diriam eles quando a notícia, saindo da composição, lhes chegasse às mãos? O Brites conhecia Violante, e o Bruno, que a vira, uma vez, na redação, numa terça-feira gorda, ficara impressionado pelos seus olhos "que ardiam" - Que diriam eles quando lessem a prova infame? E, como se já sentisse a vergonha que lhe estava reservada, passou a mão pela fronte, depois, atirando um murro à mesa, ergueu-se: "Não! Não volto!" exclamou respondendo a um pensamento. Dona Júlia levantou os olhos marejados encarando-o em silêncio. "Não volto!" repetiu debruçando-se à janela que abria sobre o quintalejo. Lá estavam os caixotes com violetas e malvas, à sombra do muro. Eram os canteiros de Violante.

      Ao fundo, num cercado de ripas, as galinhas cacarejavam assanhadas, com fome. Um gato caminhava lentamente pelo muro, ao sol e, entre as folhas miúdas duma esponjeira, uma camaxirra chilreava trêfega, na alegria da luz, entre o brilho das gotas da chuva, engastadas nas folhas.

      Paulo, com o rosto nas mãos, os cotovelos no beiral da janela, elevou o olhar pensativo. De vez em vez sacudia a cabeça com um sorriso magoado. Amofinava-o aquela idéia dum possível comentário dos companheiros na sala da revisão, perto dele: o Bruno, sensual, a invejar o homem que arrebatara Violante; o Amaro, com quem tivera uma rusga, a rejubilar vingativo; o Malheiros a rir, com a sua eterna ironia, e os compositores, até o Lúcio, retranca, toda aquela gente a espetá-lo com olhares perversos ou curiosos. Talvez mesmo algum, mais ousado, lhe pedisse pormenores oferecendo-se para ajudá-lo na pesquisa ou com um empenho para o chefe, não porque o quisesse auxiliar, em desinteressada camaradagem, mas para entranhar-se no escândalo, conhecer as minúcias, todos os pequeninos incidentes. "Não! Não volto!" E encolheu os ombros.

      Não eram somente os revisores do Equador, toda aquela multidão promíscua do jornal que lhe aparecia, inclemente, a rir, num surdo remoque: eram os estudantes, seus colegas da Escola, troçando o caso em volta do tabuleiro da Sabina, nos anfiteatros, nos corredores, até diante das mesas de dissecção.

      Nas ruas também, quando passasse, haviam de mostrá-lo: "É aquele!" E ririam, com escárnio, da sua desonra; talvez o responsabilizassem por ela. Fariam dele um carrasco e da irmã uma vítima - que fugira para evitar tormentos, que se libertara do verdugo, preferindo as misérias do meretrício à vida humilhada e torturada. E ele, inocente, seguia, vexado, sob a dureza daqueles olhares que lhe infligiam um injusto castigo. Teve um novo movimento de cólera e Dona Júlia, que o olhava, perguntou:

      — Que é?

      Encolheu os ombros, deixando a janela e, molemente, abandonadamente, encostou-se à mesa brincando com a colher que ficara na salva de metal. De repente, numa inspiração, exclamou:

      — Vou procurar o Mamede.

      — Mamede?! Para quê? perguntou a mãe.

      — Para descobrir Violante.

      — E Mamede sabe, meu filho!?

      — Mamede? Mamede conhece toda a cidade, é íntimo dessa gente da polícia. Se com ele eu não descobrir Violante, então... - esticou o beiço, desanimado. - A senhora bem sabe que ele foi agente de polícia, era um dos melhores; saiu por causa do gênio.

      — E sabes onde ele mora?

      — Mora em uma estalagem, na Rua do Riachuelo. Vou já. Hoje é domingo; ele deve estar em casa.

      — Então, vai. E a polícia?

      — Qual polícia! Penso lá em polícia!? Descanse. - Deu alguns passos e voltou-se: Olhe, se eu tivesse dinheiro ainda bem, mas assim...

      E caminhou para a cozinha. Felícia talhava a carne sobre a mesa encardida e acumulada; o gato miava, fazendo voltas, com a cauda hirta e, numa gaiola, o gaturamo gorjeava, pulando, todo arrufado e úmido do banho. Paulo saiu ao quintal e, descalço como estava, foi seguindo direito ao banheiro. Felícia, vendo-o passar, correu com um par de tamancos e uma toalha felpuda:

      — Olhe, nhonhô.

      Ele tomou os tamancos, atirou a toalha ao ombro e empurrou a porta do banheiro sombrio e úmido. Despiu-se e, nu, passeando, a esfregar o peito, d'olhos no chão, esteve algum tempo a pensar.

      Na vizinhança, uma voz de mulher cantava; estalavam roupas batidas e, de instante a instante, eram berros de locomotivas que chegavam, que partiam, arrastando comboios. Ficou debaixo do chuveiro, hesitante, com frio; esteve um momento parado a olhar o crivo que pingava, depois uma aranha, que se balançava na teia, a um canto, junto à caixa d'água; por fim, resoluto, puxou a corrente e a água jorrou copiosa. Refrescado, saltou para a tábua e, envolvendo-se na toalha, pôs-se a esfregar-se. Vestiu-se, calçou os tamancos e saiu.

      Passando pela cozinha recomendou à Felícia que lhe arranjasse qualquer coisa para almoçar: um bife e ovos - e, apressado, fechou-se no quarto para vestir-se. As botinas estavam encharcadas; tomou uns sapatos amarelos e surpreendeu-se a assobiar, esquecido da agonia que lhe toldava a vida, dantes tão calma e feliz naquela casinha alegre. Vestido, mirou-se rapidamente ao espelho, compôs a gravata e passou à sala de jantar.

      Felícia estendera a toalha e já o prato o esperava. Sentou-se; e arrastando uma cadeira para junto dele, ficou a enrolar uma ponta da toalha, suspirando a espaços. Quando a negra apareceu com o bife e os ovos ainda rechinando na frigideira, Paulo partiu o pão e pôs-se a comer às pressas, sem levantar os olhos. Cigarras chiavam nas árvores vizinhas e na rua um vendedor de frutas prolongava um pregão monótono.

      — Que vais dizer ao Mamede?

      — A verdade.

      — Que ela fugiu de casa?

      — Então?

      Calou-se, pensativa. e tornou por fim, receosa:

      — Não sei. Eu, por mim, não dizia. Mamede, com aquele vicio...

      — Ora, vício. Mamãe há de ver.

      —

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