A Vida No Norte. Tao Wong

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A Vida No Norte - Tao Wong

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      A maioria dos monstros mantém-se longe de Haines Junction, a presença dos ogres é suficientemente intimidante. Os que não são mortos rapidamente e adicionados à fogueira, ficam com os corpos desfeitos como os dos humanos. Isso resulta a meu favor, enquanto preparo o meu plano. Demoro alguns dias a arranjar tudo o que preciso, dias em que mal durmo ou como, pois estava a trabalhar a um ritmo frenético. Ia sendo descoberto duas vezes. Passei quase duas horas, da primeira vez, escondido debaixo de uma carrinha, à espera que o par de ogres saísse dali. Da segunda vez, tive de usar o MFQ e esgueirar-me do grupo que se estava a juntar, para me esconder. Dá para perceber que eles suspeitam de alguma coisa. As ações deles estão a tornar-se cada vez mais agitadas com o passar dos dias, mas não me conseguem encontrar, apesar de começarem a andar mais juntos e a fazer mais patrulhas.

      Com os preparativos finalmente terminados, escondo os meus mantimentos e levo comigo apenas o mínimo. A arma, dois carregadores de munições e comida e água para alguns dias.

      Quando finalmente encontro o meu objetivo, a minha cara esboça um sorriso que não sinto. Tenho o peito apertado, o coração acelerado e uma descarga de adrenalina, ao assinar a minha provável sentença de morte. Mas tudo isso é secundário à raiva que me consome. Já estou farto de me esconder, esgueirar e temer pela vida. Estou farto deste Sistema que levou à morte dos meus amigos e da minha família, exterminando 60% da humanidade.

      Se vou morrer, pelo menos, morro a tentar dar luta. O último pensamento é assinalado pelo barulho da espingarda. A bala viaja centenas de metros e embate contra a salamandra, que não desconfia de nada. Puxo a culatra e disparo outra vez, para concentrar a atenção dela em mim. Quando esta se vira e começa a avançar pesadamente na minha direção, fujo.

      Atraio a criatura para Haines Junction durante horas. Corro o mais depressa possível e, quando finalmente me começa a apanhar, uso o MFQ para desaparecer. Economizo o uso do MFQ, fugindo o mais longe possível e escondendo-me, esgueirando-me para ganhar mais alguma distância, antes de voltar a atrair a sua atenção ao disparar contra ela. Podia ser mais rápido, mas preciso que o MFQ dure, o que me obriga a fazer pausas quando a salamandra olha à volta, à minha procura. Passado um bocado, aumento a distância entre nós, disparando a mais de meio quilómetro e maioritariamente falhando, mesmo com um alvo do tamanho de um celeiro. Mas magoá-la também não é o objetivo.

      Apenas ia morrendo duas vezes. Uma das vezes, no início, quando ela aumentou de velocidade subitamente e quase me apanhou. Rebolei no último instante e consegui desviar-me do caminho dela a tempo, ficando com uma pequena ferida, antes de ativar o MFQ e correr como nunca para um esconderijo. Da segunda vez, a salamandra lançou uma série de bolas de fogo para o céu, que aterraram à minha volta. Uma curiosidade engraçada sobre estar noutra dimensão: até posso ser capaz de ignorar a maioria das estruturas físicas, mas energia, especificamente energia de calor, atravessa. Quando me consegui afastar do fogo, senti-me meio cozinhado e a barra de vida a piscar no canto do meu olho consentia. Depois disso, mantive-me ainda mais afastado da criatura e apenas lhe dei pequenos vislumbres, quando precisava que ela se aproximasse.

      Quando chegámos a Junction, já estava quase sem balas. Os ogres estão alinhados, a observar a chegada do monstro enraivecido. Respiro de alívio quando os vejo. A segunda fase do plano requer que os ogres estejam dispostos a lutar. Quando me veem, rugem e um deles tenta chegar-se à frente, mas os outros puxam-no de volta para a fila. Sorrio, parando a algumas centenas de metros deles e acenando-lhes, antes de me virar para o monstro que está a chegar.

      — Ali, fica de olho neles — digo, tirando a espingarda do ombro uma última vez e fazendo mira para a salamandra. Desta vez, tenho de a magoar o suficiente para a atrair definitivamente, o que significa que tenho de acertar. Respiro fundo algumas vezes, para tentar acalmar o meu coração acelerado e a minha respiração. Como já passou os limites da sua zona “natural”, a salamandra vai precisar de um pouco mais de incentivo.

      Falho o primeiro tiro e praguejo, enquanto desejo ter passado mais tempo no campo de tiro. Sempre disse que o faria, mas, por algum motivo, nunca o fiz. Estava demasiado ocupado a procrastinar. O segundo tiro acerta e a explosão é tudo aquilo que eu desejava. A bilha de propano abandonada incendeia-se atrás da salamandra, demasiado longe para lhe causar danos sérios, mas assustando-a ligeiramente. Já chateada comigo, a criatura avança, esperta o suficiente para juntar os sons dos tiros e os aborrecimentos que tem enfrentado nas últimas horas.

      Sem balas, atiro a espingarda para o lado e espero poder recuperá-la mais tarde. Em vez de correr imediatamente, observo a salamandra a avançar e espero. Encorajada pelo facto de que finalmente parei de fugir, a salamandra acelera o passo e, quando está apenas a algumas centenas de metros, viro-me e corro para os ogres.

      Os ogres estão furiosos. Mas, sem armas de longo alcance, não há muito que possam fazer para me travar, enquanto trago o que será o seu fim na direção deles. Quando me aproximo o suficiente, ativo o MFQ e deixo o taco que me ia acertar passar através do meu corpo, ao esgueirar-me pelas fileiras. Um movimento de última hora e rancoroso faz-me desativar o MFQ apenas para enfiar a minha faca nas costas de uma criatura e, depois, fujo, deixando os monstros a fazer o que fazem. Por muito que eles gostassem de me perseguir, manterem-se juntos para lutar contra a salamandra é mais importante.

      A uma distância de segurança, vejo a batalha desenrolar-se, escondido. É violento e não nada equilibrada, ao contrário do que esperava. Os ogres aguentam-se bem contra a salamandra, no início. O enorme líder desencadeia algum tipo de habilidade que envolve o seu taco de verde, à medida que este ataca a salamandra. O taco faz danos sérios e os outros ogres são rápidos a aproveitarem-se disso, investindo contra a salamandra. No início, chego a pensar que a salamandra pode morrer sem causar quaisquer danos.

      Isso, até todo o seu corpo começar a brilhar num tom vermelho e a libertar uma nuvem de vapor vermelho por todo o lado. A salamandra parece estar a ferver o próprio sangue e a libertá-lo, queimando os agressores que a rodeiam, afastando-os. Depois disso, a salamandra morde um ogre feminino, arrancando o seu braço do corpo. O resto da batalha torna-se sangrento e sórdido. A meio, apercebo-me de que algo está errado, apesar de demorar algum tempo a perceber o que é.

      — As crianças não estão ali! — vocifero para o Ali, que está a observar a luta com entusiasmo, tendo, de alguma forma, conjurado um pacote de pipocas. Este para de comer tempo suficiente para apontar e volta a ignorar-me.

      Sigo a indicação dele, esgueirando-me de um edifício para outro e encontro as crianças a serem protegidas pelos ogres jovens. Semicerro os olhos a contemplar o que fazer, antes de regressar ao evento principal. Sorrio cruelmente, a batalha já está quase no fim. A salamandra, bastante ferida, está a queimar o último ogre com a sua respiração.

      Gostam de ser cozinhados? Uma parte de mim está preocupada com a alegria abominável que estou a exibir, mas é uma parte muito pequena. Assim que a salamandra acaba com o resto dos ogres principais, certifico-me de que ela termina o seu trabalho, provocando-a e guiando-a até às crianças.

      A fase dois está completa. Sorrio sem vontade, ao ver a salamandra a saborear os ogres jovens, antes de me apressar. Podia terminar aqui, a vingança pelos habitantes de Junction está concluída. Contudo, a raiva não está saciada, preciso de a descarregar uma última vez. A salamandra é um monstro e tem de morrer.

      A fase três é muito simples, na teoria. Aliás, eu tinha arriscado bastante ao pensar que seria a salamandra a sobreviver, no final da batalha, pois construí o meu pequeno brinquedo com isso em mente. Tinha escondido a arma por perto e estava agradecido por ver que os ogres não estão familiarizados com a tecnologia humana ou, então, não são muito curiosos, pois deixaram-na intacta. Peguei no carrinho de compras e dei a volta à engenhoca, para esta ficar de frente para a salamandra.

      Fiz

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