Poder e desejo. Michelle Smart
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Podia saber-se o que se passava? Porque não conseguia tirá-la da cabeça? Porque é que, quando estava a chorar a morte do primo e melhor amigo, as lembranças tinham voltado?
Conseguia vê-lo como se fosse naquele momento. Saíra do quarto no castelo para se encontrar com o resto da família na tenda onde ia celebrar-se a festa do trigésimo aniversário do casamento dos tios. Natasha saíra do quarto que partilhava com Francesca e que era no mesmo corredor do que o dele. O coração acelerara quando vira que usava o colar que lhe dera quando fizera dezoito anos. Odiara não poder ir à festa que dera em Inglaterra, mas era médico residente num hospital da Florida, que era muito perto da faculdade de Medicina, e houvera uma urgência no fim do turno. Houvera um acidente de viação múltiplo com muitos feridos graves que precisara da contribuição de todos. Quando acabara de atender o último ferido, já perdera o avião.
Avançara com calma e esperara que ela fizesse dezoito anos para dar o primeiro passo… físico. Então, naquele corredor gélido do castelo, quando Natasha, com um vestido azul elétrico, era o melhor exemplo de uma mulher elegante e refinada, compreendeu que já não tinha de se reprimir mais.
Todas as cartas e chamadas noturnas que tinham trocado durante meses, todos os sonhos e todas as esperanças que tinham partilhado, tudo os levara até àquele momento. O futuro de ambos começava nesse momento e tocou no colar antes de a beijar pela primeira vez.
Fora o beijo mais doce e embriagador que dera durante os seus vinte e oito anos e só Francesca o interrompera quando saíra do quarto e se dirigira para eles. Se tivesse saído três segundos antes, tê-los-ia encontrado juntos. Questionou-se o que teria feito se os tivesse surpreendido a beijar-se porque, apenas duas horas depois, à frente de trezentos convidados, Pietro levantara-se e pedira Natasha em casamento. E ela aceitara.
Matteo esfregou os olhos para apagar as lembranças. Não devia estar a pensar nisso naquele momento. Porque estava ali, na casa onde Pietro e ela tinham vivido?
Acendeu-se uma luz nas escadas.
Natasha acordara ou estivera às escuras? Francesca tinha razão ao estar preocupada com ela?
Francesca falara com ele quando tentava fugir do velório e pedira-lhe para tomar conta de Natasha enquanto ela estava em Caballeros. Estava preocupada com ela, parecia-lhe que se transformara num espetro.
Embora Natasha e Pietro só estivessem casados há um ano, tinham estado sete juntos. Talvez fosse apenas uma caçadora de fortunas, mas devia ter sentido alguma coisa por ele.
Esperava que sentisse algo sincero, pelo bem do primo. No entanto, como poderia ser quando estivera com os dois ao mesmo tempo?
Afastara-a completamente da sua vida, menos em algumas ocasiões familiares e ineludíveis. Bloqueara o seu número de telefone, apagara todas as mensagens e queimara as cartas antiquadas escritas à mão. Para quando tinha de estar com ela, aperfeiçoara a arte de a ignorar sem que ninguém percebesse, menos ela.
Devia ter mentido a Francesca e ter-lhe dito que tinha de voltar a Miami antes do previsto, mas assentira e prometera que passaria por lá se tivesse tempo… Então, porque fora lá quando saíra do castelo disposto a voltar ao hotel?
Natasha abriu a porta do escritório de Pietro e engoliu em seco antes de entrar. Acendeu a luz um instante depois. Depois de passear pela casa completamente às escuras, os seus olhos demoraram um pouco a habituar-se à luz. Não sabia o que procurava, não sabia nada. Sentia-se perdida e sozinha.
Ficara no velório para não parecer ingrata, mas o consolo dos outros chegara a ser cansativo, tal como ter de ver Matteo. O pior fora quando a própria mãe se afastara com ela para lhe perguntar se havia alguma possibilidade de estar grávida.
Tivera de se ir embora antes de perder a cabeça.
O resto dos Pellegrini ficaria no castelo e, com um ar compreensivo e preocupado, aceitara a sua explicação de que queria estar sozinha.
Face à sua insistência, todos os empregados da sua casa ficaram no velório.
Era a primeira vez que estava completamente sozinha na casa desde que lhe tinham dado a notícia terrível.
Como uma intrusa na sala que fora a guarida do marido, olhou para as paredes cheias dos livros que ele lera. Na mesa, estavam umas pastas que trouxera do seu escritório de advogados ou da fundação que tanto o orgulhava. Ao lado, via-se o livro grosso com capa de couro sobre Livingstone e Stanley que lhe oferecera no seu aniversário recente. Um marcador assinalava que já lera um terço.
Com um nó na garganta, pegou no livro, levou-o ao peito, deixou-se cair com um gemido que não soube de onde brotou e chorou pelo homem que lhe mentira, e a todos, durante anos, mas que fizera tantas coisas boas pela humanidade.
Pietro nunca acabaria aquele livro e também não veria o hospital que os irmãos iam construir em honra dele. Nunca entraria no carro que contratara no dia antes de morrer. Nunca teria a oportunidade de dizer à família quem realmente fora.
– Pietro… – sussurrou ela, entre lágrimas. – Estejas onde estiveres, espero que tenhas finalmente encontrado paz.
Ouviu a campainha da porta. Enrolou-se e tapou as orelhas. Fosse quem fosse, continuou a tocar até não conseguir ignorá-lo mais. Limpou as lágrimas, levantou-se do chão do escritório e desceu as escadas, segurando-se ao corrimão, enquanto se preparava para o que teria de dizer ao visitante inesperado para se livrar dele.
Rezou para que não fossem os pais.
Virou a chave e entreabriu a porta para olhar para fora. Convencida de que estava a alucinar, abriu-a por completo.
O coração parou.
Ali estava Matteo. Tirara a gravata preta e a camisa branca abria-se no pescoço. Tinha a respiração entrecortada e os dentes cerrados e a desolação refletia-se nos olhos.
Entreolharam-se, mas nenhum dos dois falou.
Natasha sentiu uma pressão no peito e o tempo parou.
Ficaram assim durante uma eternidade, falando-se apenas com os olhos. Viu uma centena de coisas nos dele: Diferentes formas de dor, desdita, raiva e algo mais, algo que não voltara a ver desde antes de a abraçar e de lhe dar o único beijo que tinham trocado, há sete anos.
Era a primeira vez que o via a sós desde aquele beijo.
Nunca esqueceria a expressão nos seus olhos quando, duas horas depois, aceitara o pedido de Pietro e os seus olhares se encontraram através da tenda. Ficaria gravada no coração até ao dia da sua morte e sempre se arrependeria de tudo o que perdera.
Mexeu-se como se tivesse vontade própria, deu um passo e pôs-lhe uma mão na face quente.
Ele não se alterou.
Matteo viu uns olhos inchados de tanto chorar, mas que o observavam com um brilho quase suplicante, e esqueceu tudo o que tencionava dizer. Nem sequer se lembrava de como saíra do carro.
Sentia a mão delicada e trémula na face, o calor penetrava a pele e só pôde observar a cara com que sonhara.
Uma força irresistível apoderou-se