Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo Romancistas Essenciais

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Disseram-me que ele anda enrabichado com minha prima Joaninha.

      — A pálida?... pois eu já me vou dispondo a fazer meu pé de alferes com a loira.

      — E tu, Augusto, quererás porventura requestar minha irmã?...

      — É possível.

      — E de qual gostarás mais, da pálida, da loira ou da moreninha?...

      Creio que gostarei, principalmente, de todas..

      — Ei-lo aí com sua mania.

      — Augusto é incorrigível.

      — Não, é romântico.

      — Nem uma coisa nem outra... é um grandíssimo velhaco.

      — Não diz o que sente.

      — Não sente o que diz.

      — Faz mais do que isso, pois diz o que não sente.

      — O que quiserem... Serei incorrigível, romântico ou velhaco, não digo o que sinto, não sinto o que digo, ou mesmo digo o que não sinto; sou, enfim, mau e perigoso, e vocês inocentes e anjinhos. Todavia, eu a ninguém escondo os sentimentos que ainda há pouco mostrei: em toda a parte confesso que sou volúvel, inconstante e incapaz de amar três dias um mesmo objeto; verdade seja que nada há mais fácil do que me ouvirem um "eu vos amo" , mas também a nenhuma pedi ainda que me desse fé; pelo contrário, digo a todas o como sou; e se, apesar de tal, sua vaidade é tanta que se suponham inesquecíveis, a culpa, certo que não é minha. Eis o que faço. E vós, meus caros amigos, que blasonais de firmeza de rochedo, que jurais amor eterno cem vezes por ano a cem diversas belezas... sois tanto ou ainda mais inconstantes que eu!... Mas entre nós há sempre uma grande diferença; vós enganais e eu desengano; eu digo a verdade e vós, meus senhores, mentis...

      — Está romântico!... Está romântico!... exclamaram os três, rindo às gargalhadas.

      — A alma que Deus me deu, continuou Augusto, é sensível demais para reter por muito tempo uma mesma impressão. Sou inconstante, mas sou feliz na minha inconstância, porque, apaixonando-me tantas vezes, não chego nunca a amar uma vez...

      — Oh!... Oh!... Que horror!... Que horror!...

      — Sim! Esse sentimento que voto às vezes a dez jovens num só dia, às vezes numa mesma hora, não é amor, certamente. Por minha vida, interessantes senhores, meus pensamentos nunca têm damas; porque sempre têm damas; eu nunca amei... eu não amo ainda... eu não amarei jamais.

      — Ah!... Ah!... Ah!... E como ele diz aquilo!

      — Ou, se querem, precisarei melhor o meu programa sentimental; lá vai: afirmo, meus senhores, que meu pensamento nunca se ocupou, não se ocupa, nem se há de ocupar de uma mesma moça durante quinze dias.

      — E eu afirmo que segunda-feira voltarás da ilha de... loucamente apaixonado de alguma de minhas primas.

      — Pode bem suceder que de ambas.

      E que todo resto do ano letivo passarás pela rua de... duas e três vezes por dia, somente com o fim de vê-la.

      — Assevero que não.

      — Assevero que sim.

      — Quem?... Eu?... Eu mesmo passar duas e três vezes por dia por uma só rua por causa de uma moça?... E para quê?... Para vê-ia lançar-me olhos de ternura, ou sorrir-se brandamente quando eu para ela olhar, e depois fazer-me caretas ao lhe dar as costas?... Para que ela chame as vizinhas que lhe devem ajudar a chamar-me tolo, paleta, basbaque e namorador?... Não, minhas belas senhoras da moda! Eu vos conheço!... Amante apaixonado quando vos vejo, esqueço-me de vós, duas horas depois de deixar-vos. Fora disto só queimarei o incenso da ironia no altar de vossa vaidade; fingirei obedecer a vossos caprichos e somente zombarei deles. Ah! ... Muitas vezes, alguma de vós, quando me ouve dizer: "Sois encantadora", está dizendo consigo: "Ele me adora", enquanto eu digo também comigo: "Que vaidosa!"

      — Que vaidoso!... te digo eu, exclamou Filipe.

      — Ora, esta não é má!... Então vocês querem governar o meu coração?...

      — Não; porém eu torno a afirmar que tu amarás uma de minhas primas durante todo o tempo que for da vontade dela.

      — Que mimos de amor que são as primas deste senhor!

      — Eu te mostrarei.

      — Juro que não.

      Aposto que sim.

      — Aposto que não.

      — Papel e tinta: escreva-se a aposta.

      — Mas tu me dás muita vantagem, e eu rejeitarei a menor. Tens apenas duas primas: é um número de feiticeiras muito limitado. Não sejam só elas as únicas magas que em teu favor invoquem para me encantar: meus sentimentos ofendem, talvez, a vaidade de todas as belas; todas as belas, pois, tenham o direito de te fazer ganhar a aposta, meu valente campeão do amor constante!

      — Como quiseres, mas escreve.

      — E quem perder?...

      — Pagará a todos nós um almoço no Pharoux, disse Fabrício.

      Qual almoço! acudiu Leopoldo. Pagará um camarote no primeiro drama novo que representar o nosso João Caetano.

      — Nem almoço, nem camarote, concluiu Filipe; se perderes, escreverás a história da tua derrota; e se ganhares, escreverei o triunfo da tua inconstância.

      — Bem, escrever-se-á um romance, e um de nós dois, o infeliz, será o autor.

      Augusto escreveu primeira, segunda e terceira vez o termo da aposta; mas depois de longa e vigorosa discussão, em que qualquer dos quatro falou duas vezes sobre a matéria, uma para responder e dez ou doze pela ordem; depois de se oferecerem quinze emendas e vinte artigos aditivos, caiu tudo por grande maioria, e entre bravos, apoiados e aplausos, foi aprovado, salva a redação, o seguinte termo:

      "No dia 20 de julho de 18... na sala parlamentar da casa n° ... da rua de..., sendo testemunhas os estudantes Fabrício e Leopoldo, acordaram Filipe e Augusto, também estudantes, que, se até o dia 20 de agosto do corrente ano, o segundo acordante tiver amado a uma só mulher durante quinze dias ou mais, será obrigado a escrever um romance em que tal acontecimento confesse; e, no caso contrário, igual pena sofrerá o primeiro acordante. Sala parlamentar, 20 de julho de 18... Salva a redação".

      Como testemunhas — Fabrício e Leopoldo.

      Acordantes — Filipe e Augusto.

      E eram oito horas da noite quando se levantou a sessão.

      Capítulo II: Fabrício em apuros

      A cena que se passou teve lugar numa segunda-feira.

      Já lá se foram quatro dias: hoje é sexta-feira, amanhã será sábado, não um sábado como outro qualquer, mas um sábado véspera de Sant’Ana.

      São

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