Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo Romancistas Essenciais

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Isto só pelo diabo!... exclamei eu involuntariamente, batendo o pé com toda a força.

      — O senhor está doido?! disse-me... gemendo e fazendo uma careta horrível, o meu companheiro da esquerda.

      — Não tenho que lhe dar satisfações, respondi-lhe amuado.

      Tem, sim senhor, retorquiu-me o sujeito, empinando-se.

      Pois que lhe fiz eu então? acudi, alterando-me.

      — Acaba de pisar-me, com a maior força, no melhor calo do meu pé direito.

      — Oh! senhor... queira perdoar!...

      E dando mil desculpas ao homem, saí do teatro, pensando no meu amor.

      Confesso que deveria ter notado que a minha paixão começava debaixo de maus auspícios, mas a minha má fortuna ou, melhor, os teus maus conselhos me empurravam para diante com força de gigante.

      Sem pensar no que fazia, subi para os camarotes e fui dar comigo no corredor da quarta ordem; passei junto do camarote de minhas atenções: era o nº 3 (número simbólico, cabalístico e fatal! repara que em tudo segui o Romantismo). A porta estava cerrada; fui ao fim do corredor e voltei de novo; um pensamento esquisito e singular acabava de me brilhar na mente, e abracei-me com ele.

      Eu tinha visto junto à porta nº 3 um moleque com todas as aparências de ser belíssimo cravo da Índia. Ora, lembrava-me que nesse camarote a minha querida era a única que se achava vestida de branco e, pois, eu podia muito bem mandar--lhe um recado pelo qual me fizesse conhecido. E assim avancei para o moleque.

      Ah! maldito crioulo... estava-lhe o todo dizendo o para que servia!... Pinta na tua imaginação, Augusto, um crioulo de dezesseis anos, todo vestido de branco com uma cara mais negra e mais lustrosa do que um botim envernizado, tendo, além disso, dois olhos belos, grandes, vivíssimos e cuja esclerótica era branca como o papel em que te escrevo, com lábios grossos e de nácar, ocultando duas ordens de finos e claros dentes, que fariam inveja a uma baiana; dá-lhe a ligeireza, a inquietação e rapidez de movimentos de um macaco e terás frito idéia desse diabo de azeviche, que se chama Tobias.

      Não me foi preciso chamá-lo: bastou um movimento de olhos para que o Tobias viesse a mim, rindo-se desavergonhadamente. Levei-o para um canto.

      — Tu pertences aquelas senhoras que estão no camarote, a cuja porta te encostavas?...perguntei.

      — Sim, senhor, me respondeu ele, e elas moram na rua de... n° ... ao lado esquerdo de quem vai para cima.

      E quem são?...

      — São duas filhas de uma senhora viúva, que também aí está, e que se chama a Ilma. Sra. d. Luíza. O meu defunto senhor era negociante e o pai de minha senhora é padre.

      — Como se chama a senhora que está vestida de branco?

      — A sra. d. Joana... tem dezessete anos, e morre por casar.

      — Quem te disse isso?...

      — Pelos olhos se conhece quem tem lombrigas, meu senhor!...

      — Como te chamas?

      — Tobias, escravo de meu senhor, crioulo de qualidade,fiel como um cão e vivo como um gato.

      O maldito do crioulo era um clássico a falar português. Eu continuei:

      — Hás de me levar um recado à sra. d. Joana.

      — Pronto, lesto e agudo, respondeu-me o moleque.

      — Pois toma sentido.

      — Não precisa dizer duas vezes.

      Ouve. Das duas uma: ou poderás falar com ela hoje, ou só amanhã...

      — Hoje... agora mesmo. Nestas coisas Tobias não cochila: com licença de meu senhor, eu cá sou doutor nisto; meus parceiros me chamam orelha de cesto, pé de coelho e boca de taramela. Vá dizendo o que quiser, que em menos de dez minutos minha senhora saberá tudo; o recado de meu senhor é uma carambola que, batendo no meu ouvido vai logo bater no da senhora d. Joaninha.

      — Pois dize-lhe que o moço que se sentar na última cadeira da 4ª coluna da superior, que assoar-se com uni lenço de seda verde, quando ela para ele olhar, se acha loucamente apaixonado de sua beleza etc., etc., etc.

      — Sim, senhor, eu já sei o que se diz nessas ocasiões: o discurso fica por minha conta.

      — E amanhã, ao anoitecer, espera-me na porta de tua casa.

      — Pronto, lesto e agudo, repetiu de novo o crioulo.

      — Eu recompensar-te-ei, se fores fiel.

      — Mais pronto, mais lesto e mais agudo!

      — Por agora toma estes cobres.

      — Oh, meu senhor! Prontíssimo, lentíssimo e agudíssimo.

      Ignoro de que meios se serviu o Tobias para executar sua comissão. O que sei é que antes de começar o 2.° ato já eu havia feito o sinal, e então comecei a pôr em ação toda a mímica amantética que me lembrou: o namoro estava entabulado; embora a moça não correspondesse aos sinais do meu telégrafo, concedendo-me apenas amiudados e curiosos olhares, isso era já muito para quem a via pela primeira vez.

      Finalmente, sr. Augusto dos meus pecados, o negócio adiantou-se, e hoje, tarde me arrependo e não sei como me livre de semelhante entaladela, pois o Tobias não me sai da porta. Já não tenho tempo de exercer o meu classismo; há três meses que não como empadas e, apesar de minhas economias, ando sempre com as algibeiras a tocar matinas. Para maior martírio a minha querida é a sra. Joana, prima de Filipe.

      Para compreenderes bem o quanto sofro, aqui te escrevo algumas das principais exigências da minha amada romântica.

      1º Devo passar por defronte de sua casa duas vezes de manhã e duas à tarde. Aqui, vês bem, principia a minha vergonha, pois não há pela vizinhança gordurento caixeirinho que se não ria nas minhas barbas quatro vezes por dia.

      2º Devo escrever-lhe, pelo menos, quatro cartas por semana, em papel bordado, de custo de 400 réis a folha. Ora, isto é detestável, porque eu não sei onde vá buscar mais cruzados para comprar papel, nem mais asneiras para lhe escrever.

      3º Devo tratá-la por "minha linda prima" e ela a mim por "querido primo". Daqui concluo que a sra. d. Joana leu o Faublas. Boa recomendação!...

      4º Devo ir ao teatro sempre que ela for, o que sucede quatro vezes no mês; o mesmo a respeito de bailes. Esta despesa arrasa-me a mesada terrivelmente.

      5º Ao teatro e bailes devo levar no pescoço um lenço ou manta da cor da fita que ela porá em seu vestido ou no cabelo, o que, com antecedência, me é participado. Isto é um despotismo detestável.

      Finalmente, ela quer governar os meus cabelos, as minhas barbas, a cor de meus lenços, a minha casaca, a minha bengala, os botins que calço e, por último, ordenou-me que não fumasse charutos de Havana nem de Manilha, porque era isto falta de patriotismo.

      Para

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