Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo Romancistas Essenciais

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e Augusto a surpreendeu fazendo-lhe caretas: travessa, inconseqüente e às vezes engraçada; viva, curiosa e em algumas ocasiões impertinente, O nosso estudante não pode dizer com precisão nem o que ela é, nem o que não é: acha-a estouvada, caprichosa e mesmo feia, e pretende tratá-la com seriedade e estudo para nem desgostar a dona da casa, nem se sujeitar a sofrer as impertinências e travessuras que a todo o momento a vê praticar com os outros. Enfim, para acabar de uma vez esta já longa conta das senhoras que se achavam na sala, diremos que aí se notavam também duas velhas amigas da dona da casa. Uma, que só se entreteve, se entretém e se há de entreter em admirar a graça e encantos de duas filhas que consigo trouxera; e outra, que pertence ao gênero daquelas que nas sociedades agarram num pobre homem, sentam-no ao pé de si, e, maçando-o duas e três horas com enfadonhas e intermináveis dissertações, finalmente o largam, supondo que lhe têm feito grande honra e dado o maior prazer.

      Quanto aos homens... Não vale a pena! ... Vamos adiante.

      Estas observações que aqui vamos oferecendo, fez também Augusto consigo mesmo, durante o tempo que gastou cm endereçar seus cumprimentos e dizer todas essas coisas muito banais, e já muito sediças, mas que se dizem sempre de parte a parte, com obrigado sorrir nos lábios e indiferença no coração. Concluída essa verdadeira maçada e reparando que todos tratavam de conversar, para melhor passar as horas e esperar a do jantar, ele voltou o rosto com vistas de achar uma cadeira desocupada junto de algumas daquelas moças; porém, é mofina do pobre estudante! O intempestivo castigo dos seus maiores pecados! ... A segunda das duas velhas, de quem há pouco se tratou, estendeu a mão e chamou-o, mostrando com o dedo carregado de anéis um lugar livre junto dela.

      Não havia remédio; era preciso sofrer, com os olhos enxutos, o prazer na face, o martírio que se lhe oferecia. Augusto sentou-se ao pé da sra. d. Violante.

      Ela lançou-lhe um olhar de bondade e proteção, e ele abaixou os olhos, porque os de d. Violante são terrivelmente feios e os do estudante não se podem demorar por muito tempo sobre espelho de tal qualidade.

      — Adivinho, disse ela com certo ar de ironia, que lhe está pesando demais o sacrifício de perder alguns momentos conversando com uma velha.

      — Oh, minha senhora! respondeu o moço, as palavras de V. S.a fazem grande injustiça a si própria e a mim também: a mim, porque me faz bem cheio de rudeza e mau gosto; a si, porque, se um cego as ouvisse, certo que não faria idéia do vigor e da...

      — Olhem como ele é lisonjeiro!... exclamou a velha, batendo levemente com o leque no ombro do estudante, acompanhando esta ação com uma terrível olhadura, rindo-se com tão particular estudo, que mostrava dois únicos dentes que lhe restavam.

      Augusto olhou fixamente para ela e conheceu que na verdade se havia adiantado muito. D. Violante era horrivelmente horrenda, e, com sessenta anos de idade, apresentava um carão capaz de desmamar a mais emperrada criança.

      A conversação continuou por urna boa hora; o tédio do estudante chegou a ponto de fazê-lo arrepender-se de ter vindo à ilha de... Três vezes tentou levantar-se; mas d. Violante sempre tinha novas coisas a dizer: falou-lhe sobre a sua mocidade... seus pais, seus amores, seu tempo, seu finado marido, sua esterilidade, seus rendimentos, seu papagaio, e até suas galinhas. Ah! falou mais que um deputado da oposição, quando se discute o voto de graças. Finalmente, parou um instante, talvez para respirar, e para começar novo ataque de maçada. Augusto quis aproveitar-se da intermitência: estava desesperado e pela quarta vez ergueu-se.

      — Com licença de V. Sa...

      — Nada! disse a velha, detendo-se e apertando-lhe a mão: eu ainda tenho muito que dizer-lhe.

      Muito que dizer?... balbuciou o estudante automaticamente, e deixando-se cair sobre a cadeira, como fulminado por um raio.

      — O senhor está incomodado?... perguntou d. Violante com toda a ingenuidade.

      — Eu... eu estou às ordens de V. S. ª.

      — Ah! vê-se que a sua delicadeza iguala a sua bondade, continuou ela com acento meio açucarado e terno.

      — Oh, castigo de meus pecados! ... pensou Augusto consigo; querem ver que a velha está namorada de mim?!! E recuou sua cadeira meio palmo para longe da dela.

      Não fuja... prosseguiu d. Violante, arrastando por sua vez sua cadeira até encostá-la à do estudante; não fuja... eu quero dizer-lhe coisas que não é preciso que os outros ouçam.

      — E então? pensou de novo Augusto, fiz ou não uma galante conquista!... E suava suores frios.

      — O senhor está no quinto ano de medicina?...

      — Sim, minha senhora. Já cura?

      — Não, minha senhora.

      — Pois eu desejava referir-lhe certos incômodos que sofro, para que o senhor me dissesse que moléstia padeço e que tratamento me convém.

      — Mas... minha senhora... eu ainda não sou médico e só no caso de urgente necessidade me atreveria...

      — Eu tenho inteira confiança no senhor: me parece que é o único capaz de acertar com a minha enfermidade.

      Mas ali está um estudante do sexto ano...

      — Eu quero o senhor mesmo.

      Pois, minha senhora, eu estou pronto para ouvi-la; porém julgo que o tempo e o lugar são pouco oportunos...

      — Nada... há de ser agora mesmo.

      Ah!... A boa da velha falou e tornou a falar. Eram duas horas da tarde e ela ainda dava conta de todos os seus costumes, de sua vida inteira; enfim, foi uma relação de comemorativos, como nunca mais ouvirá o nosso estudante. Às vezes Augusto olhava para seus companheiros e os via alegremente praticando com as belas senhoras que abrilhantavam a sala, enquanto ele se via obrigado a ouvir a mais insuportável de todas as histórias. Daqui e de certos fenômenos que acusava a macista, nasceu-lhe o desejo de tomar uma vingançazinha. Firme neste propósito, esperou com paciência que d. Violante fizesse ponto final, bem determinado a esmagá-la com o peso de seu diagnóstico, e ainda mais com o tratamento que tencionava prescrever-lhe.

      As duas horas e meia a oradora terminou o seu discurso, dizendo:

      — Agora quero que, com toda a sinceridade, me diga se conhece a minha enfermidade e o que devo fazer.

      Então V. S. ª dá-me licença para falar com toda a sinceridade?

      — Eu o exijo.

      — Pois, minha senhora, atendendo a tudo quanto ouvi, e principalmente a esses últimos incômodos, que tão amiúde sofre, e de que mais se queixa, como tonteiras, dores no ventre, calafrios, certas dificuldades, esse peso dos lombos etc., concluo, e todo o mundo médico concluirá comigo, que V. S. padece...

      — Diga... não tenha medo.

      — Hemorróidas.

      D. Violante fez-se vermelha como um pimentão, horrível como a mais horrível das fúrias, encarou o estudante com despeito, e, fixando nele seus tristíssimos olhos furta-cores, perguntou:

      — O que foi que disse, senhor?

      — Hemorróidas, minha senhora.

      Ela

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