Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo Romancistas Essenciais

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atenção ao que conversavam os dois, acabava de fixar de repente na terrível cronista dois olhares penetrantes e irresistíveis.

      Parecia que uma luta interessante ia ter lugar; as duas adversárias mostravam-se ambas fortes e decididas, porém d. Clementina para logo recuou; e, como querendo não passar por vencida, sorriu-se maliciosamente e, apontando para a Moreninha disse, afetando um acento gracejador:

      — Ela é travessa como o beija-flor, inocente como uma boneca, faceira como o pavão, e curiosa como... uma mulher.

      — Sim, tornou-lhe d. Carolina. Preciso é que os ouvidos estejam bem abertos e a atenção bem apurada, quando se está defronte de uma moça como d. Clementina, que sempre tem coisas tão engraçadas e tão inocentes para dizer! ... Oh! minha camarada, juro-lhe que ninguém lhe iguala na habilidade de compor um mapa.

      — Mas... d. Carolina... você deu o cavaco?...

      Oh! não, não... continuou a menina, com picante ironia; porém é fato que nenhuma de nós gosta de ser ofuscada com o esplendor de outra. Já basta de brilhar, d. Clementina; o sr. Augusto deve estar tão enfeitiçado com o seu espírito e talento, que decerto não poderá toda esta tarde e noite olhar para nós outras, sem compaixão ou desgosto; portanto, já basta... se não por si, ao menos por nós.

      A cronista fez-se cor de nácar e a sua adversária, imitando-a na malícia do sorriso e no acento gracejador, prosseguiu ainda:

      — Mas ninguém conclua daqui que, por ofuscada, perco o amor que tinha ao astro que me ofuscou. Bela rosa do jardim! Teus espinhos feriram a borboleta, mas nem por isso deixarás de ser beijada por ela!...

      E assim dizendo, a Moreninha estendeu e apinhou os dedos de sua mão direita, fez estalar um beijo no centro do belo grupo que eles formaram e, enfim, executou com o braço um movimento, como se atirasse o beijo sobre d. Clementina.

      Oh! disse Augusto consigo mesmo: a tal menina travessa não é tola como me pareceu ainda há pouco. E desde então começou o nosso estudante a demorar seus olhares naquele rosto que, com tanta injustiça, tachara de irregular e feio. Prevenido contra d. Carolina, por havê-la surpreendido fazendo-lhe uma careta, o tal sr. Augusto, com toda a empáfia de um semidoutor, decidiu magistralmente que a moça tinha todos os defeitos possíveis. Coitadinho! ... Espichou-se tão completamente, que agora mesmo já estava pensando com os seus botões: ela não será bonita!... porém feia?... isso é demais!

      — Chegou muito tarde à ilha... balbuciou d. Quinquina, como quem desejava travar conversação com Augusto.

      — Pensa deveras isso, minha senhora?!... respondeu este, pregando nela um olhar de quem está pedindo um sim.

      — Penso... disse a moça enrubescendo.

      — Pois é precisamente agora que eu reconheço ter chegado muito tarde ou pelo contrário, talvez cedo demais.

      — Cedo demais?...

      — Certamente: não se chegará sempre cedo demais onde se corre algum risco?

      — Aqui, portanto...

      — Neste lugar, portanto, continuou o estudante, voltando os olhos por todas as senhoras, e apontando depois para d. Quinquina; aqui, principalmente, floresce e brilha o prazer, mas perde-se também a liberdade de um mancebo!

      Os dois foram interrompidos para corresponder a uma longa e interminável coleção de brindes que o alemão principiou a desenrolar, e com tanta freqüência e tão pouca fertilidade, que só a sra. d. Ana teve, por sua saúde, de vê-lo beber seis vezes.

      Enfim, cedeu um pouco a tormenta, e d. Quinquina, que havia gostado do que lhe dissera o estudante, continuou:

      — Não quis vir com os seus colegas?

      — Eu gosto de andar só, minha senhora.

      — Sempre é má e triste a solidão.

      — Mas às vezes também a sociedade se torna insuportável... por exemplo, depois de amanhã...

      — Depois de amanhã? repetiu ela, sorrindo-se; depois de amanhã o quê?

      — Minha senhora, ouvidos que escutaram acordes, sons de harpa sonora, vibrada por ligeira mão de formosa donzela, doem-se de ouvir o toque inqualificável da viola desafinada da rude sabia.

      Eu não o compreendo bem...

      — Quem respirou o ar embalsamado dos jardins. o aroma das rosas, os eflúvios da angélica, incomoda-se, exaspera-se ao respirar logo depois a atmosfera grave e carregada de miasmas de um hospital.

      — Ainda o não entendi.

      — Pois juro, minha senhora, que desta vez me há de compreender perfeitamente. Digo que, vendo eu hoje dois olhos que por sua cor se assemelham a dois belos astros de luz, cintilando em céus do mais puro azul; que, escutando uma voz tão doce como serão as melodias dos anjos; que enfim, respirando junto de alguém, cujo bafo é um perfume de delícias, depois de amanhã preferirei não ver, não ouvir e não cheirar coisa alguma, a ver os olhos pardos e encovados ali do meu amigo Leopoldo, a ouvir a voz de taboca rachada do meu colega Filipe e a respirar a fumaça dos charutos de meu companheiro Fabrício.

      —Ah!... exclamou outra vez inesperadamente d. Carolina, eu creio que d. Quinquina terá finalmente compreendido o que o sr. Augusto tanto se empenha em lhe explicar.

      — Minha prima, atreveu-se a dizer a ingênua, modesta, medrosa e muito sonsa d. Quinquina; minha prima, você o teria compreendido no primeiro instante, não é assim?...

      — Certamente, respondeu a mocinha, sem perturbar-se; o sr. Augusto, além de falar com habilidade e fogo, pôs em ação três sentidos; o que poderia também suceder, era que, como algumas costumam fazer, eu fingisse não compreendê-lo logo, para dar lugar a mais vivas finezas, até que ele de fatigado dissesse tudo, sem figuras e flores de eloqüência... Ora, isso quase que aconteceu, porque os olhos, os ouvidos e o nariz do sr. Augusto hão de estar certamente cansados de tão excessivo trabalho!

      — Minha senhora!

      Por desdita dele não houve ocasião de pôr em campo um outro sentido; o gosto ficou em inação, bem contra a sua vontade, não é assim, sr. Augusto?...

      — Minha prima, todos olham para nós...

      — A respeito do tato, não direi palavra, continuou a terrível Moreninha; porque se as mãos do sr. Augusto conservaram-se em justa posição, quem sabe os transes por que passariam os pés de minha prima?... Os srs. estão tão juntinhos, que com facilidade e sem risco se podem tocar por baixo da mesa.

      — Menina! exclamou a sra. d. Ana, com acento de repreensão.

      — Minha senhora, consinta que ela continue a gracejar, disse Augusto, meio aturdido. Além de me dar a honra de tomar-me por objeto de seus gracejos, dá-me também o prazer de apreciar e admirar seu espírito e agudeza.

      — Agradecida! Muito agradecida! tornou o diabinho da menina, rindo-se com a melhor vontade. Eu cá não custo a compreendê-lo como minha prima; já sei o que querem de mim os seus elogios... Estou comprada, não falo mais.

      Uma risada geral aplaudiu as últimas palavras de d. Carolina; não há nada mais natural; ela era a neta

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