Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo
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— Sinto ter desmerecido o agrado de V. S.ª por tão insignificante motivo. Rogo-lhe que me desculpe, mas eu julguei dever dizer o que entendia.
Isto dizendo, o estudante ergueu-se; a velha já não fez o menor movimento para o demorar, e vendo-o deixá-la, disse em tom profético:
— Este não nasceu para a medicina!
Mas Augusto, afastando-se de d. Violante, dava graças ao poder de seu diagnóstico e augurava muito bem de seu futuro médico, pela grande vitória que acabava de alcançar.
Agora sim, disse ele com os seus botões, vou recuperar o tempo perdido; e procurava uma cadeira, cuja vizinhança lhe conviesse.
A digna hóspeda compreendeu perfeitamente os desejos do estudante, pois mostrando-lhe um lugar junto de sua neta, disse:
— Aquela menina lhe poderá divertir alguns instantes.
— Mas, minha avó, exclamou a menina com prontidão, até o dia de hoje ainda não me supus boneca.
Menina!...
Contudo, eu serei bem feliz se puder fazer com que o senhor... o senhor...
— Augusto, minha senhora...
— O sr. Augusto passe junto a mim momentos tão agradáveis, como lhe foram as horas que gozou ao pé da sra. d. Violante.
Augusto gostou da ironia, e já se dispunha a travar conversação com a menina travessa, quando Fabrício se chegou a eles, e disse a Augusto:
— Tu me deves dar uma palavra.
— Creio que não é preciso que seja imediatamente.
— Se a sra. d. Carolina o permitisse, eu estimaria falar-te já.
— Por mim não seja... disse a menina erguendo-se.
— Não, minha senhora, eu o ouvirei mais tarde, acudiu Augusto, querendo retê-la.
Nada... não quero que o sr. Fabrício me olhe com maus olhos... Além de que, eu devo ir apressar o jantar, pois li no seu rosto que a conversação que teve com a sra. d. Violante, quando mais não desse, ao menos produziu-lhe muito apetite... mesmo um apetite de... de...
— Acabe.
— De estudante.
E, mal o disse, a travessa moreninha correu para fora da sala.
Capítulo IV: Falta de condescendência
Fabrício acaba de cometer um grande erro, que para ele será de más conseqüências. Quem pede e quer ser servido, deve medir bem o tempo, o lugar e as circunstâncias, e Fabrício não soube conhecer que o tempo, o lugar e as circunstâncias lhe eram completamente desfavoráveis. Vai exigir que Augusto o ajude a forjar cruel cilada contra uma jovem de dezessete anos, cujo delito é ter sabido amar o ingrato com exagerado extremo. Ora, para conseguir semelhante torpeza, preciso seria que Fabrício aproveitasse uni momento de loucura, um desses instantes de capricho e de delírio cm que Augusto pensasse que ferir a fibra mais sensível e vibrante do coração da mulher, a fibra do amor, não é um crime, não é pelo menos, Louca e repreensível leviandade, e apenas perdoável e interessante divertimento de rapazes; e nessa hora não podia Augusto raciocinar tão indignamente. Ainda quando não houvesse nele muita generosidade, estava para desarmá-lo o poder indizível da inocência, o poderoso magnetismo de vinte olhos belos como o planeta do dia, a influência cativadora da formosura em botão, da beleza virgem ainda, de um anjo enfim, porque é símbolo de um anjo a virgindade de uma jovem bela.
Mas Fabrício olvidou tudo, e mal, sem dúvida, terá de sair de seu empenho com tantas contrariedades; o tempo não lhe é propício, porque Augusto começa a sentir todos os sintomas de apetite devorador. Ora, um rapaz, e principalmente um estudante com fome, aborrece-se de tudo, principalmente do que lhe cheira a maçada. O lugar não menos lhe era desfavorável, porque, diante de um ranchinho de belas moças, quem poderá tramar contra o sossego delas?... Então Augusto, que era dos tais que por semelhante povo, são como formiga por açúcar, macaco por banana, criança por campainha... e ele tinha razão! Por último, as circunstâncias também contrariavam Fabrício, pois a sra. d. Violante havia tido o poder de esgotar toda a elástica paciência do pobre estudante, que não acharia nem mais uma só dose homeopática desse tão necessário confortativo para despender com o novo macista.
Fabrício tomou, pois, o braço de Augusto e ambos saíram da sala, este com vivos sinais de impaciência, o primeiro com ares de quem ia tratar importante negócio.
A inocente d. Joaninha os acompanhou com os olhos e riu-se brandamente, encontrando os de Fabrício, que teve ainda bastante audácia para tingir um sorriso de gratidão.
Eles se dirigiram ao gabinete do lado direito da sala, o qual fora destinado para os homens; e entrando fechou Fabrício a porta sobre si, para se achar em toda liberdade. Enfim, estavam sos. Voltados um para o outro, guardavam alguns momentos de silêncio. Foi Augusto que teve de rompê-lo.
— Então, ficamos a jogar o siso?...
— Espero a tua resposta, disse Fabrício.
— Ainda não me perguntaste nada, respondeu o outro.
— A minha carta?...
— Eu a li... sim, tive a paciência de lê-la toda.
— E então?...
— Então o que, homem?...
— A resposta.
— Aquilo não tem resposta.
— Ora, deixa-te disso; vamos mangar com a moça.
— Tu estás doido, Fabrício.
— Por tua culpa, Augusto.
— Pois então cuidas que o amor de uma senhora deva ser a peteca com que se divirtam dois estudantes?...
— Quem é que te fala em peteca?... Pelo contrário, o que eu quero é desgrudar-me do fatal contrabando.
— Não! A pesar teu, deves respeitar e cultivar o nobre sentimento que te liga a d. Joaninha. Que se diria dó teu procedimento, se depois de trazeres uma moça toda cheia de amor e fé na tua constância, por espaço de três meses, a desprezasses sem a menor aparência de razão, sem a mais pequena desculpa?...
— Então tu, com o teu sistema de...
Eu desengano: previno a todas que as minhas paixões têm apenas horas de vida, e tu, como os outros, juras amor eterno.
— Estou desconhecendo-te, Augusto. Sempre te achei com juízo e bom conceito e agora temo muito que estejas com princípios de alienação mental! Explica-me, por quem és, que súbito acesso de moralidade é esse que tanto te perturba.
— Isto, Fabrício, chama-se inspiração dos bons costumes.
— Bravo! Bravo! Foi