Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo
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— Com efeito! ... Não te supunha tão adiantado!
— Pois que dúvida? Para viver-se vida boa e livre, é preciso andar com o olho aberto e o pé ligeiro. Então as tais sujeitinhas que, com a felicidade e indústria com que a aranha prende a mosca na teia, são capazes de tecer de repente, com os olhares, sorrisos, palavrinhas doces, suspiros a tempo, me deixes aproximando-se, zelos afetados e arrufos com sai e pimenta, uma armadilha tão emaranhada que, se o papagaio é tolo e não voa logo, mete por força o pé no laço e adeus minhas encomendas, fica de gaiola para todo o resto de seus dias... E, portanto, meu Augusto, deixa-te de insípidos escrúpulos e ajuda-me a sair dos apuros em que me vejo.
— Torno a dizer-te que estás doido, Fabrício, pois que me acreditas capaz de servir de instrumento para um enredo... uma verdadeira traição. Então, que pensas? Eu requestaria d. Joaninha, não é assim?... Tu a deixavas, fingindo ciúmes, e depois quem me livraria dos apertos em que necessariamente tinha de ficar?...
— Ora, isso não te custava cinco minutos de trabalho: tu... inconstante por índole e por sistema!
— Fabrício, deixa-te de asneiras; já que te meteste nisso, avante! Além de que, d. Joaninha é um peixão.
— Oh! Oh! Oh!... Uma desenxabida...
— Que blasfêmia!
— Além disso é impossível... Não posso suportar o peso: escrever quatro cartas por semana... Só o talento que é preciso para inventar asneiras e mentiras dezesseis vezes por mês! ... E depois, o Tobias...
— Puxa-lhe as orelhas.
— Como?... Se ele é a cria de d. Joaninha, o alfenim da casa, o São Benedito da família!
— Não sei, meu amigo, arranja-te como puderes.
— Lembra-te que foste a causa principal de tudo isso.
— Quem?... Eu?... Eu apenas te disse que não sabias o gosto que tinha o amor à moderna.
Pois bem, saí do meu elemento, fui experimentar a paixão romântica... aí a tem! ... A tal paixãzinha me esgotou já paciência, juízo e dinheiro. Não a quero mais.
— Tu sempre foste um papa-empadas.
— Sim, e há dois meses que não sei o que é cheiro delas. Anda, meu Augustozinho, ajuda-me!
— Não posso e não devo.
— Vê lá o que dizes! Tenho dito.
— Augusto!
— Agora digo mais que não quero.
— Olha que te hás de arrepender!
Esta é melhor! ... Pretendes meter-me medo?... Eu sou capaz de vingar-me.
— Desafio-te a isso.
— Desacredito-te na opinião das moças.
— E um meio de tornar-me objeto de suas atenções. Peço-te que o faças.
Descubro e analiso o teu sistema de iludir a todas. Tornar-me-ás interessante a seus olhos.
— Direi que és um bandoleiro.
— Melhor, elas farão por tornar-me constante.
— Mostrarei que a tua moral a respeito de amor é a pior possível. Ótimo! ... Elas se esforçarão por fazê-la boa.
— Hei de, nestes dois dias, atrapalhar-te continuamente.
— Bravo!... Não contava divertir-me tanto! Então tu teimas no teu propósito?...
— Pois, se é precisamente agora que estou vendo os bons resultados que ele me promete!
— Portanto... estes dois dias, guerra!
— Bravíssimo, meu Fabrício; guerra!
— Antecipo-te que o meu primeiro ataque terá lugar durante o jantar.
— Oh! Por milhares de razões, tomara eu que chegasse a hora dele!...
— Augusto, até o jantar!
— Fabrício, até o jantar!
Neste momento Filipe abriu a porta do gabinete e, dirigindo-se aos dois, disse:
— Vamos jantar.
Capítulo V: Jantar Conversado
Ao escutar aquele aviso animador que, repetido pela boca de Filipe, tinha chegado até o gabinete onde conversavam Augusto e Fabrício, raios de alegria brilhavam em todos os semblantes. Cada cavalheiro deu o braço a uma senhora e, par a par, se dirigiram para a sala de jantar. Eram, entre senhoras e homens, vinte e seis pessoas.
Coube a Augusto a glória de ficar entre d. Quinquina, que lhe dera a honra de aceitar seu braço direito, e uma jovem de quinze anos, cuja cintura se podia abraçar completamente com as mãos. Um velho alemão ficava à esquerda dela e, sem vaidade, podia Augusto afirmar que d. Clementina prestava mais atenção a ele que ao jagodes, que, também, a falar a verdade, por seu turno, mais se importava com o copo que com a moça.
D. Quinquina (como a chamam suas amigas) conversa sofrível e sentimentalmente: é meiga, terna, pudibunda, e mostra ser muito modesta. Seu moral é belo e lânguido como seu rosto; um apurado observador, por mais que contra ela se dispusesse, não passaria de classificá-la entre as sonsas. D. Clementina pertencia, decididamente, a outro gênero: o que ela é lhe estão dizendo dois olhos vivos e perspicazes e um sorriso que lhe está tão assíduo nos lábios, como o copo de vinho nos do alemão. D. Clementina é um epigrama interminável; não poupa a melhor de suas camaradas: sua vivacidade e espírito se empregam sempre em descobrir e patentear nas outras as melhores brechas, para abatê-las na opinião dos homens com quem pratica.
Durante as primeiras cobertas ela dissertou maravilhosamente acerca de suas companheiras. Maliciosa e picante, lançou sobre elas o ridículo, que manejava, e os sorrisos de Augusto, que com destreza desafiava. As únicas que lhe haviam escapado eram d. Quinquina, provavelmente por ficar-lhe muito vizinha, e a irmã de Filipe, que estava defronte ou como é moda dizer — vis-à-vis.
Augusto quis provocar os tiros de d. Clementina contra aquela menina impertinente, que tão pouco lhe agradava.
— E que pensa V. S.ª desta jovem senhora que está defronte de nós? perguntou ele em voz baixa.
Quem?... A Moreninha?... respondeu ela no mesmo tom. Falo da irmã de Filipe, minha