Memórias ocultas - Perseguindo os sonhos. Andrea Laurence
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Estava muito bonita. Tinha um lenço de flores no pescoço que combinava com o fato de calças azul e os seus olhos verdes. Quis levantar o braço para lhe mexer no lenço, mas a tala impediu-a. Sem saber porquê, tinha pensado que uma ligeira mudança de posição daria um ar mais moderno e favorecedor ao lenço.
– O Will está aqui, querida – Pauline carregou no botão para levantar a cabeceira da cama de hospital.
Ela passou a mão pelo cabelo e ajustou a tala para que o gesso lhe incomodasse menos. Quando se conseguiu endireitar, viu Will sentado nos pés da cama. Diziam que era o seu noivo. Quando olhava para aquele homem bonito e bem vestido, custava-lhe a crer. Tinha o cabelo castanho muito curto e traços angulosos e aristocráticos, exceto pelos lábios carnudos. Os olhos eram azuis, mas não sabia bem de que tom porque olhar diretamente para ele incomodava-a muito. Não sabia se pela forma como a observava e estudava, se pela falta de emoção que via no seu olhar.
Não sabia nada de nada mas, nas últimas semanas, tinha percebido que não gostava do seu namorado. Sentava-se sempre longe dela e observava-a com o sobrolho franzido; ou parecia desconfiado e confuso com o que dizia, ou indiferente em relação a ela e ao seu estado. Isso dava-lhe vontade de chorar, mas disfarçava. Assim que se inquietava um pouco, as enfermeiras vinham a correr com calmantes que lhe deixavam tudo dormente, até o coração.
Gostava de reparar na roupa das pessoas e como a combinavam, de modo que decidiu concentrar-se nisso. Ele estava com um fato cinzento escuro, camisa azul e gravata de losangos. Dirigia um jornal e só podia visitá-la à hora de almoço ou depois do trabalho, exceto se tivesse reuniões. E tinha muitas.
Ou isso, ou era uma desculpa para não ir vê-la.
– Olá, Will – disse, mas não soou como queria. As múltiplas operações que tinham feito ao seu rosto estavam a sarar bem, mas ainda iam demorar a cicatrizar. Tinha perdido todos os dentes no acidente. Tinham-lhe implantado novos, mas sentia-os estranhos na boca. Embora já lhe tivessem tirado os pontos e tivesse baixado o inchaço, custava-lhe vocalizar.
– Deixo-vos sozinhos – disse Pauline. – Queres que te traga um café, Will?
– Não, estou bem, obrigado.
A sua mãe saiu, deixando-os sozinhos no grande quarto privado, reservado para pacientes VIP. Pelos vistos, ela era VIP porque a sua família tinha feito um donativo chorudo uns anos antes.
– Como estás hoje, Cynthia?
– Bastante bem, obrigado. Como estás tu?
– Estou bem – Will franziu a testa um momento. – Ocupado, como sempre.
– Pareces cansado – disse ela. Não sabia que aspeto tinha normalmente, mas estava com olheiras. – Dormes bem?
– Nem por isso – admitiu ele após uma breve pausa. – Tem sido num mês muito stressante.
– Precisavas de um bocadinho disto – disse ela, tocando no fio da via intravenosa. – Dormes dezasseis horas como um bebé, quer queiras quer não.
Ficou contente por ver que Will sorria. Era a primeira vez que via o seu sorriso desde que saíra do hospital. Desejou ouvi-lo a rir. Ele irradiava segurança e sexualidade; não duvidava que o seu riso devia ser muito sexy.
– Aposto que sim – disse ele, incomodado.
Ela nunca sabia o que dizer-lhe. Recebia visitas constantes de amigos e parentes, aos que juraria nunca ter visto na vida, mas nenhumas eram tão incómodas como as de Will. Quanto mais amável era, mais distante ele ficava, quase como se não esperasse que ela o tratasse bem.
– Tenho uma coisa para ti.
– A sério? – ela endireitou-se um pouco mais.
No início, tinham-lhe inundado o quarto de presentes. E continuavam a chegar ramos de flores da família e mesmo de desconhecidos que tinham lido a sua história nas notícias. Ser uma das três sobreviventes de um acidente de avião era digno de muitas manchetes.
– A companhia aérea ligou-me. Continuam a classificar os restos do avião e encontraram isto. A inscrição a laser do número de série do diamante levou-os a mim – tirou uma caixinha de veludo do bolso. Abriu-a e revelou um enorme anel de diamantes.
– É muito bonito.
Pela cara de Will, não era a resposta certa.
– É o teu anel de noivado.
Ela esteve prestes a desmanchar-se a rir, mas ao ver a sua expressão séria, conteve-se.
– O meu? – parecia-lhe absolutamente descabido ser dona de um anel como aquele. Observou Will a colocar-lhe o anel no dedo, na mão esquerda. Estava-lhe um pouco justo, mas tinha os dedos inchados por causa do braço partido. Olhou para o anel e sentiu uma familiaridade vaga. – A verdade é que sim, parece-me tê-lo visto antes – os médicos tinham pedido que comentasse tudo o que parecesse trazer-lhe alguma recordação.
– Isso é bom. É bom, se te é familiar é porque já o viste antes. Mandei-o limpar e analisar, mas queria trazer-te. Não é de estranhar que o perdesses no acidente. Tanto fazer dieta para o casamento, estava-te solto.
– E agora está-me demasiado apertado e pareço a derrotada de um combate de boxe – disse ela com uma careta que lhe provocou uma pontada de dor na bochecha.
– Não te preocupes, há tempo de sobra. Estamos em outubro. Em maio já deves estar recuperada.
– Em maio no Plaza – disse ela, sem saber por que se lembrava daquilo em concreto.
– Pouco a pouco deve ir voltando tudo – disse ele com um sorriso que os seus olhos não refletiam. Levantou-se e guardou a caixa no bolso. – Hoje à noite vou jantar com o Alex, de modo que será melhor ir-me embora.
Ela lembrava-se da visita de Alex na semana anterior. Era amigo de Will desde a escola, e um sedutor. Mesmo com o seu aspeto, tinha-lhe dito que era uma beldade e que, caso não estivessem noivos, a roubaria a Will. Mesmo que fosse mentira, ela agradecera o esforço.
– Divirtam-se. Acho que aqui devemos jantar frango de borracha com arroz.
Will riu-se suavemente e acariciou-lhe a mão.
– Vejo-te amanhã – disse.
Assim que a tocou, ela sentiu um arrepio familiar nas costas. Em vez de sentir dor, cada terminação nervosa do seu corpo reagiu com interesse. Involuntariamente, apertou-lhe a mão para prolongar a ligação que almejava.
O contacto com ele era melhor do que a morfina. O simples roçar dos dedos dele na pele fazia-a sentir-se viva e excitada. Era assim desde a primeira vez que ele lhe beijara o dorso da mão. Ainda que o seu cérebro não reconhecesse a imagem, o seu corpo reconhecia o seu amante.
Will olhou para a sua mão e depois para ela com uma curiosidade que a fez perguntar-se se ele sentia a mesma ligação. Então, percebeu que os seus olhos eram azul-acinzentado. Por um momento pareceram suaves e recetivos,