A novela gráfica como género literário. Alexandra Dias

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A novela gráfica como género literário - Alexandra Dias

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a estratégia narrativa é totalmente submetida à organização espacial e comandada por ela. O discurso suscitaria ou ditaria, à medida do seu desenvolvimento, o número, a dimensão e a disposição das vinhetas, dispondo-se dentro de uma forma. Esta forma é precisamente o dispositivo espaciotópico, uma das chaves da espaciotopia, e também uma das chaves do sistema da banda desenhada, um complexo de unidades, de parâmetros e de funções126. No momento de produzir a primeira vinheta em banda desenhada, o autor já tomou algumas opções estratégicas, ainda que possam vir a ser modificadas depois, que têm a ver com a distribuição dos espaços e a ocupação dos lugares. É da competência da paginação a gestão do espaço da página, a especificação das opções e a atribuição a cada prancha da sua configuração definitiva.

      A banda desenhada não é apenas a arte do fragmento e da distribuição, ela é também a arte da conjugação, da repetição e do encadeamento. É no interior do dispositivo espaciotópico que Groensteen distingue dois graus nas relações que se podem estabelecer entre as imagens127. As relações elementares, de tipo ←52 | 53→linear, constituem aquilo que Groensteen denominará artrologia restrita. Governadas pela operação de montagem, isto é, segmentação e disposição, colocam em ordem os sintagmas sequenciais, frequentemente subordinados a fins narrativos. É a este nível que intervém prioritariamente a componente escrita como operador complementar da narração. As outras relações, translineares ou distantes, pertencem à artrologia geral e recusam todas as modalidades do entrelaçamento (isto é, a operação que, desde o momento da criação do texto em banda desenhada, programa e efetua séries de sentido no interior da sequência narrativa128). Estas representam um nível mais elaborado de integração entre o fluxo narrativo e o dispositivo espaciotópico, cuja componente essencial, tal como a nomeou Van Lier, é o multiquadro. Este termo sugere, além da ideia de multiplicidade, a redução das imagens à sua moldura, ao contorno, e especialmente ao traço que a delimita. Permite imaginar uma banda desenhada vazia, sem conteúdos icónicos e verbais, e constituída por uma série finita de quadradinhos solidários entre si, ou seja, permite imaginar uma banda desenhada provisoriamente reduzida aos seus parâmetros espaciotópicos. São três os parâmetros espaciotópicos, os dois primeiros de natureza geométrica, a forma e a superfície, e, o terceiro, o «sítio» ou posição ocupada pelo quadradinho na página:

      […] il faut déjà mobiliser trois paramètres si l’on veut décrire avec précision une vignette quelconque, sans préjuger de son contenu. Ces paramètres spatio-topiques sont toujours observables, même si la vignette est (…) vide. Les deux premiers sont géométriques : ce sont la forme de la vignette (rectangulaire, carré, ronde, trapézoïdale, etc.) et sa superficie, mesurable en centimètres carrés. Ils définissent la vignette en tant qu’espace. Cette dimension spatiale de la vignette se résume et s’incarne dans le cadre. Le cadre est à la fois trace et mesure de l’espace habité par l’image.

      Le troisième paramètre, qui est le site de la vignette, concerne son emplacement dans la page et, au delà, dans l’œuvre entière129.

      Este terceiro parâmetro determina o protocolo de leitura, dado que é a partir da localização das diferentes componentes do multiquadro que o leitor estabelece o percurso a seguir.

      ←53 | 54→

      A representação de um multiquadro pode ser observada a partir desta adaptação de uma prancha do desenhador português Vyktor a uma grelha vazia.

      A integração e a articulação a nível espacial representam os processos fundamentais da narrativa em banda desenhada:

      (…) les articulations du discours de la bande dessinée portent indissociablement sur des contenus-incarnés-dans-un-espace, ou si l’on préfère sur des espaces-investis-d’un-contenu. La spatio-topie est donc une partie de l’arthrologie, un sous- ensemble arbitrairement découpé, et sans autre autonomie que celle que veut bien lui reconnaître, à un moment donné, la recherche, à des fins heuristiques. Il est utile en effet, pour appréhender certains niveaux de fonctionnement du langage de la bande dessinée, d’opérer intellectuellement cette réduction de la planche à un assemblage de cadres et de bulles vides. Dans la réalité, cet assemblage n’est nulle part observable comme tel, et n’a pas même préexisté, sous une forme déjà si élaborée, à la version finale, complète, de l’objet planche130.

      Ao longo do processo de elaboração de uma banda desenhada – e ela começa por ser uma forma mental – é necessário desenvolver uma espécie de diálogo com este meio artístico, verificar a viabilidade e a aplicabilidade de um determinado ←54 | 55→argumento a um encadeamento em «molduras». A espaciotopia é o ponto de vista que podemos ter sobre a banda desenhada antes de pensar numa história em particular, e a partir do qual é possível pensar numa nova possibilidade do meio. Quando se dá forma a um conteúdo, quando uma história preenche o multiquadro, a questão dos encadeamentos e das articulações torna-se preponderante. Articular os materiais icónicos e linguísticos é uma tarefa da montagem. Articular os quadradinhos é tarefa da paginação. Montagem e paginação são as duas operações fundamentais da artrologia que a operação de entrelaçamento remata eventualmente. Ambas se servem dos elementos que dependem da espaciotopia. A paginação assegura a integração e a gestão dos parâmetros espaciotópicos de uma banda desenhada, não só por estabelecer relações proporcionais e posicionais entre os quadradinhos, já preenchidos pelos seus conteúdos verbais e icónicos, mas também por assegurar o seu grau de autonomia percetiva131.

      Desde o instante em que o autor confia à linguagem da banda desenhada a história que pretende contar, ele pensa essa história, e a sua obra nasce no interior de uma forma mental determinada que é necessário gerir esteticamente e traçar através de signos. Não se tratando de uma forma de escrita pictogramática, a escrita da banda desenhada possui outras especificidades que observaremos a seguir.

      A importância de Töpffer não residiu apenas na reflexão teórica sobre esta nova forma artística, como já dissemos; a sua obra antecipa aquilo que viria a ser a banda desenhada contemporânea. Benôit Peeters salienta que Töpffer, ao utilizar de forma brilhante a sua limitada capacidade de desenhar, criou um novo tipo de escrita, a escrita por imagens132.

      L’on peut écrire des histoires avec des chapitres, des lignes, des mots: c’est de la littérature proprement dite. L’on peut écrire des histoires avec des successions de scènes représentées graphiquement : c’est de la littérature en estampes133.

      Se considerarmos, com Roland Barthes, que a literatura não é um conjunto de obras, mas sim uma prática de escrita134, a literatura em estampas é o exemplo ←55 | 56→extremo da rutura com a conceção logocêntrica preconizada por Derrida135. Assim, a escrita da novela gráfica, não se limitando a uma prática que decorre da utilização de uma semiótica icónico-verbal, obedece às regras de um código específico e aciona dispositivos de ordem espacial — a espaciotopia, o entrelaçamento e a decupagem —, que, como vimos, são próprios da linguagem da banda desenhada e determinam a conceção e a planificação do ato de escrita, atuando como fator de constrangimento criativo.

      Pensar a banda desenhada enquanto escrita foi o objetivo de um grupo de autores franceses de banda desenhada que, em 1990, criou o grupo OuBaPo (Ouvroir de Bande Dessinée Potentielle). Jean-Cristophe Menu, Patrice Killoffer, Etienne Lécroart, entre outros desenhadores e autores, desenvolveram um programa de aplicação de restrições aos seus desenhos e textos, seguindo o modelo de restrições literárias utilizado, em décadas anteriores, por autores pertencentes ao célebre

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