A novela gráfica como género literário. Alexandra Dias

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A novela gráfica como género literário - Alexandra Dias

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se fala de narrativa em imagens, faz-se referência a dois domínios autónomos, apresentando cada um deles um certo número de características próprias, relativamente às quais banda desenhada e cinema constituem dois subconjuntos. O primeiro destes domínios é o da narrativa e o segundo é o da imagem. Além de serem duas espécies narrativas, filme e banda desenhada têm também em comum o facto de recorrerem à representação, de narrarem através de sequências de imagens. É um dado trivial a existência de uma gramática da imagem: formas, cores, luz e composição são parâmetros sobre os quais cineastas e desenhadores continuam a fundar a parte visual do seu trabalho. De forma diferente do romance, filme e banda desenhada apresentam, de acordo com a terminologia proposta por Metz e retomada por Gaudreault, uma história «em atos» representada pelas próprias personagens. Tanto um como o outro, nos mostram as personagens a agir em vez de nos relatarem as peripécias que sofrem. À narração acrescenta-se um novo modo de comunicação que Thierry Groensteen designa como monstration, termo que tomou de empréstimo a Gaudreault122, e que significa produção de um simulacro analógico. Tanto no cinema como na banda desenhada, monstration e narration são indissociáveis. A literatura romanesca conhece sobretudo a narração, enquanto a pintura e a fotografia conhecem a monstration123.

      Groensteen observa que, se a banda desenhada constitui, como se repete frequentemente, um género misto, é a esta fusão interna de narração e monstration que o deve. De seguida, a combinação de textos e desenho, característica objetiva da banda desenhada, não pode ser estabelecida como um elemento fundamental da sua definição. Em primeiro lugar, porque a história da banda desenhada é ←49 | 50→marcada pela existência de obras «mudas», isto é, sem componente verbal, que, tornando-se exceção à regra, não deixam de ser obras de banda desenhada. Em segundo lugar, a combinação de texto e imagem não constitui um critério suficientemente discriminativo para ser definitivo, já que é uma constante da arte moderna. E em terceiro lugar, na constituição de uma banda desenhada, texto e desenho não têm uma existência proporcional em termos quantitativos.

      Groensteen alerta para o erro que decorre do estabelecimento de uma equivalência entre os termos da soma texto e imagem e os da soma narração e monstration. Se o desenho é o grande agente, exclusivo, da monstration, o texto não é seguramente o único veículo natural e privilegiado da narração. De facto, podemos observar uma grande diversidade de estratégias narrativas utilizadas pela banda desenhada, desde aquela que confia toda a narração ao desenho até àquela que assenta internamente no texto, para a produção de sentido. Na esmagadora maioria dos casos, o essencial da narrativa é transmitido pelo desenho e é este que valida a expressão narrativa em imagens. Esta expressão é reversível, podemos entendê-la como narrativa que incorpora as imagens ou, então, como sequência de imagens que se constitui como uma narrativa.

      O texto de uma banda desenhada não preenche senão uma função narrativa direta. Frequentemente, a componente textual consiste apenas em breves precisões fornecidas pelo narrador quanto às coordenadas espácio-temporais da ação (por exemplo a indicação de uma elipse). No momento em que o texto pretende ultrapassar esta pretensão na narrativa corre o risco de se tornar redundante. Numa banda desenhada, os dois constituintes principais do texto são, por um lado, os diálogos, e, por outro, os comentários que exprimem um ponto de vista subjetivo sobre a ação – esta, geralmente, da passagem principal, objeto e instrumento de uma focalização. A imagem pode reproduzir ou simular todas as atividades humanas, exceto uma, fundamental: a linguagem. As palavras tornam-se difíceis de transpor para outro sistema significante que não a linguagem, por isso não há outra forma a não ser citá-las diretamente, apesar de uma citação ser um elemento estranho, uma peça incorporada.

      As funções precisas e limitadas que reconhecemos ao texto da banda desenhada são precisamente as mesmas que encontramos no cinema. A voz off assegura os comentários e fornece os elementos da interpretação, o que na banda desenhada existe como texto escrito. Os diálogos são ditos em vez de serem escritos, ouvidos em vez de lidos. Apenas muda o suporte material, a função do texto na narrativa não é modificada. Groensteen observa que o facto de o diálogo ser escrito nas vinhetas não lhe confere um estatuto diferente e não seria argumento para definir a banda desenhada como uma sucursal da literatura, um género para- ou infra-literário, ou então teríamos de ver o cinema como ←50 | 51→um retorno à literatura oral. Esta evidência refuta declaradamente, segundo este autor, as teses que reforçam o argumento de que o texto escrito é o aspeto essencial da narrativa em banda desenhada e que, por esse motivo, lhe atribuem o estatuto de literatura gráfica. Rodolphe Töpffer via no texto e na imagem duas componentes proporcionalmente «iguais» da banda desenhada, que definia a partir do caráter misto. Este ponto de vista, sustentável na sua época, deixou de o ser na atualidade. Efetivamente, na economia da banda desenhada, aqueles que reconhecem à componente verbal um estatuto idêntico ao da imagem, partem do princípio de que o escrito é o veículo privilegiado da narrativa. Ora a multiplicidade das espécies narrativas tornou inválido este postulado.

      A banda desenhada é um modo de expressão sequencial, caracterizado pela justaposição de imagens solidárias entre si. Signos icónicos e verbais são dispostos dentro dos limites de unidades mínimas de sentido, os quadradinhos, de cuja organização sequencial resulta a vinheta. Deste caráter sequencial da banda desenhada resulta a designação sequential art, de Will Eisner, que entende a banda desenhada como um meio visual composto por imagens justapostas em sequência linear.

      A unidade espacial de referência da banda desenhada é o quadradinho – porção de espaço isolado pela margem, normalmente de cor branca, delimitada pelo traço do quadro que a isola. É o quadradinho que compõe a tira, que, por sua vez, estrutura a prancha. A prancha corresponde à repartição dos quadradinhos e à composição gráfica da página. Esta redução da página a uma “grelha vazia” lembra a Groensteen dois postulados frequentemente esquecidos pela teoria da banda desenhada. O primeiro é que a banda desenhada é composta por imagens sequenciais solidárias entre si, e o segundo é que as suas imagens se relacionam espacialmente, antes de conhecerem outro tipo de relação, o que constitui desde logo um fator de narratividade124.

      Groensteen, reconhecendo o fundamento da banda desenhada na solidariedade icónica, isto é, no jogo de sucessão e coexistência de imagens, no seu encadeamento diegético e na sua exposição panótica, faz notar que é através da colaboração entre as categorias artrologia e espaciotopia que a imagem sequencial se torna plenamente narrativa, prescindindo do apoio verbal. Considerando necessário adequar ao contexto da banda desenhada os conceitos herdados da investigação semiótica literária e cinematográfica, este autor propõe uma nova terminologia, em Système de la Bande Dessinée, assente nos três termos fundamentais mencionados atrás: espaciotopia, artrologia e entrelaçamento (tressage). ←51 | 52→Estes termos possuem a vantagem de distinguir, sem separar completamente, a descrição dos quadradinhos e a observação das suas coordenadas espaciais:

      […] les paramètres spatio-topiques que je serai appelé à distinguer relèvent tous de la géométrie, qui est la science des figures de l’espace. Il serait donc possible de faire l’économie du néologisme spatio-topie et d’utiliser tout simplement le terme géométrie. Cependant, la terminologie proposée a l’avantage de distinguer, sans les séparer complètement, deux ordres de curiosité : la description des figures (vignettes) en soi, et l’observation de leurs coordonnés en situation125.

      A banda desenhada subjuga as imagens que a compõem através de diferentes tipos de relação. Para qualificar o conjunto de relações, Groensteen utilizará um termo genérico e de larga aceção: o de arthrologie, do grego arthron, que significa «articulação». Toda a imagem desenhada se manifesta e existe num espaço. Pôr em relação os quadradinhos de uma prancha de banda desenhada implica necessariamente relacionar os espaços, concretizar uma partilha do espaço. Serão estes os princípios fundamentais desta distribuição espacial que serão analisados, desde logo, à luz da espaciotopia, termo criado para reunir os conceitos de espaço

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