A novela gráfica como género literário. Alexandra Dias

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A novela gráfica como género literário - Alexandra Dias

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que nasceu sem a dependência de métricas e de rimas, onde todos os modelos haviam já sido explorados e subvertidos, constroem-se novas medidas num exercício de composição inovador. Inventam-se novos jogos de linguagem, importam-se conceitos matemáticos para a literatura, criam-se restrições para produzir um novo meio de escrita literária136. Estas restrições foram a base de muitas publicações, tais como o célebre romance La Disparition, de Perec, escrito sem a letra «e», a vogal mais usada na língua francesa137. Sem um programa estético definido, o objetivo do grupo era inventar ou reinventar regras de tipo formal que permitissem, com uma pequena quantidade de matéria – a verbal – e de mecanismos – as restrições impostas – conceber o maior número de obras literárias. Revigoram-se técnicas da antiga retórica capazes de romper com a ideia de inspiração e de génio como motores de criação, explorando a escrita do ponto de vista técnico.

      Os oulipianos são seguidos não só por novas gerações de escritores, mas também copiados por diversos domínios artísticos, dando origem a uma linhagem de «oficinas» reunidas sob o nome de OuXPo, expressão que designa qualquer arte que se desafia a si própria, explorando e subvertendo as suas potencialidades ←56 | 57→estéticas138. É neste panorama criativo que se inserem os oubapianos. Na primeira publicação, que reúne as experiências de alguns dos seus autores, a OuPus1 apresenta textos teóricos sobre a OuLiPo e a própria OuBaPo. Jean-Christophe Menu refere, no ensaio «Ouvre-Boîte-Po», que, justamente, por ser uma arte à margem, pouco «explorada», a banda desenhada tem muito mais potencialidades a serem descobertas e, sendo uma arte «potencial», presta-se à invenção constante139. Num texto que se tornou fundador, «Un premier bouquet de contraintes»140, publicado no mesmo número da OuPus, Thierry Groensteen, em lugar de invenção, fala em transformação lúdica, introduzindo a noção de «reinterpretação gráfica». A «transformação lúdica» consiste em modificar o estilo gráfico da obra sem alterar o assunto141. Groensteen apresenta exemplos, tais como as reproduções que Moebius fez de algumas personagens da Marvel, nomeadamente, o Homem de Ferro, o Super-Homem e o Homem-Aranha, ou que Bilal fez de Tintin, ou, ainda, as versões manga de personagens de banda desenhada ocidental. Estas representações constituem, apenas, um exercício ilustrativo; no entanto, o facto de o traço dos seus artistas ser conhecido, cruzado com aquelas personagens, também conhecidas, leva a que se crie um espaço ficcional, potencial, onde se mantém o conteúdo mas se altera a forma, ainda que esta alteração conduza necessariamente à modificação da mensagem semântica.

      A prática levada a cabo pela OuBaPo abraça experiências que fogem à narrativa clássica da banda desenhada, mas nem sempre se distingue, de forma clara, da prática da banda desenhada experimental, pois admite muitas formas de realização que se destacam pelo uso não convencional dos seus códigos de expressão que, sem assentarem em mecanismos de constrangimento assumidos enquanto tal, são explorados, subvertendo os códigos tradicionais. Esta atitude de subversão, assim como a insatisfação quanto à visibilidade artística, a resistência aos clichés sobre a banda desenhada e à desvalorização do género caracteriza todo o grupo que tem como regra a imposição de entraves: escrever a partir de técnicas restritivas e somente a partir delas. Deste modo, o grupo explora as estruturas artísticas da linguagem da banda desenhada, estabelece escolhas editoriais, que não as padronizadas, reinventando o livro enquanto objeto; reabilita estratégias surrealistas como a exploração de associações de ideias e de sonhos e privilegia ←57 | 58→registos autobiográficos. Desenvolve restrições como a eliminação de elementos estruturantes: a narrativa, o texto ou mesmo a imagem, de que são exemplo as histórias sem personagens, as narrativas em 3D e as sequências icónico-verbais poéticas, desprovidas de dimensão diegética.

      Os constrangimentos estudados, e usados, pela OuLiPo, segundo Thierry Groensteen, no texto já citado, podem aplicar-se de forma idêntica à banda desenhada, pois aquilo que distingue a banda desenhada potencial da literatura potencial é o mesmo que distingue a banda desenhada convencional da literatura convencional. Na interseção entre o domínio literário e o da banda desenhada, o autor recorda que ambas têm em comum veicular e produzir um discurso; no entanto, a literatura é feita exclusivamente de palavras e de signos tipográficos que entram frequentemente, mas não obrigatoriamente, na composição da banda desenhada, onde são confrontados com motivos visuais, esses sim, completamente alheios ao universo literário. Na banda desenhada, o texto é um elemento facultativo e, estando presente, a sua relevância é de grau variável142. Para determinados semiólogos, a essência da banda desenhada é fundada na combinação do texto e do desenho, na sua irredutível mistura, o que constituía a convicção de Töpffer, em 1837. Se reconhecemos o texto como um dos dois elementos constitutivos da banda desenhada temos, em consequência, de associar a sua ausência nas silent strips, isto é, nas pranchas sem texto, a uma supressão ou a uma mutilação voluntária. Ainda que em reduzido número, a banda desenhada sem texto marca toda a história da nona arte, razão pela qual Thierry Groensteen considera que o texto é um ingrediente contingente, dispensável à produção de uma banda desenhada143.

      As diferenças entre os dois domínios artísticos são determinantes para melhor identificar o campo de ação da banda desenhada potencial. É o desenho na sua fisicidade que está na base dessa distinção. Primeiro, a banda desenhada e a língua não partilham nem o mesmo alfabeto, nem a mesma sintaxe. É evidente que a sintaxe da banda desenhada é bem distinta, refere Groensteen, porquanto não há uma vinheta que cumpra a função sintática de sujeito, de predicado ou de complemento; no entanto, não pode ser negada a existência, no seio da prancha, de um conjunto submetido ao duplo regime da decupagem e da paginação, assim como de múltiplos laços de subordinação e de coordenação entre as imagens144. Os diferentes autores não estão de acordo quanto a poder identificar, ←58 | 59→num desenho, pequenas unidades discretas, indivisíveis e em número finito, correspondendo a um alfabeto. Na banda desenhada, são as relações entre os componentes da mesma imagem – nível morfológico – e as relações entre as vinhetas contíguas – nível sintático – que são semanticamente determinantes. Assim, os constrangimentos de tipo oulipiano, assentando na ordem, no número, na extensão ou na natureza das pequenas unidades da língua, não encontram equivalente aplicável à banda desenhada, exceto operar sobre unidades de maior amplitude e já muito elaboradas. A segunda diferença reside na solidariedade existente entre a banda desenhada e o seu suporte. Salvo exceções, como o caligrama e outras formas de texto poético, o texto literário é indiferente à sua repartição no espaço da página e no do livro. O escritor não pensa nele e entrega esta preocupação aos cuidados do editor. Já na banda desenhada, cada vinheta ocupa um local específico. A prancha, enquanto espaço compartimentado, determina uma localização para cada imagem, assim como uma forma e uma superfície. A gestão destes parâmetros constitui não somente uma prerrogativa do desenhador, mas uma parte essencial do seu trabalho. Os parâmetros técnicos do suporte, nomeadamente, o formato do livro, o número de páginas, a impressão a cores ou a preto e branco, entre outras restrições impostas pelo editor em consequência das especificidades da coleção de que fará parte, são constrangimentos que determinam a sua criação e com as quais o autor tem de lidar no momento em que concebe a obra. Para a OuBaPo, esta submissão obrigatória às normas do suporte, de um lado, e a solidariedade natural entre o enunciado e um espaço determinado que lhe corresponde, por outro, têm pelo menos duas consequências. Desde logo, certos constrangimentos que afetam a forma, o número de vinhetas, nomeadamente as técnicas de redução textual que não podem aplicar-se a não ser a bandas desenhadas curtas, uma vez que tecnicamente é muito difícil reduzir a duas ou três pranchas um texto mais extenso. Em seguida, os constrangimentos não podem ser implementados sem uma intervenção sobre o suporte em si: eles obrigam a divergir dos standards editoriais. Assim, a decupagem, as dobras, a introdução de elementos móveis ou páginas com transparências, etc., serão um recurso frequente nas obras oubapianas, pois agir sobre a escrita da banda desenhada é necessariamente agir sobre a imagem e sobre a organização do espaço ou da natureza do suporte145.

      Partindo dos mesmos princípios da OuLiPo, os autores da OuBaPo

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