Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo Romancistas Essenciais

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      — É o meu camarada, disse ainda ela. Vosso irmão?

      — Não senhor, meu... marido.

      — Marido?

      — Sim, eu quero que ele seja meu marido.

      — Deus realize vossos desejos!...

      Acabando de pronunciar estas palavras, o ancião guardou silêncio por alguns instantes... bebeu com sofreguidão um púcaro cheio de água e, olhando de novo para nós, e tendo no rosto um ar de inspiração e em suas palavras um acento profético, exclamou:

      — Seja dado ao homem agonizante lançar seus últimos pensamentos do leito da morte, além dos anos, que já não serão para ele, e penetrar com seus olhares através do véu futuro... Meus filhos, amai-vos e amai-vos muito! A virtude se deve ajuntar, assim como o vício se procura; sim, amai-vos. Eu não vos iludo... vejo lá... bem longe... a promessa realizada! São dois anjos que se unem... vêde!... Os meninos que entraram na casa do miserável, que enxugaram o pranto e mataram a fome da indigência, são abençoados por Deus e unidos em nome d’Ele!... Meus filhos, eu os vejo casados lá no futuro!

      — Oh!... Eis aí outra vez o delírio!... disse a velha, vendo a exaltação e o semblante afogueado do enfermo.

      — Não, minha mãe, continuou ele; não! Não é delírio... Pois quê!... Não pode o Eterno abençoar a virtude pela minha boca?... Oh! Meus meninos! Deus paga sempre a esmola que se dá ao pobre!... Ainda uma vez... lá no futuro... vós o sentireis.

      Nós estávamos espantados: o rosto do ancião se havia tornado rubro, seus olhos flamejantes... Seus lábios tremiam convulsivamente, sua mão rugosa tinha três vezes nos abençoado.

      Escutando suas palavras, eu acreditei que estávamos ouvindo uma profecia infalivelmente realizável, pronunciada por um inspirado do Senhor.

      Não parou aí a nossa admiração. O doente, cujas forças pareciam haver reaparecido subitamente, apoiando-se sobre um dos cotovelos, abriu a gaveta de uma mesa que estava junto

      de seu leito, e tirando de uma pequena e antiga caixa dois breves, os deu à velha dizendo:

      — Minha mãe, descosa esses dois breves.

      A velha, obedecendo pontualmente, os descoseu com prontidão. Os breves eram dois: um verde e outro branco.

      Depois o ancião, voltando-se para mim, disse:

      Menino! Que trazeis convosco que possais oferecer a esta menina?...

      Eu corri com os olhos tudo que em mim havia e só achei para entregar ao admirável homem que me falava um lindo alfinete de camafeu, que meu pai me tinha dado para trazer ao peito: maquinalmente, pus-lhe nas mãos o meu camafeu.

      O velho quebrou o pé do alfinete e dando-o a sua mãe, acrescentou:

      — Minha mãe, cosa dentro do breve branco este camafeu.

      E voltando-se para minha bela camarada, continuou:

      — Menina! Que trazeis convosco que possais oferecer a este menino?...

      A menina, atilada e viva, como já esperando tal pergunta, entregou-lhe um botão de esmeralda que trazia em sua camisinha.

      O velho o deu a sua mãe, dizendo:

      — Minha mãe, cosa esta esmeralda dentro do breve verde.

      Quando as ordens do ancião foram completamente executadas, ele tomou os dois breves e, dando-me o de cor branca, disse-me:

      — Tomai este breve, cuja cor exprime a candura da alma daquela menina. Ele contém o vosso camafeu: se tendes bastante força para ser constante e amar para sempre aquele belo anjo, dai-lho a fim de que ela o guarde com desvelo.

      Eu mal compreendi o que o velho queria: ainda maquinalmente entreguei o breve à linda menina, que o prendeu no cordão de ouro que trazia ao pescoço.

      Chegou a vez dela. O homem deu-lhe o outro breve, dizendo:

      — Tomai este breve, cuja cor exprime as esperanças do coração daquele menino. Ele contém a vossa esmeralda: se tendes bastante força para ser constante e amar para sempre aquele bom anjo, dai-lho, a fim de que ele o guarde com desvelo.

      Minha bela mulher executou a insinuação do velho com prontidão, e eu prendi o breve ao meu pescoço, com uma fita que me deram.

      Quando tudo isto estava feito, o velho prosseguiu ainda:

      — Ide, meus meninos; crescei e sede felizes! Vós olhastes para mim, pobre e miserável, e Deus olhará para vós... Ah! Recebei a bênção de um moribundo!... Recebei-a e sai para não vê-lo expirar!

      Isto dizendo, apertou nossas mãos com força: eu senti, então, que o velho ardia; senti que seu bafo era como vapor de água fervendo, que sua mão era uma brasa que queimava... Sinto ainda sobre os meus dedos o calor abrasador dos seus e agora compreendo que, com efeito, ele delirava quando assim praticou com duas crianças.

      Enfim, nós deixamos aquela morada aflitos e admirados. Sós, nós pensamos no velho e choramos juntos; depois, nas crianças isto não merece reparo, a nossa dor se mitigou, para cuidarmos em brincar outra vez.

      De repente a menina olhou para mim e disse:

      — E quando minha mãe perguntar pela esmeralda?...

      Eu cuidei que lhe respondia, e fiz-lhe igual pergunta:

      — E quando meu pai perguntar pelo meu camafeu?

      Ficamos olhando um para o outro; passados alguns instantes, minha linda mulher, que me parecera estar pensando, disse sorrindo-se.

      — Eu vou pregar uma mentira.

      — E qual?

      — Eu direi a minha mãe que perdi a minha esmeralda na praia.

      — E eu responderei a meu pai que perdi o meu camafeu nas pedras.

      — Eles mandarão procurar, sem dúvida...

      — E, não o achando, esquecer-se-ão disso.

      — E os breves?... Nós os guardaremos?...

      — O velho disse que sim. Para que será isto?...

      — Disse que é para nos casarmos quando formos grandes.

      — Pois então nós os guardaremos.

      — Oh! Eu o prometo.

      — Eu o juro.

      Neste momento soou ave-maria.

      — Tão tarde! exclamou a menina...minha mãe ralhará comigo!

      E, dizendo isto, correu, esquecendo-se até de despedir-se de mim. Esse fatal descuido acabava de entristecer-me, quando ela, já de longe, voltou-se para onde eu estava e, mostrando-me o breve branco, gritou:

      —

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