Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo Romancistas Essenciais

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cantou.

      Seu canto era triste e selvagem, mas terno canto. Dizem que um velho frade português, ouvindo-o por tradição ao depois de muitos anos, o traduziu para a nossa língua e fez dele uma balada, a qual minha neta canta.

      Todos os dias, ao romper da aurora, a pobre Ahy subia ao rochedo, que serve de teto a esta gruta, e esperava a piroga de Aoitin. Mal a avistava ao longe, chorava e cantava horas inteiras, sem descanso, até que se partia o bárbaro que nunca dela dera fé, nem mesmo quando, dormindo na gruta, o canto soava sobre a sua cabeça.

      Mas Ahy era tão formosa e sua voz tão sonora e terna, que o mesmo que não pôde vencer do insensível moço, pôde do bruto rochedo: com efeito, seu canto havia amolecido a rocha e as suas lágrimas a traspassaram.

      E o mancebo vinha sempre e sempre, e ela cantava e chorava e nunca ele a atendia.

      Uma vez, e já então o rochedo estava todo traspassado pelas lágrimas da virgem selvagem, uma vez veio Aoitin e, como das outras, não olhou para Ahy, nem lhe escutou as sentidas cantigas; entregou-se a seus prazeres e, quando se sentiu fatigado, entrou na gruta e adormeceu num leito de verde relva; mas, ao tempo que em mais sossego dormia, duas gotas das lágrimas de amor, que tinham passado através do rochedo, caíram-lhe sobre as pálpebras, que lhe cerravam os olhos. Aoitin despertou; e tomando suas flechas, correu para o mar, mas, saltando dentro de sua piroga e afastando-se da ilha, ele viu sobre o rochedo a jovem Ahy e disse bem alto:

      — Linda moça!

      No outro dia ele voltou e já então olhou para a virgem selvagem, mas não ouviu ainda o canto dela; depois de caçar veio, como sempre, adormecer na gruta; e, dessa vez, a gota de lágrimas lhe veio cair no ouvido; e na volta não só admirou a beleza da jovem, como, ouvindo a terna cantiga, disse bem alto:

      A voz sonora!

      Terceiro dia amanheceu e Aoitin viu e ouviu Ahy, caçou e cansou, veio repousar na gruta e dessa vez a gota de lágrima lhe caiu no lugar do coração e, quando voltava, disse bem alto:

      — Sinto amar-te!

      Ora, parece que nada mais faltava a Ahy, e que a ela cumpria responder a este último grito de Aoitin, confessando também o seu amor tão antigo; mas a natureza da mulher é a mesma, tanto na selvagem, como na civilizada. A mulher deseja ser amada, fingindo não amar; deseja ser senhora do mesmo de quem é escrava: e pois Ahy nada respondeu; mas riu-se, e suas lágrimas secaram; porém já a esse tempo as muitas que havia derramado tinham dado origem a esta fonte, que ainda hoje existe.

      No dia seguinte veio Aoitin, e viu a sua amada, que já não cantava, nem chorava: mesmo antes de abicar à praia, foi clamando:

      — Sinto amar-te!

      E Ahy não respondeu, e só sorriu-se.

      Nada de caça... nada de pesca... já o insensível era escravo e não vivia longe do encanto que o prendia: correu, pois, para a gruta, deitou-se mas não dormiu. Quem ama não dorme; sentiu que em suas veias corria sangue ardente, que seu coração estava em fogo: era a febre do amor... Aoitin teve sede, e a dois passos viu a fonte que manava; correu açodado para o pé dela e, ajuntando as suas mãos, foi bebendo as lágrimas de amor. A cada trago que bebia, um raio de esperança lhe brilhava, e quando a sede foi saciada já estava feliz: a fonte era milagrosa.

      As lágrimas de amor, que haviam tido o poder de tornar amante o insensível mancebo, não puderam esconder a sua origem e fizeram com que Aoitin conhecesse que era amado.

      Então ele não mais buscou sua piroga. Saindo da gruta, fez um rodeio e foi, de manso, trepando pelo rochedo, até chegar junto de Ahy, que, com os olhos na praia do lado oposto, esperava ver partir o seu amante e ouvir o seu belo grito:

      — Sinto amar-te!

      Mas de repente ela estremeceu, porque uma mão estava sobre seu ombro; e quando olhou, viu Aoitin, que, sorrindo-se, lhe disse de um tom seguro e terno:

      — Tu me amas!

      Ahy não respondeu, mas também não fugiu dos braços de Aoitin, nem ficou devendo o beijo que nesse instante lhe estalou na face.

      Desde então foram felizes na vida, e foi numa mesma hora que morreram ambos.

      A fonte nunca mais deixou de existir, e há ainda quem acredite que por desconhecido encanto conserva duas grandes virtudes...

      Dizem, pois, que quem bebe desta água não sai da nossa ilha sem amar alguém dela e volta, por força, em demanda do objeto amado; e em segundo lugar, querem também alguns que algumas gotas bastam para fazer a quem bebe adivinhar os segredos de amor.

      — Terminei aqui a minha história, disse a sra. d. Ana, respirando.

      — E eu sou capaz de jurar, disse Augusto, que pela terceira vez sinto o ruído de alguém que se retira correndo.

      — Pois examine depressa.

      Augusto correu à porta e voltou logo depois.

      — E então?... perguntou a sra. d. Ana.

      — Ninguém, respondeu o estudante.

      — E vê alguém no jardim?...

      Apenas a sra. d. Carolina, que vai apressadamente para o rochedo.

      — Sempre minha neta!...

      E eu, minha senhora, tenho que pedir-lhe uma graça.

      — Diga.

      — Rogo-lhe que, por sua intervenção, me facilite o prazer de ouvir sua linda neta cantar a balada de Ahy, que tanto me interessou com o seu amor.

      — Oh! ... Não carece pedir: não a ouve cantar sobre o rochedo?... É a balada.

      — Será possível?!

      — Adivinhou o seu pensamento.

      Capítulo X: A balada do rochedo

      A hóspeda e o estudante deixaram então a gruta e, tomando o do jardim para vencer a altura do rochedo, viram a bela Moreninha em pé e voltada para o mar, com seus cabelos negros divididos em duas tranças que caíam pelas espáduas, e cantando com terna voz o seguinte:

      I

      Eu tenho quinze anos

      E sou morena e linda!

      Mas amo e não me amam

      E tenho amor ainda.

      E por tão triste amar,

      Aqui venho chorar.

      II

      O riso de meus lábios

      Há muito que murchou;

      Aquele que eu adoro

      Ah! Foi quem matou;

      Ao riso, que morreu,

      O pranto sucedeu.

      III

      O

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