Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo
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Читать онлайн книгу Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo страница 17
Um dia tratamos de encontrar-nos em certa igreja, onde tinha de haver esplêndida festa; cheguei cedo, mas logo depois de minha chegada rebentou uma tempestade e choveu prodigiosamente. Pouco durou o mau tempo, porém as ruas deveriam ter ficado alagadas e a bela esperada não podia vir; apesar disso eu olhava a todos os momentos para a porta e, coisa notável, sempre encontrava os olhos de um outro moço, que se dirigiam também para lá; acabada a festa, ambos nos aproximamos.
— Nós devemos ser amigos, disse ele.
— Eu penso do mesmo modo, respondi.
E apertamos as mãos.
— Sou capaz de jurar que adivinho a razão por que o senhor olhava tanto para aquela porta, continuou ele.
— E eu também.
Convenho: esperávamos ambos nossas amadas e a chuva mangaram conosco.
— Exatamente.
— Mas nós vamos, sem dúvida, vingar-nos, indo agora vê-las à janela.
— Eu queria propor a mesma vingança.
Bravo! ... Iremos juntos... Onde mora a sua?...
— Na rua de...
— Ainda melhor... a minha é na mesma rua.
Saímos da igreja, embraçamo-nos e fomos. A minha amada morava perto, eu avistei-a debruçada na janela, talvez me esperando, pois olhava para o lado donde eu vinha; abri a boca para dizer ao meu novo amigo:.é aquela!... Quando ele me pronunciou com indizível prazer: é aquela!
Julgue, minha senhora, da minha exasperação! Pela terceira vez eu era a boneca de uma menina!...
Não sei por que ainda tive ânimo de tirar o meu chapéu à tal pálida, que ao menos dessa vez se fez cor-de-rosa, talvez por ver-me de braço com o novo amigo.
Passando a maldita casa, Jorge, que assim se chamava o moço, disse-me com fogo:
— Aquela jovem adora-me!
— Está certo disso, meu amigo?
— Tenho provas.
— Acredita muito nelas?
— Tenho as mais fortes; por último recebi ainda a de maior confiança: eu lhe conto. Um estudante a requestou e escreveu-lhe; ela mandou-me a carta, e eu respondi em seu lugar. A correspondência tem continuado por minha vontade e sou eu quem sempre faço a norma das cartas que ela deve escrever; achará isto imprudência, e eu acho um belo divertimento.
— Sim... um belo divertimento...
— Mas que é isso? Está tão pálido!
— Não é coisa de cuidado... Eu... ora... o estudante...
— É por certo um famoso pateta...
— Não é bom ir tão longe...
— Não tem dúvida... é um tolo rematado.
— Fale-me a verdade: eu acho aquela moça com cara de ser sua prima.
— Quem lhe disse?... E, com efeito, minha prima!
— Pois vamos à minha casa.
— E a sua amada?...
— Não me fale mais nela.
Apenas chegamos à minha casa, abri uma gaveta, e tirando dela todas as cartas que Jorge havia escrito à sua prima, e que ela me tinha mandado, assim como as normas que eu redigira para as que deveriam ser enviadas ao meu amigo, acrescentando:
— Concordemos ambos que, se o estudante foi um famoso pateta e um tolo rematado, não o foi menos o primo daquela senhora a quem cortejamos na rua de...
Jorge devorou todas as cartas e normas que lhe dei; depois desatou a rir e, abraçando-me, exclamou:
— Concordemos também, caro estudante, que minha prima tem bastante habilidade para se corresponder com meio mundo, sem se incomodar com o trabalho da redação de suas cartas!
O bom humor de Jorge tornou-me alegre. Jantamos juntos, rimo-nos todo o dia, e só de noite se retirou.
Tratei de dormir, mas, antes de adormecer, falei ainda comigo mesmo: juro que não hei de amar a moça nenhuma de cor pálida.
Desde então declarei guerra ao amor, minha senhora; tornei-me ao que era dantes, isto é, ocupei-me somente em me lembrar de minha mulher e em beijar o meu breve.
Mas eu andava triste e abatido e às vezes pensava assim: ora, pois jurei não amar moça nenhuma que fosse morena, corada ou pálida: estas são as cores, estes são os tipos da beleza... e, portanto, minha mulher terá, a pesar meu, uma das tais cores; logo não me caso com minha mulher e, em última conclusão, serei celibatário; vou ser frade... frade!
Minha tristeza, meu abatimento deu nos olhos da digna, jovial e espirituosa esposa de um de meus bons amigos. Ela me pediu que lhe confiasse as minhas penas e eu não pude deixar de relatar estes três fatos à consorte de um caro amigo.
A única consolação que tive foi vê-la correr para o piano, e ouvi-la cantar as seguintes e outras quadrinhas musicadas no gosto nacional:
I
Menina solteira
Que almeja casar
Não caia em amar
A homem algum;
Nem se/a notável
Por sua esquivança,
Não tire a esperança
De amante nenhum.
II
Mereçam-lhe todos
Olhares ardentes,
Suspiros ferventes
Bem pode soltar:
Não negue a nenhum
Protestos de amor;
A qualquer que for
O pode jurar.
III
Os velhos não devem
Formar exceção,
Porquanto eles são
Um grande partido;
Que, em falta de moço
Que fortuna faça,
Nunca foi desgraça
Um velho marido.