Batalha de amor - Uma dama para o cavaleiro. Margaret Moore
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Amparada pelo orgulho do nome da sua família, Gabriella girou nos calcanhares e dirigiu-se à entrada de serviço do castelo.
Apesar do que se passara no pátio, a cozinha fervilhava com os preparativos para o banquete daquela noite, que a própria Gabriella decidira oferecer, e que acabaria com o último stock de mantimentos que o seu pai mandara comprar. Tanto ela quanto o cozinheiro orgulhavam-se daquela refeição especial, embora por motivos diferentes. Gabriella tinha em mente a honra da família; Guido queria garantir a sua posição no castelo, impressionando o novo amo.
Uma das criadas avistou Gabriella e deixou escapar uma exclamação de espanto. Em seguida, os demais tomaram consciência da sua presença e um ligeiro constrangimento tomou conta de todos, até que Guido se aproximou dela, com as mãos estendidas, cobertas de farinha.
– Milady! – exclamou ele, com o sotaque italiano mais acentuado em consequência da indignação. – Que coisa terrível! O barão está longe de ser um cavalheiro! Sente-se aqui.
O cozinheiro indicou uma pilha de sacos de farinha.
Gabriella sorriu, segura da afeição daquela gente, e de que tomara a decisão acertada.
– Não, Guido – retorquiu, com firmeza. – Se vou ser uma serva, é melhor começar logo a trabalhar.
Os demais servos trocaram olhares chocados.
– Milady! – começou James, o padeiro. – A sua santa mãe...
– Descansa em paz, no túmulo – apressou-se Gabriella a dizer, tentando combater a dor e o ressentimento. – O barão fez-me um ultimato e eu fiz a minha escolha, da qual não me arrependo. Agora, vejamos... as flores já estão nas mesas?
– Não, milady – respondeu uma jovem chamada Alda, gesticulando com a cabeça na direcção dos molhos de beijos-de-freira, cujos pés já tinham sido aparados.
– Muito bem. Eu trato disso. – Gabriella pegou numa braçada de flores e dirigiu-se para o corredor, em direcção ao salão.
– Alda, vai ajudá-la – ordenou Guido.
Gabriella detectou o respeito na voz do cozinheiro, e sentiu-se subitamente melhor. Os servos do castelo sempre tinham sido deferentes para com ela, mas ela nunca estivera tão consciente do respeito que lhe dedicavam. E, naquele momento, não era porque ela fosse filha de quem era, e sim por ela mesma.
Enquanto Gabriella esperava que Alda fosse buscar mais flores e a acompanhasse, Guido espreitou para dentro de uma panela borbulhante, como um alquimista que espera que o chumbo se transforme em ouro; como se o destino do reino dependesse da execução da sua tarefa. James ocupou-se a desenformar uma sobremesa, fazendo uma pausa para dedicar um largo sorriso a Gabriella.
E o barão acreditara que ela se ia embora!
Durante o jantar, Etienne DeGuerre permitiu-se um ligeiro e raro sorriso de satisfação. O rei não mentira ao afirmar que o conde de Westborough, embora não fosse um guerreiro, era esperto e meticuloso na construção de defesas. Aquele castelo era mais seguro que todas as fortalezas que Etienne já vira. O muro externo devia medir uns seis metros, por dois de espessura. O muro interno era ainda mais alto e mais largo, construído de forma a possibilitar aos arqueiros proteger ou derrotar soldados encurralados entre um e outro. O recinto da portaria era quase tão grande quanto o estábulo, fortificado por uma ponte levadiça e por uma sólida porta de carvalho reforçada com barras de ferro. Acima e atrás da ponte levadiça ficava o orifício da morte, através do qual podiam ser lançadas pedras, ou óleo a ferver, a fatalidade de qualquer inimigo que se encontrasse entre a ponte e o muro externo.
O conde também fora um homem dotado de sentido de localização. O castelo fora construído sobre uma suave elevação, na confluência de dois rios, um ponto de indiscutível importância estratégica. A decoração luxuosa era algo novo na experiência de Etienne. Ele não desaprovava o estilo; durante anos, sobrevivera com as mais básicas necessidades. A beleza exterior daquela fortaleza parecia significar que todos aqueles anos de luta tinham, finalmente, ficado para trás. Não que ele pudesse ter já tranquilidade na vida, reflectiu, observando Philippe de Varenne a conversar com George.
O jovem cavaleiro era um fanfarrão genioso e ambicioso, mas pertencia a uma família nobre e rica, e Etienne não tinha dúvida de que ele em breve o deixaria por outro amo que tivesse mais para oferecer. Estava, portanto, disposto a tolerar a presença de Philippe, principalmente porque o cavaleiro era generoso quando se tratava de gastar o próprio dinheiro, e habitualmente pagava refeições em tabernas para si e para os amigos, poupando, dessa forma, as economias do barão.
George era um cavaleiro bom e leal, apesar de um pouco indiferente a qualquer coisa que não fossem as suas vestimentas e o facto de ser o homem mais espirituoso da corte. Era um homem com quem Etienne podia contar numa luta; por outro lado, possuía o dom de evitar que os demais expressassem fisicamente os seus desentendimentos.
Em contraste, Donald Bouchard, de família tradicional, porém pobre, era sério demais, e como tal, Etienne suspeitava, do treino rigoroso de Urien Fitzroy, um mestre cuja fama crescia a cada dia, pela habilidade e integridade moral dos seus alunos.
Seldon Vachon beneficiara imensamente da orientação de Fitzroy. Etienne conhecia a família do jovem, um bando de fanfarrões que só arranjavam confusão. Graças à sólida amizade de Donald, no entanto, e ao exemplo de Fitzroy, Seldon era uma excepção dentro da família.
Os demais cavaleiros e escudeiros tinham pontos comuns entre si, todos ambiciosos e ansiosos para agradar ao seu amo e senhor, cada qual à procura de se distinguir mais que o outro. Alguns eram ricos, outros, pobres, porém todos queriam mais, fosse riqueza, fama, ou poder; e todos esperavam alcançar esses objectivos através de Etienne DeGuerre.
Etienne acalentava expectativas semelhantes, e portanto não colocava empecilhos às aspirações dos seus cavaleiros, desde que eles não tentassem progredir às custas do seu prejuízo.
Assim que examinou o interior do salão, Etienne notou imediatamente a discrepância entre o esmerado entalhe na pedra dos batentes das portas e da lareira, o capricho da pintura das paredes e o lustro dos revestimentos de madeira, e a escassez de mobília. Certamente, móveis e objectos de decoração que tinham sido vendidos para pagar as numerosas dívidas do conde. Contudo, com algum capital inicial e o bom gosto de Josephine, aquele salão em breve transformar-se-ia num palco de exibição da riqueza e do poder do barão DeGuerre.
Ele já detectara o toque de Josephine nos vasinhos de flores que decoravam as mesas. Virou-se para ela, satisfeito, como sempre, ao pensar que aquela criatura maravilhosa lhe pertencia, e que os homens o invejavam, além de tudo mais, por causa dela.
– Onde é que encontraste todas estas flores?
A concubina olhou para ele, surpresa.
– Não fui eu, Etienne – respondeu ela, com a meiguice que lhe era peculiar. – Fiquei a arrumar a bagagem até agora há pouco. As servas devem ter enfeitado as mesas.
– Ah... não tem importância – Etienne esticou um braço para se servir de mais um pedaço de pão, apreciando intimamente aquele extravagante banquete. Decorreria um bom tempo antes que ele autorizasse um evento semelhante no castelo, e portanto, o melhor que tinha a fazer era regalar-se às custas do falecido conde.