Castrado. Paulo Nunes

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Castrado - Paulo Nunes

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cortou a própria orelha e deu de presente à sua namorada como gesto de amor? Foi isso que fez? Como teve coragem? Privar-se de parte do seu corpo em nome do amor? Por que ele precisaria fazer isso para ela? Um embrulho ensanguentado para uma prostituta. O que ela sentiu ao ver aquilo? Meu Deus, que loucura! E que Natal sangrento ele teve aquele ano, não? Pensava, ainda boquiaberto, tentando dar atenção ao que o guia continuava falando sobre o quadro depressivo e a morte de Van Gogh. Nisso, algo estranho aconteceu comigo. Depois de ouvir a história da orelha cortada e do autorretrato, não consegui manter minha concentração no que o guia explicava, e as imagens ficaram tremidas em minha visão. Por diversas vezes, pisquei os olhos, espremendo-os com força para tentar recuperar a nitidez que perdi. Foi inútil. Sacudi a cabeça discretamente e inspirei profundamente, procurando meu fôlego, que diminuía. Ao soltar o ar suavemente, mantendo meus olhos fixos na tela daquele homem que tinha uma faixa branca cobrindo sua orelha cortada, ouvi uma voz: Foram as mãos dele que seduziram seu irmão. Elas o roubaram de você. De supetão, olhei para trás, procurando quem havia dito aquilo. Um casal de turistas olhou-me com estranheza, franzindo as testas, como se perguntassem o porquê de eu encará-los. Virei meu pescoço para um lado e para o outro, depois para frente, retornando à posição que estava antes, tentado encontrar quem havia dito aquilo e o porquê. Percebi-me ansioso e amedrontado ao mesmo tempo, ao entender que aquilo era algo da minha cabeça. Sorri para mim mesmo, tentando relaxar e concentrar-me novamente. E, no mesmo instante, ouvi mais uma vez: As mãos dele, Gaius. Impulsivamente, gritei, olhando para trás:

      — Quem é? — e obtive o silêncio e a atenção de todos que estavam ali.

      Minha respiração ainda ofegava, e o meu semblante estava envergonhado por ter atrapalhado a explicação do guia, que perguntou gentilmente:

      — O Senhor está bem? — e ficou aguardando minha resposta, olhando-me com atenção.

      Nervoso, mas tentando me acalmar, pedi desculpas e respondi que havia me assustado com alguma coisa. E comecei a caminhar para a porta de saída do museu, deixando todos olhando para mim. Do lado de fora, respirando vagarosamente, senti algo entre as minhas pernas. Olhando para baixo, vi que meu pênis estava ereto. Por que estou excitado? Perguntei a mim mesmo e, logo, dei-me a resposta de que me excitei porque o museu estava frio e eu tinha vontade de urinar. E, assim, consegui enganar a mim mesmo naquele instante. Só lamento não ter conseguido me enganar por muito mais tempo a partir daquele dia. Teria sido melhor ou mais fácil se tivesse conseguido. Resolvi almoçar e voltar para o hotel. Queria descansar, pois já tinha em mente o que fazer naquela noite. E precisaria de toda a energia para conseguir.

      Eram quase 22h. Caminhava pelas ruas de Amsterdã em direção ao Bairro da Luz Vermelha, que ficava a menos de quinze minutos do hotel. Era verão na cidade, mas durante a noite as temperaturas despencavam, o que exigia, no mínimo, um casaco e cachecol para quem quisesse se manter aquecido. As luzes vermelhas das ruelas e as bicicletas espalhadas pelos arredores do bairro foram avistados por mim. Acho que é ali. Pensei, e continuei caminhando, observando a movimentação de turistas, que eram abordados por vendedores de maconha. Curioso, passeava atento, procurando as famosas vitrines, onde as prostitutas se ofereciam a quem as visse da rua. Entrei em uma rua curta e, ao meu lado direito, vi várias vitrines, em que mulheres seminuas sensualizavam seus corpos com danças provocantes atrás de um vidro. Parei e observei-as com calma. Nisso, uma delas começou a bater no vidro fortemente, enquanto outras fechavam as cortinas rapidamente. Olhei para trás e vi um turista que segurava um celular e gravava imagens delas. Todos que passavam na rua falavam contra ele, pedindo que as respeitassem, pois estavam trabalhando, e não era permitido gravá-las. Um homem maduro, enraivecido, aproximou-se do turista, agarrou seu celular e jogou-o no rio que divide duas daquelas ruas. O homem esbravejava contra o turista, que ficou atônito com a reação, e saiu dali apressadamente. Achei aquilo tão instigante e pensei que iria passar uma madrugada interessante em um lugar onde as coisas acontecem. Continuei caminhando e observando os diversos bares, restaurantes e museus abertos naquele horário, enquanto acendi um cigarro. Eles ficavam na rua da frente à das vitrines. O excesso de pessoas andando, comendo, bebendo e tirando fotos era muito grande. Realmente, tudo que havia lido sobre o bairro, que é conhecido por sua lascívia, era verdade. Em pouco tempo que estive lá, pude constatar que aquela não seria a única noite que eu o visitaria. E não foi. As madrugadas aqui devem ser bem agitadas. Pensei e dei um sorrisinho safado para mim mesmo, já prevendo o que me aguardaria. Joguei o cigarro no lixo e voltei para as vitrines. Lá, havia quatro mulheres dentro delas. Observei que duas vitrines eram iluminadas com a luz vermelha, e as outras com uma roxa. Não entendi o porquê. Vendo-me, três delas faziam contato visual, tentando falar comigo, chamando-me com as mãos, para que me aproximasse. A outra, a que estava na ponta à minha direita, simplesmente repousou as duas mãos no quadril em um movimento leve e sexy, e fitou minha pupila demoradamente, enquanto erguia, vagarosamente, sua cabeça e sacudia seus cabelos longos e pretos para trás, deixando seus ombros à mostra e transparecendo sua altivez e soberba. O fato de ela não se oferecer para mim chamou minha atenção. Aproximei-me dela e pude contemplar suas pernas cobertas com uma cinta-liga, e seu tórax e seios presos a um espartilho. Ambos eram pretos. Sua calcinha minúscula era vermelha. Usava um sapato com salto alto. Com certeza, para valorizar seu corpo, visto que não era tão alta quanto parecia. Em seu rosto, havia um pouco de maquiagem e um batom vermelho escarlate. Cílios postiços exagerados valorizavam seus olhos pretos. O cabelo estava ressecado, o que não a impedia de exibi-lo com orgulho. Percorrendo seus braços e ombros nus, enxergando a flacidez da pele um pouco acima das axilas, tive a certeza de que aquela mulher já tinha passado dos quarenta anos. Meus olhos encontraram os seus, que não piscavam ao me fitar. Ela mantinha um olhar parado. Intriguei-me com a forma como ela me encarava. Por um instante, pensei que ela seria minha cliente, e não o contrário. Ela se mantinha imóvel, com as mãos no quadril e o pescoço arrogante. Então, pressionando minhas mãos contra a vitrine, falando baixo, perguntei:

      — Quanto? — e vi seus lábios expressarem um sorrisinho de alguém que consegue o que quer.

      — Cinquenta euros a cada vinte minutos. O que quer fazer? — e, mais uma vez, jogou o cabelo para trás sensualmente, provocando-me.

      Fiquei em silêncio por alguns instantes pensando em o que responder. Desviei os olhos dela algumas vezes e retirei minha mão da vitrine, como se demonstrasse que iria embora. Dei dois passos para trás cautelosamente e encarei-a. Procurei no bolso do casaco mais um cigarro e, logo, acendi-o. Virei-me para sair dali e pus-me a caminhar. Depois, parei e voltei. Ela continuava na mesma posição, como se tivesse a certeza de que eu voltaria. Nisso, perguntei:

      — Quanto você ganha em uma noite inteira aqui?

      — Passo a noite com você por mil euros, rapaz — respondeu, à queima-roupa.

      Dei um trago no cigarro e soltei a fumaça suavemente, pensando em o que dizer. Então, propus:

      — Dou-te dois mil euros pela noite inteira — e vi-a arquear uma das sobrancelhas, demonstrando interesse.

      — O que quer fazer? — indagou novamente, querendo fechar o negócio.

      — Que vista uma roupa e venha jantar. Estou com fome.

      Ela pareceu surpresa com a proposta, mas balançou a cabeça afirmando que sim, e, logo, mostrou seu profissionalismo, esclarecendo que eu precisava entrar nas regras.

      — Precisa pagar antes, rapaz — e abriu a porta da vitrine, convidando-me para entrar.

      — É claro. Desculpe — e, logo, retirei do bolso da calça quatro notas de quinhentos euros, aproximei-me e entreguei-as, ainda do lado de fora da vitrine.

      Ela deslizou os dedos pelas cédulas, verificando se eram verdadeiras, cheirou-as, deliciando-se com a certeza de que eram novas

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