Castrado. Paulo Nunes
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Será que ela me conhece? Pensei. A atendente saiu e deixou-me sozinho. Próximo a mim, o garçom observava a cena de Rachel com o homem careca, controlando-se para não rir. Então, chamei-o e pedi sussurrando:
— Sei que o champanhe que vocês servem aqui não é bom, mas fiquei mais animadinho agora. Traga-me uma taça, por favor — e pisquei o olho para ele, que sorriu para mim como se confirmasse o que disse.
E, em uma fração de segundos, minha irritação passou, e meu humor voltou. Então, salvei o homem careca de um constrangimento maior:
— Rachel! Escolha seus brincos e vamos embora. Temos que almoçar — e tentei não gargalhar ao lembrar dela limpando as calças do homem careca.
Acho que vou passar mais tempo com ela. Será divertido! Pensei.
Naquele mesmo dia, por volta das 21h, retornei para a suíte, pedi algo para comer e, depois de um longo e demorado banho, cobri meu corpo com o roupão, acendi um cigarro e dei um gole no vinho. Lembrei-me de Alyce. Tomei o celular na mão e vi dezenas de e-mails não lidos e algumas mensagens também. Abri a conversa com Alyce e li novamente a última mensagem que ela me enviou:
“Já estamos em Gramado. A viagem foi um pouco cansativa. Todos estão bem. Sinto que Arthur está tímido. Ele comenta que tem saudade do pai. Já o vi chorando em alguns momentos. Tento distraí-lo. Às vezes, consigo. Não se preocupe conosco. Descanse e aproveite sua viagem. Se precisar de algo, não hesite em me avisar”.
Quis enviar uma mensagem para ela, mas desisti. Tive a sensação de que iria atrapalhar e, também, que não seria bom para mim, pois precisava ficar sozinho para poder organizar minha cabeça. Ela tem dinheiro e está com sua família no Brasil. Não há com que se preocupar. Como pretende ficar sozinho se no segundo dia em Amsterdã fez amizade com uma puta e já planejou encontrá-la outras vezes, Gaius? Não entendo você! E, assim, continuava brigando com minhas incoerências mentais. Deslizando o polegar entre as mensagens, vi uma de Jean Paul, meu terapeuta:
“Gaius, perdeu o horário da nossa última sessão. Precisamos agendar um novo horário”.
Puta que pariu! Esqueci completamente. Precisava mais de Jean Paul que ele de mim. Liguei para ele no mesmo instante.
— Gaius? — disse com a voz indiferente.
— Desculpe, Jean Paul. Sei que não gosta que me atrase ou perca as sessões. Aconteceram algumas coisas, e eu me perdi nos horários — e dei um trago no cigarro, caminhando pela suíte, esperando a bronca que ele sempre me dava todas as vezes que aquilo acontecia.
— Gaius, já conversamos sobre isso. Preciso lembrá-lo de que meu tempo para nossa terapia é valioso. Aceitei sua proposta de continuarmos fazendo terapia online por causa de tudo que estava acontecendo, mas não me sinto confortável todas as vezes que você se atrasa ou falta às sessões. Essa ferramenta tecnológica impõe diversas fragilidades em minha abordagem psicanalítica. Não quero ter que lidar com problemas que podem ser evitados. Preciso que se discipline e marque horários comigo que possa cumprir. Essa não é a primeira vez que temos essa conversa. Não gostaria de ter que mencionar esse assunto novamente com você — disse ele, educadamente, surrando-me com a língua mais uma vez por causa das remarcações das sessões de terapia.
— Desculpe, Jean Paul. Prometo que irei me organizar melhor. Podemos recuperar a sessão perdida agora? — e espremi meus dentes uns contra os outros, sorrindo silenciosamente, enquanto torcia que, mais uma vez, ele se adaptasse ao meu horário.
Ouvi-o respirar, quase que bufando. Então, respondeu:
— Ainda não consegui jantar. Houve imprevisto aqui no hospital. Vou comer alguma coisa e ligo a câmera em quarenta e cinco minutos. Aí em Nova Iorque são quase 16h, não?
— Estou em Amsterdã. É o mesmo horário de Mônaco. São quase 22h. Vou jantar e aguardo você ligar a câmera — e desliguei.
As sessões com Jean Paul me ajudavam a organizar meus pensamentos e sentimentos, além de conferir clareza sobre os passos que dei e os que estava propenso a dar. Ele era um porto seguro para mim e para minhas instabilidades mentais. Não foi à toa que, depois da quarta sessão com meu antigo psicólogo, quando ainda estava na Suécia, resolvi encerrar aquela terapia e pedir a Jean Paul que me atendesse de forma virtual, visto que estávamos em países diferentes: ele, em Mônaco, e eu, à época, na Suécia. Desde aquele momento, ele voltou a ser meu terapeuta, e pude continuar o tratamento que iniciei no Center Hospitalier Princesse Grace, em Mônaco, anos atrás. Desde que retomamos, tínhamos o compromisso de conversar por cinquenta minutos uma vez por semana. Algumas vezes, perdi as sessões e me atrasei em outras, o que lhe causava irritação e conferia a ele o direito de me dar uma bronca na sessão seguinte. Ele e eu estabelecemos uma dinâmica razoável a partir dos atendimentos via internet, visto que me convenci de que precisava fazer terapia somente com ele. Aquele meio era a única opção de tornar as sessões possíveis de se realizarem. Tive que me adaptar às suas exigências: uma sessão por semana, no mínimo; se julgasse necessário, teríamos duas ou até mesmo três; precisaria estar um local sozinho e sem interferências de outras pessoas; não poderia beber ou fumar durante a sessão; a câmera do meu celular precisava estar ligada para que pudesse me ver e conversar comigo. Além disso, tive que pagar quase o triplo do que se paga normalmente por uma sessão de terapia em Mônaco. Com o valor que pago a ele por sessão, quase posso faltar, quando quiser. E assim, passaram-se mais de dois anos em que nossas sessões ocorriam. E, ao longo desse tempo, nunca tive dúvidas de que Jean Paul me conhecia muito melhor que eu mesmo, embora, às vezes, discordasse dele, principalmente quando me era conveniente. Sempre confiei muito mais no que ele me dizia do que eu mesmo pensava sobre mim. A psicanálise chamaria isso de transferência. Eu chamo de sensatez. Dava-me muito bem com ele. Só lamentei bastante que as coisas mudaram entre nós no futuro.
Ainda de roupão, sentado à mesa, tendo o celular à minha frente, no horário estabelecido, a foto dele surgiu no visor.
— Boa noite, Gaius! — e logo deitou suas costas em sua cadeira de trabalho daquela mesma sala onde nos encontramos diversas vezes anos atrás, tentando encontrar uma posição confortável para iniciar a sessão comigo.
— Boa noite, Jean Paul! Resolvi sair de Nova Iorque. Estou em Amsterdã. Queria ficar um tempo sozinho depois de toda aquela loucura, e imaginei que aqui fosse um lugar bom para isso. Mas não foi bem assim. No segundo dia conheci uma prostituta, e ela já dormiu em minha suíte com um garçom que me interessei no Bairro da Luz Vermelha. Mas, antes disso, fui ao Van Gogh Museum. Você sabia que lá tem uma pintura dele com a orelha cortada? É um autorretrato. Ele cortou a orelha como gesto de amor a uma prostituta chamada Rachel, que morava em Arles, na França... — e continuei contando a ele todas as coisas que estavam acontecendo em Amsterdã, desde o prazer pelo sebo no pênis de Finn até mesmo o vexame que Rachel deu na Tiffany, quebrando uma taça de champanhe.
Com o tempo, considerando todas as situações que já haviam sido apresentadas a Jean Paul, ele passou a fazer algumas perguntas a mim no fim de cada sessão. Não eram muitas. Duas ou três, no máximo. Às vezes, somente uma. Mas sempre me perguntava algo. E elas me deixavam pensativo durante toda a semana que antecedia a próxima sessão com ele. Naquela, perguntou-me ele:
— Gaius, que tipo de joia você comprou para sua amiga prostituta?
— Comprei um