Olhos negros atravessaram o mar. Maria Cristina Francisco

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Olhos negros atravessaram o mar - Maria Cristina Francisco

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2012. p. 45-46, 48-51, 53, 56-58, 61).

      O povo negro chegava da África de vários portos, direcionado para todo o território do país (Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Porto Alegre, Bahia, Pernambuco, norte do país - Amazônia). Já nos EUA, a concentração ocorreu predominantemente no sul, pois no norte havia outro modelo econômico. Com essa observação, nota-se que todo o território brasileiro passou a conviver com os estereótipos negativos sobre o corpo negro.

      A migração forçada foi principalmente de homens jovens adultos. Uma vez comprados por um “senhor”, eram transportados para as fazendas, para os engenhos de cana-de-açúcar e depois para a produção de café. Durante o século XVIII, algumas regiões se destinavam à mineração de ouro e diamante. Os demais iam para a região urbana (sobrados, igrejas), e as mulheres puérperas serviam como amas de leite.

      Os escravizados passavam a viver em alta vulnerabilidade de vida devido à ausência de tudo; as mulheres sofriam a ameaça da violência sexual do seu “senhor”; a maioria vivia em péssimas condições nas senzalas (moradia) - locais insalubres, desumanizados, brutalizados -, além de haver o uso da chibata e do tronco como formas de castigo e opressão (“lição pública”). Nessa exposição, eram exibidas a todos as consequências da rebeldia. As crianças não saíam impunes - a surra de vara e de palmatória ou purgantes amargos tinham seu uso recorrente como reprimenda. Essa cotidiana realidade perversa vivenciada certamente levava a um estado de tensão corporal absurdo. Sentimentos como banzo (melancolia - luto pela falta de sua terra natal) e desconfiança constante eram presentes. Viver sem esperança de liberdade ou de sonhos de alforria, praticamente impossíveis - acreditamos que essa condição gerou muito desalento, raiva e desamparo, uma tragédia na condição humana.

      No entanto, na luta pela sobrevivência, mesmo em condições dificílimas de fuga, com a prática da luta capoeira, os quilombos se firmaram como uma realidade possível. Durante esse período, houve outras formas de resistência do povo negro, como suicídios (comer terra até a morte ou infligir-se envenenamentos).

      Neste ponto, será importante discorrer um pouco sobre o significado dos quilombos. Ao fazer a crítica do conceito de quilombo estabelecido pelo Conselho Ultramarino, Alfredo Wagner Berno de Almeida, em Os quilombos e as novas etnias (2011, p. 39), mostra que aquela definição se constitui basicamente de cinco elementos: 1) fuga; 2) quantidade mínima de “fugidos” definida com exatidão; 3) localização marcada por isolamento relativo, isto é, em “parte despovoada”; 4) moradia consolidada ou não; 5) capacidade de consumo traduzida pelos “pilões” ou pela reprodução simples que explicaria uma condição de marginal aos circuitos de mercado.

      O conceito de quilombo não pode ser territorial apenas ou fixado num único lugar geograficamente definido, historicamente “documentado” e arqueologicamente “escavado”. Ele designa um processo de trabalho autônomo, livre da submissão aos grandes proprietários. Neste sentido, não importa se está isolado ou próximo das casas-grandes. Há uma transição econômica do escravo ao camponês livre, que só indiretamente passa pelo quilombo no caso do Frechal. O que não foi concebido no lugar onde se ergueu o quilombo, foi obtido a partir de debilitado o poder da casa-grande e bem junto a ela. Este talvez seja o elemento mais controvertido e que dificulta aos historiadores ortodoxos entender a dinâmica do que seria a “essência” do significado de quilombo (ALMEIDA, 2011, p. 45).

      Se por um lado existia a Senzala, por outro existia a Casa Grande, que representava o poder nos engenhos e fazendas, habitadas pelos senhores das terras e seus familiares, lugar de privilégios para os brancos.

      A senzala foi uma forma de moradia de populações escravizadas, vindas do continente africano num movimento conhecido por Diáspora Africana, ou a vinda compulsória de sujeitos para o trabalho no sistema escravista na colônia portuguesa.

      A forma de moradia das populações escravizadas, conhecidas por senzalas, estavam diretamente relacionadas à casa-grande. Enquanto os senhores e suas famílias viviam sob a casa-grande, escravizados serviam a eles e moravam em habitações com poucos recursos e conforto. Essa relação traz o aspecto da intimidade para as relações entre senhores e escravizados e são essas relações que Gilberto Freyre utiliza para pensar a formação da sociedade brasileira patriarcal em seu livro Casa Grande e Senzala, datado de 1933. O intelectual destacava que tanto a casa-grande como a senzala representavam um sistema político, econômico, social e sexual. As relações que se davam entre essas duas esferas serviam para equacionar as diferenças gritantes existentes na sociedade.

      A experiência das senzalas existe desde o início da experiência da escravidão na América Portuguesa. Desta forma a moradia em questão esteve presente do século XVI ao XIX, ou seja, dos engenhos de açúcar, das minas de ouro às fazendas do cultivo de café. Elas foram a principal forma de moradia dos períodos colonial e imperial.

      A senzala faz, portanto, parte da vida cotidiana de sujeitos escravizados, envolvendo formas de organização social, resistência e convívio social. A palavra tem origem africana e significa morada, entretanto a forma de moradia era estabelecida pelos senhores, que cuidadosamente preveniam fugas colocando grades nas poucas janelas existentes e instalando à frente da senzala o pelourinho – tronco destinado aos castigos físicos da população escravizada. Essa estratégia era utilizada a fim de utilizar o castigo como forma exemplar aos demais e inseria as sevícias na vida cotidiana e na morada desses homens e mulheres (ANDRADE, s.d., s.p.)

      Essa relação vertical e de ilusória intimidade tornou-se complexa. Nas polaridades, se posicionavam sentimentos de afeto e tensão, proximidade e violência. Essas mulheres negras conviviam com o controle, as humilhações, os castigos físicos e os caprichos das mães e senhores. Acreditamos que sentimentos de inveja e ciúmes poderiam surgir por parte dos pais, pois naturalmente o bebê passava a ter vínculos afetivos mais fortes com as amas.

      As mulheres negras precisaram desenvolver um lugar de resistência para suportar o luto, a dor pela ausência do filho, e propiciar paradoxalmente um sentimento afetivo para com a criança branca, que não era seu filho e nunca seria. As consequências dessa violência, no mínimo, destituíram a mulher negra de sua essência feminina, do seu lugar de entrega de afeto relacional amoroso, perpetrando um lugar solitário e de solidão.

      As amas tinham valor comercial muito rentável para os senhores e, com isso, evidenciava-se mais uma forma de exploração do corpo feminino, além da prática de serem objeto de exploração sexual. Entre os indígenas e os negros, a amamentação era valorizada, mas para o branco a prática era considerada deselegante na época colonial, sem valor social e afetivo, daí a função da ama de leite. Essa

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